O que leva um homem e uma mulher a serem profissionais
bem-sucedidos? Será que os critérios que os fazem alcançar melhores salários
são os mesmos válidos para elas, ou a análise é feita de forma diferente?
Para tentar responder a essas questões, a pesquisadora da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, Cristiane Soares, fez um estudo a pedido do EXTRA com base nos microdados da PNAD Contínua do IBGE, do quarto trimestre de 2020, e descobriu qual é o perfil dos profissionais de sucesso.
Para selecionar a parcela da população considerada bem-sucedida foi usado
como parâmetro de salário mensal igual ou superior a R$ 5 mil. Enquanto 4,5
milhões de homens têm esse rendimento, apenas 2,6 milhões de mulheres recebem
tal renda ainda que sejam mais qualificadas: do grupo, 91,1% das trabalhadoras
concluíram o nível superior contra apenas 73,9% dos empregados do sexo
masculino.
Em ambos os casos, pessoas brancas têm mais chances de receberem mais.
Porém, ao analisar a posição no mercado de trabalho, o estudo constatou que
45,9% das mulheres de alta renda são empregadas do setor público e 30,5% do
setor privado. As demais são empregadoras ou autônomas. No caso dos homens, não
há tanta diferença: 31,7% estão em empregos privados; 32,5%, em públicos; 20,6%
são empregadores; e 15,1% trabalham por conta própria.
— O setor público reduz as desigualdades de gênero porque o acesso é via
concurso, o que possibilita às mulheres ganharem mais. Num contexto onde não
tem concurso e há excesso de mão de obra, fica mais difícil para elas
prosperarem — observa Cristiane: — Por as mulheres serem relacionadas ao
cuidado, empresas perguntam nas seleções se elas têm filhos, porque enxergam
isso como empecilho.
De acordo com a mentora de carreiras Ticyana Arnaud, perguntar a uma
candidata se é casada ou tem filhos na entrevista configura ato
discriminatório, o que é proibido pela lei de nº 9.209, de abril de 1995.
— Em uma pesquisa realizada no LinkedIn com cerca de 600 pessoas, 69%
disseram que acreditam que mulheres na faixa dos 30 anos sofrem preconceito
somente por estarem na idade reprodutiva. E, infelizmente, essa sensação
reflete um comportamento que realmente existe, uma vez que não são apenas as
competências técnicas que estão sendo avaliadas — avalia Ticyana: — as empresas
estão preocupadas na contratação com o período que a mulher estará afastada da
empresa se engravidar, tanto para consultas médicas, quanto na licença
maternidade.
A auxiliar administrativa Poliana Tavares, de 33 anos, sentiu o preconceito.
Após se separar, deixou o emprego na empresa do ex-marido e ficou dois anos
apenas cuidando do filho. Ao tentar voltar ao mercado, viu resistência nos
entrevistadores:
— A pergunta principal é se você tem filho e com quem ele vai ficar. Mesmo
falando que está tudo bem resolvido, as pessoas ficam com medo de darem a
oportunidade. Eu acho que esse tipo de pergunta não é feita para homens.
O efeito contrário ocorreu na carreira do consultor financeiro Gabriel
Barros, de 30 anos. Após descobrir que se tornaria pai da Fernanda, hoje com 7
anos, ele foi promovido três vezes na empresa onde trabalhava e, depois,
recebeu uma proposta mais vantajosa para mudar de emprego. Com isso, seu
salário mais do que triplicou depois da paternidade. Já a mãe da menina, que
trabalhava na mesma função que ele quando engravidou, só subiu de cargo uma
única vez neste período.
— Não imaginava estar financeiramente confortável aos 30. Ao descobrir que
seria pai, me senti incentivado a dar meu melhor para oferecer à minha filha de
uma boa escola a viagens de férias — lembra.
Um estudo publicado pelo jornal da Universidade de Chicago, em março de
2014, mostrou que enquanto as mulheres são vistas pelo mercado de trabalho como
menos competentes e menos comprometidas após a maternidade, os pais não sofrem
essa discriminação. Pelo contrário: homens com filhos têm vantagens sobre os
sem filhos por serem vistos como mais responsáveis e, por isso, recebem ofertas
iniciais de salários mais altas.
