Bomba descoberta em Palomares, Espanha |
Quando foi recuperada uma bomba perdida em Palomares, na região espanhola da Andaluzia, uma equipe de especialistas precisou descobrir como desativá-la
Era uma manhã tranquila de inverno no hemisfério norte, no auge da Guerra Fria.
O dia era 17 de janeiro de
1966, perto de 10h30 da manhã. Um pescador de camarões espanhol viu um pacote
branco deformado caindo no céu... e dirigindo-se em silêncio para o mar de
Alboran, entre a Espanha e o Marrocos.
O pacote tinha alguma coisa
pendurada embaixo dele, mas o pescador não conseguiu descobrir o que era. Até
que desapareceu entre as ondas.
Ao mesmo tempo, em Palomares
- uma aldeia de pescadores próxima, na Espanha —, moradores locais olhavam para
o mesmo céu, mas presenciaram uma cena muito diferente. Duas bolas de fogo
gigantes chocaram-se em direção a eles.
Em questão de segundos, a
pacata e idílica comunidade rural foi atingida. Casas balançaram. Estilhaços
cobriram o chão. Partes de estruturas desabaram.
Algumas semanas depois,
Philip Meyers recebeu uma mensagem por telex - uma espécie de máquina de
escrever elétrica que podia enviar e receber mensagens, antecessora do fax. Na
época, ele trabalhava como especialista em desativação de bombas da Unidade
Aeronaval de Sigonella, no leste da Sicília (Itália).
Ele foi informado sobre uma
emergência ultrassecreta na Espanha e que deveria seguir para lá em questão de
dias.
Mas a missão não foi tão
confidencial como os militares esperavam. "Não fiquei surpreso em ser
chamado", relembra Meyers. Até a população já sabia o que estava
acontecendo.
Ele foi a um jantar naquela
noite e anunciou sua misteriosa viagem — e a esperada confidencialidade virou
uma espécie de brincadeira. "Foi meio embaraçoso", ele conta.
"Deveria ser um segredo, mas meus amigos me contaram por que eu estava
viajando."
Por semanas, jornais de todo
o mundo noticiaram rumores de um terrível acidente — dois aviões militares
americanos haviam colidido em pleno ar, liberando quatro bombas termonucleares
B28 em Palomares.
Três dessas bombas foram
rapidamente recuperadas em terra, mas uma delas desapareceu nas ondas a sudeste
e se perdeu no fundo daquela faixa azul do mar Mediterrâneo.
Agora a busca era para
encontrá-la — junto com a sua ogiva com poder explosivo equivalente a 1,1
milhão de toneladas de TNT.
Número desconhecido
Na verdade, o incidente de
Palomares não foi o único que causou a perda de armas nucleares. Houve pelo
menos 32 acidentes conhecidos como "flechas partidas", envolvendo
essas armas de destruição arrasadoras, desde 1950.
Em muitos casos, as armas
foram lançadas por engano ou ejetadas em situações de emergência, tendo sido
recuperadas posteriormente. Mas três bombas americanas foram completamente
perdidas — elas estão por aí até hoje, escondidas em pântanos, campos e oceanos
pelo planeta.
"Nós sabemos
principalmente sobre os casos americanos", afirma Jeffrey Lewis, diretor
do Programa de Não Proliferação do Leste Asiático do Centro James Martin de
Estudos de Não Proliferação na Califórnia, nos Estados Unidos. Ele explica que
a lista completa só ficou conhecida quando um resumo preparado pelo
Departamento de Defesa dos Estados Unidos veio a público nos anos 1980.
Muitos desses casos
ocorreram durante a Guerra Fria, quando os Estados Unidos tentavam se
equilibrar frente ao precipício da Destruição Mútua Assegurada (MAD, na sigla
em inglês) com a União Soviética. Para isso, entre 1960 e 1968, eles mantinham
no céu aviões equipados com armas nucleares a todo momento, na chamada Operação
Chrome Dome.
