Em meio à recessão,
administração pública é o setor que mais criou vagas para profissionais com
ensino superior
Governo emprega
quase 4 em cada 10 trabalhadores com ensino superior; com crise participação
cresce
Em busca de
estabilidade e salários melhores, boa parte dos trabalhadores com ensino
superior tem optado pelo emprego no setor público. Com a recessão, que vem
produzindo um forte aumento do contingente de desempregados, essa atratividade
aumentou ainda mais. No ano passado, entre 673 setores econômicos, a
administração pública foi a que mais gerou vagas para brasileiros com diploma
universitário: um total de 68.625.
Em 2014, o segmento
empregava 37,4% dos trabalhadores com nível superior. No ano passado, essa
fatia atingiu 38%, o maior avanço relativo entre todos os setores. Embora tenha
contribuído para frear o desemprego de profissionais qualificados, nem todas as
vagas do setor público são condizentes com a formação do candidato.
Reportagem da Folha
publicada no domingo (20), com base na Rais (relatório anual sobre o mercado de
trabalho formal), mostra que milhares de brasileiros com ensino superior têm aceitado
empregos de menor qualificação para conseguir uma vaga. A tendência também se
aplica às posições que profissionais buscam no setor público.
Cargos que exigem
ensino médio —como professor em início de carreira na educação infantil, agente
de segurança penitenciária e auxiliar de judiciário— estão entre os que mais
geraram emprego para profissionais com diploma.
Pesquisador do
Insper, Sérgio Firpo afirma que, no longo prazo, o setor público no Brasil
deforma o mercado de trabalho: incentiva que talentos busquem a estabilidade em
vez de correr riscos no setor privado, provocando uma ineficiência da economia.
“O setor público
faz um verdadeiro ‘brain drain’ [fuga de cérebros] no mercado de trabalho. Isso
faz com que um engenheiro bem formado, em vez de fazer pontes, por exemplo,
esteja carimbando papéis numa repartição ou Tribunal de Contas.”
SEM ALTERNATIVA
Formada em
arquitetura, com pós-graduação na FGV, a carioca Jéssica Bruno, 31, passou a
estudar para concursos depois que perdeu o emprego em um escritório. “O que me
levou a fazer concursos é a falta de emprego.”
Como muitos
profissionais do Rio, Jéssica trabalhou numa empresa ligada ao setor do
petróleo, mercado que murchou com a crise da Petrobras. Depois que saiu de lá,
tentou oportunidade no escritório de arquitetura, mas se queixa do clima
negativo no mercado.
“Todos os meus
amigos ou foram mandados embora ou estão com medo de perder o emprego. Decidi
que não quero mais ficar nessa tensão”, diz. “Além disso, o salário oferecido
nos concursos é mais do que estão pagando para arquitetos [no setor privado].”
Jéssica decidiu
concorrera vagas que exigem apenas o ensino médio e agora tenta entrar no
serviço público como técnica do Judiciário. “Eles oferecem mais vagas, e a
prova é mais fácil. No último concurso que tentei [para o Ministério Público],
havia uma vaga de arquiteto e 17 para técnicos.”
FREIO NA TAXA
Em temporada de
desemprego, como agora, Firpo calcula que a desocupação entre os profissionais
com ensino superior estaria bem mais elevada não fosse o contingente que aderiu
ao serviço público. A taxa de desemprego para essa camada da população, hoje ao
redor de 6%, saltaria para 8% se fossem retirados da conta os servidores
públicos.
Desde 2012, a
participação do funcionalismo no total de ocupados nunca esteve tão elevada
quanto no segundo trimestre de 2016. Possivelmente resultado da redução do
emprego no setor privado. Ele observa que o nível educacional subiu em toda a
força de trabalho. Mas, entre os servidores públicos, o aumento é mais
expressivo. Mais da metade dos estatutários e militares tem ensino superior. No
resto do mercado, o percentual não chega a 15%. “As pessoas que estudaram menos
recebem menos e estão mais expostas ao desemprego”, afirma Firpo.
SAIBA MAIS
SÉRIE DISCUTE OS
EFEITOS DA RECESSÃO A série “Marcas da Crise” mostra os impactos provocados
pela recessão. Alguns dos efeitos podem afetar a capacidade de reação da
economia. Veja as outras reportagens da série em: folha.com/marcasdacrise.
Mariana Carneiro Êrica
Fraga, da Folha de São Paulo
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