Para a especialista em liderança e fundadora da Warana Treinamentos,
Georgia Bartolo, o preconceito contra as trabalhadoras que são mães ocorre por
causa de vieses inconscientes — atalhos cerebrais que facilitam a tomada de
decisões, mas também promovem o julgamento das pessoas a partir de
estereótipos.
— É muito comum nas organizações as mulheres não receberem ofertas para
posições estratégicas porque os líderes acreditam que elas não desejam fazer
horas extras, mudar de cidade, viajar a trabalho ou mesmo ascender
profissionalmente. A elas não são dadas as mesmas oportunidades — opina.
Georgia ainda ressalta que julgamentos enviesados causam prejuízos
econômicos às organizações, que perdem talentos diversos. Por isso, diz que é
fundamental treinar as lideranças e estabelecer metas arrojadas para a adoção
de melhores práticas.
A especialista em comportamento e pesquisas de tendências no grupo
Consumoteca, Rebeca Moraes, afirma que, muitas vezes, são atribuídas às
mulheres responsabilidades sem que antes se discuta isso, o que faz com que
sobre menos tempo para a carreira. Até mulheres que não têm filhos são
sobrecarregadas com tarefas de cuidado em relação a parentes idosos, como pais,
sogros e tios.
— Para uma mulher que tem filhos ter tempo para estudar, ela tem antes que
organizar uma rede de apoio, ou seja, pedir que alguém cuide da criança naquele
intervalo. Já o homem, de modo geral, não precisa se preocupar. Ele vai apenas
decidi fazer — observa Rebeca: — O mesmo vale para aqueles encontros informais
com a equipe. A gente sabe que muitas vezes as promoções dependem de networking
(rede de relacionamentos). Então, eles acabam tendo mais oportunidades.
Além das tarefas de cuidado, há as atribuições de organização da rotina
familiar, que também interferem na colocação no mercado de trabalho. Para
Juliana Mariz, sócia do Fatigatis, que compartilha informações sobre carga
mental e propõe ferramentas em direção ao bem-estar, historicamente, a
sociedade sempre deu mais importância aos homens por classificá-los como
provedores, ignorando que, sem o trabalho do cuidado, não é possível sair em
busca do sustento. E apesar de nas últimas décadas a mulher também ter passado
a contribuir para a renda domiciliar, ela não foi aliviada nos afazeres
domésticos.
— Se amanhã vou sair cedo, sei que vou ter que tirar a carne do congelador
porque se não, ninguém fará — exemplifica Juliana: — Outra situação é quando há
uma viagem para o exterior a trabalho. A mulher precisa fazer um arranjo
familiar, mas homem só faz a mala. Infelizmente, isso influencia na decisão do
empregador.
Engana-se quem acredita que as mulheres com maior escolaridade estão
sujeitas a menores disparidades salariais em relação a homens de igual
qualificação e em cargos semelhantes. Um estudo, que foi publicado no Instituto
Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações
Unidas, em dezembro de 2018, acompanhou a evolução da participação e dos ganhos
para homens e mulheres entre 1994 e 2015 e concluiu que a desigualdade aumenta
com o nível educacional.
Mulheres sem diploma de ensino médio ganham 28,8% menos do que os homens;
as com ensino médio completo recebem 32,6% menos do que eles; já as
trabalhadoras com diploma universitário têm salários 47,4% menores do que os
homens. Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social e um dos responsáveis pela
pesquisa, os dados mostram que há um limite para para as mulheres crescerem.
O mesmo estudo ainda mostra que a desigualdade salarial permanece maior
até os 40 anos, fase considerada a idade reprodutiva para as mulheres, caindo
após essa faixa etária. Apesar disso, houve avanços nas últimas décadas.
— As mulheres com 40 anos, em 2020, são menos prejudicadas do que as mulheres
que tinham 40 anos em 2000. A sociedade está se tornando mais preocupada com
essas razões — diz Neri.
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