"Não sabemos muito
sobre os outros países. Nós realmente não sabemos nada sobre o Reino Unido, a
França, a Rússia ou a China", afirma Lewis. "Por isso, acho que
estamos longe de ter as informações completas."
O passado nuclear da União
Soviética é particularmente obscuro. Em 1986, o país havia acumulado um estoque
de 45 mil armas nucleares. Sabe-se de casos em que a URSS perdeu bombas
nucleares que nunca foram recuperadas — mas, ao contrário dos incidentes
americanos, todos eles ocorreram em submarinos e suas localizações são
conhecidas, ainda que sejam inacessíveis.
Um desses casos ocorreu em 8
de abril de 1970, quando um incêndio começou a espalhar-se pelo sistema de
ar-condicionado de um submarino nuclear K-8 soviético enquanto mergulhava na
baía de Biscaia, uma traiçoeira faixa de água no nordeste do Oceano Atlântico,
junto ao litoral da Espanha e da França, conhecida pelas suas violentas
tempestades e muitos naufrágios.
O submarino carregava quatro
torpedos nucleares a bordo. Ele afundou rapidamente, levando junto sua carga
radioativa.
Mas essas embarcações
perdidas nem sempre ficaram no local do naufrágio. Em 1974, um submarino K-129
soviético afundou misteriosamente no Oceano Pacífico, levando três mísseis
nucleares.
Os Estados Unidos logo
descobriram e decidiram montar uma tentativa secreta de recuperar esse
"presente" nuclear, "o que, por si só, já era realmente uma
história bem maluca", segundo Lewis.
Profissionais vasculham uma
embarcação afundada
Hoje em dia, as defesas
nucleares dos Estados Unidos consistem de mísseis balísticos intercontinentais
em terra (ICBMs, na sigla em inglês), aviões bombardeiros e mísseis balísticos
submarinos (SSBNs)
O excêntrico bilionário
americano Howard Hughes, famoso por seu amplo leque de atividades (incluindo
como piloto e diretor de cinema), fingiu estar interessado em mineração em
águas profundas.
"Mas, na verdade, não
se tratava de mineração em águas profundas. Era um esforço para construir uma
garra gigante que pudesse descer até o leito do oceano, pegar o submarino e
trazê-lo de volta para cima", afirma Lewis. Era o Projeto Açoriano, que
não funcionou. O submarino se partiu enquanto estava sendo erguido.
"E essas armas
nucleares teriam caído de volta no leito do oceano", explica Lewis. As
armas permanecem lá até hoje, presas no seu túmulo enferrujado. Ou pelo menos
algumas pessoas acreditam que as armas ainda estejam lá — outros acham que elas
foram recuperadas em algum momento.
De vez em quando, surgem
notícias de que foi encontrada alguma bomba nuclear perdida pelos Estados
Unidos. Em 1998, um militar aposentado e sua esposa foram acometidos de uma
súbita determinação de descobrir uma bomba lançada perto da ilha de Tybee, na
Geórgia (Estados Unidos), em 1958.
Eles entrevistaram o piloto
que havia perdido a bomba 40 anos antes e as pessoas que haviam procurado pelo
artefato na época — e restringiram as buscas para Wassaw Sound, uma baía
próxima no Oceano Atlântico.
A dupla aventureira passou
anos vasculhando a região de barco, levando um contador Geiger para detectar
qualquer pico de radiação revelador.
Até que, um dia, no ponto
exato que o piloto havia descrito, eles encontraram um trecho com níveis de
radiação 10 vezes maiores que nas áreas vizinhas. E o governo rapidamente
despachou uma equipe para investigar.
Mas, infelizmente, não era a
bomba nuclear. A anomalia era causada por uma fonte de radiação natural,
proveniente de minérios no leito do oceano.
Por isso, até hoje, as três
bombas de hidrogênio americanas perdidas — além de, pelo menos, uma série de
torpedos soviéticos — permanecem no oceano, preservadas como monumentos aos
riscos da guerra nuclear, embora em grande parte esquecidas.
