No Pará, moradores de uma reserva extrativista mostram como é
possível lucrar com a floresta sem derrubá-la. Mulheres são as principais
defensoras dessa tradição e alvos frequentes de ameaças.
Em uma pequena vala no
meio do pasto, Claudia dos Santos para o carro. Na beira do caminho, há uma
grande cruz de madeira e, ao lado, os restos de uma placa de pedra destruída.
"Eles atiraram nela", conta Santos. "O nome do meu tio e da
minha tia estavam gravados na pedra. Até hoje somos ameaçados porque protegemos
a floresta."
A jovem de 20 anos é
sobrinha de José Cláudio Ribeiro, que junto com sua mulher, Maria do Espírito
Santo, foi alvejado por dois pistoleiros neste local. O casal liderava uma
comunidade extrativista no sudeste do Pará. Os extrativistas coletam e
processam frutos da Amazônia, são os agricultores da floresta. Mas o Pará vem
sendo desmatado a um ritmo raramente visto em outros lugares do Brasil. José
Cláudio e Maria resistiam à destruição e denunciavam madeireiros e pecuaristas
ilegais. Até esse contra-ataque brutal.
Um dos pistoleiros foi
condenado, assim como dois dos mandantes. Porém, o assassino conseguiu fugir da
prisão, e um dos mandantes – um pecuarista que estava de olho em terras da
reserva – escapou da polícia. "Vivemos com medo", afirma Claudia dos
Santos.
O Pará abriga a segunda
maior porção da Amazônia brasileira. Mas madeireiros, pecuaristas, sojeiros e
garimpeiros ilegais avançam há anos sobre a floresta, invadindo áreas
protegidas, reservas indígenas e territórios de extrativistas. Desde a posse do
presidente Jair Bolsonaro, em 2019, eles ficaram mais agressivos. O número de
conflitos por terras no Pará é extremamente alto – ambientalistas, indígenas e
comunidades tradicionais vivem perigosamente.
Guerra
cultural
O termo extrativismo
descreve a coleta de frutos que a natureza oferece. A prática é uma resposta
importante para a pergunta sobre como é possível viver na região da Floresta
Amazônica sem destruir o meio ambiente. "Meu tio e minha tia provaram que
o extrativismo funciona", afirma Santos. "Por isso, eles precisaram
morrer. Eles mostraram que uma floresta intacta produz mais riqueza do que o
gado."
A jovem cresceu numa
grande família na comunidade Praia Alta-Piranheira, famosa por suas
castanhas-do-pará e que, em 1997, foi declarada reserva agroextrativista pelo
Estado. José Cláudio Ribeiro e sua esposa desempenharam um importante papel
para que isso ocorresse. Contudo, a demarcação não impediu madeireiros e pecuaristas
de continuar invadindo os 22 mil hectares de área protegida. O Estado está em
grande parte ausente na Amazônia e, em várias regiões, o que vale é a lei do
mais forte.
Há também uma guerra
cultural no Pará. Em muitas partes do Brasil, a natureza ainda é considerada
algo atrasado e importuno, que deve ser domado e de preferência eliminado para
abrir espaço para o desenvolvimento econômico. Bolsonaro encarna esse ponto de
vista por excelência, ele fala de "árvores de merda" e defende garimpeiros
e madeireiros ilegais. Para ele, aqueles que defendem a floresta são
baderneiros. Os recordes de desmatamento na Amazônia sob o governo Bolsonaro
não são uma coincidência.
Sustento
vindo da floresta
Depois dos assassinatos de
José Cláudio e Maria, Santos e sua mãe, que também recebeu ameaças de morte, se
mudaram para Marabá, que fica a duas horas e meia de carro da reserva. Lá
Santos estuda e trabalha no instituto Zé Cláudio e Maria – uma ONG fundada por
sua mãe para ajudar a manter de pé a luta por Justiça e a memória dos mártires
socioambientais.
Nesta tarde, ela vai à
reserva para visitar a tia, Claudecir dos Santos, que deu continuidade à
tradição do extrativismo. Depois de um longo trajeto numa estrada de terra e ao
longo de pastagens, ela chega à área protegida, fácil de reconhecer devido à
mata fechada. Para recebê-la, Claudecir matou uma galinha que prepara num fogão
à lenha numa cozinha aberta. "Estou satisfeita com a minha vida", diz
a viúva de 57 anos.