Por que ainda não
encontramos todas essas armas traiçoeiras? Existe o risco de que elas possam
explodir? E será que, algum dia, nós conseguiremos resgatá-las?
Objetivos encobertos
Quando Meyers finalmente
chegou a Palomares em 1966, as autoridades ainda procuravam a bomba nuclear
perdida.
Todas as noites, sua equipe
dormia em tendas na aldeia, com tempo úmido e frio congelante. "Parecia um
inverno inglês", ele conta. Durante o dia, eles trabalhavam muito pouco —
o segredo era esperar.
"É um padrão militar,
'apresse-se e espere'", afirma Meyers. "Precisamos correr para lá e
não fizemos nada por duas semanas. Até que a exploração submarina ficou muito
avançada."
O submersível Alvin
A equipe de busca contou com
o auxílio de duas invenções geniais.
A primeira foi um obscuro
teorema do século 18, inventado por Thomas Bayes, um pastor presbiteriano que
também era matemático amador e ajudava as pessoas a usar informações sobre
fatos ocorridos no passado para calcular a probabilidade de que eles acontecessem
de novo.
A equipe usou a técnica
conhecida como "inferência bayesiana" para decidir onde buscar a
bomba, procurando da forma mais eficiente possível e maximizando suas chances
de encontrá-la.
A segunda invenção foi
Alvin, um submarino de águas profundas de alta tecnologia, capaz de mergulhar
até profundidades sem precedentes na época. Como um tubarão branco rechonchudo,
todos os dias ele descia até as profundas águas azuis do Mediterrâneo com uma
equipe humana dentro dele, para uma caçada visual.
Até que, no dia 1º de março
de 1966, o pequeno submarino finalmente avistou algo: um rastro deixado pela
bomba quando ela atingiu o leito do oceano.
Imagens posteriores
revelaram uma cena misteriosa: a ponta arredondada da ogiva nuclear perdida,
coberta por um manto fantasmagórico — o seu paraquedas branco, que havia se
aberto parcialmente durante a queda, enrolando-se com a sua preciosa carga. De
alguma forma, o tubo metálico mortal acabou parecido com uma pessoa vestida com
um lençol para o Halloween.
Mas a luta não havia
terminado. Agora, o trabalho de Meyers era descobrir como tirar aquela bomba do
leito do oceano, a 869 metros de profundidade.
Eles improvisaram uma
espécie de linha de pesca com algumas centenas de metros de fio de nylon
resistente e um gancho metálico. A ideia era travar o dispositivo e puxá-lo até
que ficasse a uma distância suficiente da superfície para que um mergulhador
pudesse descer e prendê-lo com mais cuidado.
"Este era o plano. Não
funcionou", relembra Meyers. "Tudo foi feito de forma muito
planejada, com cuidado e lentamente. E apenas ficamos esperando... estávamos
ansiosos, querendo ver o que faríamos depois, quando ela subisse."
Eles conseguiram enganchar a
bomba nuclear e começaram a içá-la para fora da água. Eles haviam erguido a
bomba do fundo quando ocorreu o desastre.
O paraquedas, despertado do
seu sono sobre o leito do oceano, subitamente começou a fazer o que sabia fazer
melhor — reduzir a velocidade da sua carga, dificultando a movimentação.
Avião decola de um porta-aviões
"Você sabia que o
paraquedas funciona na água tão bem quanto no ar?", relembra Meyers. Em
dado momento, o paraquedas estava puxando a corda e o gancho com tanta força
que simplesmente a linha se rompeu, mandando a bomba nuclear lentamente de
volta para o fundo do mar.
E, desta vez, ela caiu em um
ponto ainda mais profundo do que antes. O pequeno Alvin, com sua equipe humana,
conseguiu apenas evitar que fosse enroscado e acabasse no fundo com a bomba.
Meyers ficou arrasado.
"Foi uma enorme decepção", ele conta. Com a bomba agora menos
acessível do que antes, sua corda improvisada não teria comprimento suficiente
para pegá-la, de forma que a tarefa foi transferida para outra equipe, em outro
barco.
Um mês depois, eles usaram
um tipo diferente de submarino robótico — um veículo subaquático controlado à
distância — para pegar a bomba diretamente pelo paraquedas e erguê-la.
A bomba havia se movido no
seu invólucro e não podia ser desarmada da forma habitual, por uma porta
especial na lateral. A equipe precisou cortar a bomba nuclear, o que foi
assustador.
"Era uma enorme tensão
perfurar um buraco em uma bomba de hidrogênio", segundo Meyers. "Mas
eles fizeram. Eles estavam preparados para aquilo."
Mistério na lama
Infelizmente, as três bombas
que ainda estão perdidas não tiveram os mesmos esforços de recuperação. Mas
acredita-se que o risco de que elas causem uma explosão nuclear seja baixo.
Para entender o motivo, é
preciso examinar como funcionam as bombas nucleares.
Em setembro de 1905, Albert
Einstein pegou a caneta e escreveu, sobre as páginas do seu estudo científico,
uma ideia que se tornaria a equação mais famosa do mundo: E = mc2 — ou seja, a
energia é igual à massa de um objeto multiplicada pela velocidade da luz ao
quadrado.
Isso significa que cada
átomo que compõe o mundo pode ser substituído por energia e vice-versa. E, se
você descobrir como fazer, a energia liberada é muito explosiva — é o que
alimenta o Sol.
Trinta e quatro anos mais tarde,
Einstein escreveu para o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt,
para alertá-lo que os nazistas estavam trabalhando para transformar essa teoria
em uma arma — e o resto é história. Foi rapidamente formado o Projeto Manhattan
e, em 1945, os Estados Unidos lançaram sua primeira bomba nuclear.
As bombas lançadas sobre as
cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, foram do tipo atômico
original. Átomos de elementos radioativos foram esmagados uns contra os outros,
para causar sua divisão e criar elementos diferentes.
Essa reação de
"fissão" libera muita energia, fazendo com que outros átomos se
dividam até que você tenha uma reação massiva e descontrolada. Na primeira vez
em que ela foi testada, os cientistas não tinham certeza se a reação acabaria —
eles consideraram a possibilidade real de que o mundo poderia ser destruído.
Para atingir a fissão
nuclear, as bombas atômicas normalmente envolviam um mecanismo similar a uma
arma que disparava uma "bola" oca de átomos radioativos, como
urânio-235, sobre ainda mais urânio-235, ou usavam explosivos convencionais
para comprimir átomos de plutônio-239, até que eles começassem a dividir-se.
Em Hiroshima e Nagasaki,
essas primeiras armas arrasaram a terra por quilômetros, matando centenas de
milhares de pessoas. Algumas delas foram vaporizadas na zona de impacto,
enquanto outras morreram devido a queimaduras causadas pela radiação ou doenças
nos dias, meses e anos que se seguiram.
A geração seguinte de bombas
— o tipo usado nos anos 1950 e 1960, quando ocorreu o extravio da maioria das
bombas nucleares perdidas do mundo — era milhares de vezes mais potente. Eram
bombas termonucleares, ou bombas de hidrogênio, que envolviam uma segunda
reação nuclear.
Primeiro havia a etapa comum
de fissão, como ocorre com as bombas atômicas, para liberar quantidades
impressionantes de energia. Isso causa a ignição de um segundo núcleo, que
contém isótopos de hidrogênio — deutério (hidrogênio pesado) e trítio (hidrogênio
radioativo) — que se esmagam e liberam ainda mais energia quando entram em
fusão para formar hélio e um nêutron livre.
Esse sistema trouxe a
possibilidade de uma série de dispositivos de segurança. Um exemplo é a bomba
perdida na ilha de Tybee, que ainda se encontra em algum lugar no lodo de
Wassaw Sound.
Em 5 de fevereiro de 1958,
essa bomba termonuclear Mark 5 de 3.400 kg foi carregada em um bombardeiro
B-47, que iria reunir-se com outro B-47 em uma longa missão de treinamento. A
ideia era simular um ataque à União Soviética, substituindo Moscou pela cidade
americana de Radford, na Virgínia.