Na manhã seguinte, a
mulher pequena e musculosa entra na floresta com um facão e uma cesta nas
costas – cerca de 30 hectares de mata pertencem ao seu quintal. Ela conta que
há quatro ou cinco frutos que a ajudam a ganhar a vida.
Em primeiro lugar, está a
castanha-do-pará. Elas crescem em castanheiras e, em ouriços que parecem balas
de canhão, as castanhas amadurecem envoltas cada uma em uma casca dura. A
castanha-do-pará não pode ser cultivada em plantações, ela dá apenas na
floresta. Essa é uma das razões para o alto preço de venda desse produto no
mercado. Nutritivas, as castanhas possuem um elevado teor de proteína e
gordura, além de muitos minerais.
Cada uma das dezenas de
castanheiras na floresta produz por safra castanhas no valor de cerca de R$
500, segundo Claudecir. Ela acrescenta que, ao longo dos anos, isso rende muito
mais do que se derrubassem a árvore e vendessem sua valiosa madeira. Apesar de
o corte da espécie ser proibido pela legislação brasileira, madeireiros
continuam derrubando castanheiras. Eles simplesmente declararam a madeira como
de outro tipo.
Igualmente importante para
a renda de Claudecir é a andiroba, de cujas sementes é extraído um valioso
óleo, que tem efeitos antissépticos e é usado na fabricação de sabonetes. Em
sua oficina, Claudecir mostra como funciona o processo de extração do óleo. Ela
se uniu com outras mulheres da reserva numa cooperativa para comercializarem
juntas o óleo.
Açaí, cacau e cupuaçu
também são coletados e vendidos. Já mamão, manga e limão são para consumo
próprio. Além disso, Claudecir planta mandioca, feijão, cana-de-açúcar e
ervilha. O quintal dela parece um paraíso autossuficiente. Mas é claro que não
cresce tudo que é necessário para viver na floresta.
Claudecir, que recebe
ajuda de um irmão mais novo para cuidar da plantação, compra açúcar, sal,
arroz, café e óleo na cidade. "Mas eu não gosto da cidade", diz.
"A floresta me dá tudo que eu preciso. Ver como ela é viva me dá coragem.
Apesar de tudo."
Ameaças
de morte
Faz dois anos que a mãe de
Claudecir, que vive em Marabá, recebeu uma carta na qual estava escrito com
letras recortadas: "Vamos acabar com o resto da família". E essa não
foi a única ameaça.
Ao anoitecer, vestindo
jeans e chinelos de dedo, Claudia dos Santos atravessa um riacho do qual vem a
água usada por sua tia. As cigarras já começaram com sua cantoria
ensurdecedora, e longe um grupo de bugios grita. Santos senta embaixo de uma
castanheira imponente, que emerge para o céu de uma clareira. A idade da
poderosa árvore é estimada entre 350 e 400 anos, ela conta. Sua família a
batizou com o nome de Majestade. "Eu venho aqui para encontrar minha paz.
Essa clareira é minha catedral."
Santos conta que há dois
anos, na volta de uma visita à reserva com uma amiga, elas foram seguidas por
uma pick-up com luz alta que chegava cada vez mais perto. "Entramos em
pânico e aceleramos até que nosso carro quase capotou numa curva." A jovem
acredita que um pecuarista que tem uma fazenda na divisa com a reserva esteja
por trás do episódio.
O extrativismo, como o
praticado por Claudecir e sua família, é uma provocação. A economia
predominante na região é a pecuária, que também se espalhou pela reserva
extrativista. De 400 famílias que moram no local, apenas 20 ainda praticam a
silvicultura. As outras possuem gado, o que contradiz o objetivo da reserva,
mas é a realidade.
"Querem lucro rápido.
Pensam que só os que têm gado contam", afirma Suena Nascimento, de 28
anos, que é professora numa escola rural e presidente do coletivo de
extrativistas do qual 15 mulheres fazem parte.
"Nós, mulheres,
pensamos a longo prazo", afirma a professora. "Algumas famílias que
começaram a criar gado já se arrependeram", diz, apontando que elas não
calcularam os custos de fertilizantes para as pastagens, ração, vacinas e
outros. "As primeiras a mudar de ideia são as mulheres. Os homens precisam
de mais tempo. Mas o mais tardar quando a água se torna escassa e o solo
esgotado, eles percebem que algo não vai bem. É preciso se aliar à natureza
para sobreviver na Amazônia", ressalta.
DW,
Philipp Lichterbeck
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