Os pilotos decolaram da
Flórida e cruzaram os céus até o seu destino, para testar sua capacidade de
voar com as armas pesadas a bordo por horas a fio.
Avião
Tudo corria bem até que, na
volta para a base, os aviões encontraram outra missão de treinamento na
Carolina do Sul. O plano daquele grupo era interceptar um dos B-47s. Mas houve
um engano e eles não localizaram o segundo avião, que estava carregando a bomba
nuclear. E, na colisão que se seguiu, o B-47 que carregava a bomba nuclear foi
atingido.
O piloto decidiu lançar a
bomba nuclear na água e fazer um pouso de emergência. A bomba caiu a 9.144
metros de profundidade, nas águas do litoral da ilha de Tybee — e mesmo esse
impacto não a detonou.
De fato, é surpreendente que
nenhum dos 32 acidentes com as "flechas partidas" tenha chegado a
causar a detonação de componentes nucleares. Apenas dois deles contaminaram uma
ampla área com material radioativo.
Um possível fator para esses
desfechos de sorte é o sistema que mantém o material nuclear necessário para a
reação de fissão separado da arma propriamente dita.
A cápsula ou
"ponta" — que, neste caso, consistia de plutônio — podia ser
acrescentada à arma no último minuto, quando fosse necessária. Isso significa
que, mesmo se os explosivos convencionais da arma fossem detonados ainda a
bordo, o material radioativo não ficaria quente o suficiente para dividir os
átomos do material.
Lewis também indica que,
apesar do longo trajeto da bomba de Tybee do céu até o oceano, o mar teria
amortecido o choque. É a mesma razão pela qual as cápsulas espaciais
normalmente pousam na água e não em terra.
As bombas mais recentes
também incluíram funções como a "segurança em uma etapa" — uma forma
de garantir que os dispositivos nucleares não fossem detonados sem a sua ativação.
Nessas armas, os explosivos convencionais da bomba podem ser disparados, mas
eles não detonam o material radioativo porque ele é extraído antes de poder ser
comprimido.
"Se o explosivo for
disparado, você quer que ele saia de forma irregular, se não for o seu objetivo
(a detonação) — você quer que o plutônio meio que seja esguichado para
fora", explica Lewis.
Quando isso acontece, é
altamente necessário ter várias funções de segurança — principalmente porque
elas nem sempre funcionam. Houve um caso, em 1961, em que um B-52 se partiu
enquanto voava sobre Goldsboro, na Carolina do Norte (Estados Unidos), deixando
cair duas armas nucleares no solo.
Uma delas sofreu
relativamente poucos danos porque seu paraquedas se abriu com sucesso, mas um
exame posterior revelou que três das suas quatro proteções haviam falhado.
Em um documento de 1963 que
veio a público posteriormente, o então secretário de Defesa dos Estados Unidos
resumiu o incidente como um caso em que, "pela menor margem de erro,
literalmente a falha de contato entre dois fios, evitou-se uma explosão
nuclear".
A outra bomba nuclear caiu
livre no chão, onde se partiu e acabou enterrada em um campo. A maioria das
partes foi recuperada, mas uma delas, contendo urânio, permanece presa a mais
de 15 m de profundidade na lama. A Força Aérea americana comprou a terra ao seu
redor para impedir que as pessoas cavassem no local.
Alguns incidentes são tão
desconcertantes que quase parecem ter sido inventados. Talvez um dos eventos
mais extraordinários tenha ocorrido quando um exercício de treinamento no navio
USS Ticonderoga teve um péssimo desfecho em 1965.
Um avião Skyhawk A4E,
carregado com uma bomba nuclear B-43, estava sendo levado para um elevador de
aviões quando ocorreu um desastre em câmera lenta. A tripulação no convés
percebeu rapidamente que o avião iria cair e acenou para que o piloto acionasse
os freios.
Mas ele tragicamente não viu
os acenos e o avião, a arma e o jovem tenente afundaram no mar das Filipinas.
Eles estão lá até hoje, a 4.900 metros de profundidade, perto do Japão.
Quadro confuso
Depois de cerca de 10
semanas de buscas, a bomba da ilha de Tybee foi declarada irrecuperavelmente
perdida no dia 16 de abril de 1958.
Segundo uma nota redigida
pelo piloto que a lançou, a arma não continha a cápsula, que não foi
acrescentada antes do exercício de treinamento. Mas algumas pessoas receiam que
esta informação possa ser incorreta.
Em 1966, o então assistente
do secretário de Defesa escreveu uma carta descrevendo a bomba como
"completa", ou seja, com o seu núcleo de plutônio. Se isso for
verdade, ela ainda pode ser capaz de causar uma explosão termonuclear.
Acredita-se que a bomba hoje
esteja assentada sob 1,5 a 4,6 metros de lodo sobre o leito do oceano. Em um
relatório final sobre a arma, publicado em 2001, a Agência de Não Proliferação
e Armas Nucleares da Força Aérea dos Estados Unidos concluiu que, se os
explosivos convencionais ainda estiverem intactos, ela pode representar um
"sério risco de explosão" para as pessoas e para o meio ambiente — e,
portanto, é melhor não mexer nela, nem mesmo para tentar recuperá-la.
Mas uma bomba nuclear pode
explodir debaixo d'água?
Sim, pode! Em 25 de julho de
1946, os Estados Unidos detonaram uma bomba atômica no atol de Bikini — um
arquipélago paradisíaco rodeado por recifes de coral azul-turquesa e pelo azul
profundo do Oceano Pacífico.
O dispositivo ficou suspenso
a 27 metros abaixo de um conjunto de navios cheios de porcos e ratos e foi
detonado. Diversos navios afundaram instantaneamente e a grande maioria dos
animais morreu, seja com a explosão inicial ou posteriormente, envenenados pela
radiação.
Uma imagem marcante daquele
dia mostra a enorme nuvem branca em forma de cogumelo elevando-se como uma
formação meteorológica de outro planeta, em frente a uma praia cheia de
palmeiras.
Como resultado deste e de
outros testes, o arquipélago ficou tão radioativo que seu plâncton brilhava
sobre placas fotográficas. E ele ainda está contaminado até hoje — as pessoas
que viviam ali nunca mais puderam retornar, mesmo que o arquipélago tenha se
tornado um oásis da vida selvagem, como Chernobyl, na Ucrânia.
Prejuízo permanente
Lewis acredita que é
improvável que encontremos as três bombas nucleares que faltam. Isso se deve,
em parte, às mesmas razões pelas quais elas não foram encontradas na época do
seu desaparecimento.
Um dos motivos é porque elas
normalmente são localizadas por meio de busca visual, o que é extremamente
difícil.
Quando os aviões caem no
oceano, a caixa preta normalmente é encontrada dias ou semanas depois pelas
pessoas que tentam descobrir o que aconteceu. Isso pode dar a impressão de que
é fácil encontrar objetos nessas amplas áreas marítimas com tecnologia moderna.
Mas as caixas pretas têm um
segredo que ajuda neste processo, um "farol de localização
subaquático", que orienta as equipes de busca rumo a elas com um pulso
eletrônico continuamente repetido.
Já as armas nucleares
perdidas não têm esse equipamento. Por isso, as equipes precisam restringir uma
área de busca e rastrear pouco a pouco o oceano — um processo tedioso e
ineficiente, que exige submarinos ou mergulhadores humanos.
Uma alternativa seria buscar
picos de radiação, como fez o militar aposentado Derek Duke na sua pesquisa
pela bomba de Tybee. Mas isso também é extremamente complicado — em parte,
porque as bombas nucleares, na verdade, não são particularmente radioativas.
"Elas são projetadas
para que não sejam uma ameaça radioativa para as pessoas que as
manuseiam", afirma Lewis. "Por isso, elas têm uma assinatura
radioativa, mas não é muito significativa. Você precisa estar razoavelmente
próximo."
Em 1989, outro submarino
nuclear soviético, o Komsomolets K-278, afundou no mar de Barents, perto do
litoral da Noruega.
Como o K-8, ele também era
movido a energia nuclear e estava carregando dois torpedos nucleares. Por
décadas, seu convés ficou a 1,7 km de profundidade nas águas do Ártico.
Até que, em 2019, cientistas
visitaram a embarcação — e descobriram que amostras de água retiradas do seu
cano de ventilação apresentavam níveis de radiação até 100 mil vezes mais altos
que o normal na água do mar.
Mas isso é incomum.
Acredita-se que elementos radioativos do seu reator nuclear (e não dos
torpedos) estejam vazando por essa ventilação, talvez devido a uma ruptura no
momento do acidente. A apenas meio metro de distância do cano, os isótopos eram
tão diluídos que os níveis de radiação eram normais.
Para Lewis, a fascinação com
armas nucleares perdidas não são os riscos potenciais que elas oferecem agora,
mas sim o que elas representam: a fragilidade dos nossos sistemas aparentemente
sofisticados de manuseio com segurança de invenções perigosas.
"Acho que temos essa
fantasia de que as pessoas que lidam com armas nucleares, de alguma forma, são
diferentes de todos os outros tipos de pessoas que conhecemos, cometem menos
erros ou são mais inteligentes de alguma forma", afirma Lewis. "Mas a
realidade é que as organizações que temos para lidar com armas nucleares são
como qualquer outro tipo de organização humana. Elas cometem erros. Elas são
imperfeitas."
Mesmo em Palomares, onde
todas as bombas nucleares que caíram acabaram sendo recuperadas, a terra ainda
está contaminada com radiação de dois artefatos que foram detonados com
explosivos convencionais.
Alguns dos militares
americanos que ajudaram nos esforços de limpeza iniciais (incluindo a escavação
da superfície do solo para colocação em barris) desenvolveram misteriosos tipos
de câncer que se acredita estarem relacionados com aquela atividade.
Em 2020, diversos
sobreviventes entraram com uma ação conjunta contra a Secretaria de Assuntos
dos Veteranos dos Estados Unidos, embora muitos dos requerentes estejam
atualmente na casa dos 70 ou 80 anos de idade.
Enquanto isso, a comunidade
local vem defendendo uma limpeza mais completa há décadas. Palomares foi
apelidada de "a cidade mais radioativa da Europa" e ambientalistas
locais atualmente protestam contra os planos de uma companhia britânica de
construir um resort de férias na região.
Lewis acredita que perdas
como as que ocorreram durante a Guerra Fria provavelmente não acontecerão
novamente, principalmente porque a operação Chrome Dome terminou em 1968 e os
aviões não voam mais carregando bombas nucleares durante exercícios regulares
de treinamento.
"Os alertas aéreos
terminaram por razões que devem ser óbvias para nós", afirma ele.
"Por fim, decidiu-se que era perigoso demais."
A exceção deste progresso, é
claro, são os submarinos nucleares. E, até hoje, por pouco não há acidentes. Os
Estados Unidos têm atualmente 14 submarinos com mísseis balísticos (SSBNs, na
sigla em inglês) em operação. A França e o Reino Unido têm quatro cada um.
Para funcionar como
dissuasão nuclear, esses submarinos precisam permanecer sem serem detectados
durante as operações no mar, o que significa que eles não podem enviar sinais
para a superfície para que se descubra onde eles estão.
Os submarinos desse tipo
precisam navegar principalmente por inércia — essencialmente, a tripulação
depende de máquinas equipadas com giroscópios para calcular onde está o
submarino a qualquer dado momento com base na sua última posição, para qual
direção ele se movimentava e a rapidez com que ele viajava.
Este sistema potencialmente
impreciso resultou em uma série de incidentes, incluindo um SSBN britânico que
quase colidiu com uma balsa em 2018.
Por isso, é possível que a
era das armas nucleares perdidas ainda não tenha acabado.
Zaria Gorvett, BBC Future
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