Provável vitória democrata altera planos do Brasil para economia, meio ambiente, política externa e até na pauta de costumes. saiba por que essa não é uma notícia ruim.
Antes mesmo da definição de
quem será o próximo presidente dos Estados Unidos, empresas, entidades
setoriais, economistas e executivos de multinacionais com operações no Brasil
fizeram (e refizeram) seus cálculos de risco nas últimas semanas para traçar um
cenário de mudanças importantes no tabuleiro político e financeiro mundial.
Embora ainda estivesse no campo hipotético, o favoritismo do democrata Joe Biden
expresso nas pesquisas de intenção de voto frente ao presidente Donald Trump
gerou expectativas – positivas e negativas – no ambiente econômico, visto que a
troca de comando na Casa Branca representará mudanças profundas nas diretrizes
públicas e privadas no País. “A vitória de Biden é uma notícia ruim para o
Bolsonaro, mas algo muito positivo para o Brasil”, afirmou o economista Jose
Niemeyer, coordenador de Relações Internacionais do Ibmec RJ e doutor em
ciência política pela USP. “Afinal, sem as amarras das bobagens ideológicas, o
grupelho bolsonarista terá de focar no que realmente importa do ponto de vista
econômico.”
E quem mais teme essa
mudança de republicanos para democratas nos Estados Unidos é o próprio governo
de Jair Bolsonaro. Desde que chegou ao poder, o presidente e suas equipes
ministeriais não escondem a admiração platônica – e quase sempre não
correspondida – a Donald Trump e qualquer tema associado a ele. Mesmo entre os
assuntos de consenso e já pacificados, ambos cantam em dueto: subestimam o novo
coronavírus, negam a existência do aquecimento global, rechaçam a tese de que desenvolvimento econômico e proteção
ambiental devem caminhar juntos, criticam publicamente a China (principal
parceria comercial dos dois países) e lideram, simbolicamente, uma espécie de
clube da direita conservadora. “Com Joe Biden na presidência, essa pauta
negacionista e ideológica vai para o ralo”, afirmou Niemeyer. Apesar da postura
otimista do acadêmico, nem todos enxergam o futuro sob a mesma ótica. Para o
embaixador Rubens Ricupero, um dos mais notórios personagens da diplomacia
brasileira, Biden na presidência vai levar o Brasil à estaca zero nas relações
políticas com os Estados Unidos e, num primeiro momento, aumentar o isolamento
do Brasil no cenário internacional. “Seria um autêntico terremoto, um pouco
como despertar de um pesadelo”, afirmou Ricupero numa entrevista ao UOL. Ele
atuou na Embaixada do Brasil em Washington nos anos de Jimmy Carter e foi
embaixador do País nos EUA décadas depois.
Economicamente, a mudança
da tônica nacionalista de Trump para uma tônica mais globalista de Biden vai
gerar efeitos-colaterais para o Brasil, inclusive em relação à entrada do País
na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, e ao avanço de acordos de livre
comércio. Enquanto Trump parece apoiar Bolsonaro por razões políticas e pelas
vantagens que os Estados Unidos podem ter com a abertura mais ampla do comércio
entre os países, os discursos de Biden sinalizam que ele pode ser mais rigoroso
em relação ao cumprimento das regras, que vão desde questões de liberdade
econômica até meio ambiente e direitos trabalhistas. Eduardo Ibrahim, professor
de gestão da universidade SingularityU Brazil e cofundador da consultoria Tech
Advisor, disse que “da mesma forma que a vitória de Trump fortaleceu os
candidatos de direita no mundo, como Bolsonaro, a derrota vai enfraquecê-lo”.
NÓ AMBIENTAL
O ponto mais sensível na
relação entre o Brasil e os Estados Unidos de Biden será, em um primeiro
momento, a questão ambiental. No mês passado, o então candidato democrata
criticou a passividade do governo brasileiro diante do avanço recorde das
queimadas na Amazônia e afirmou que, se fosse eleito, reuniria um pacote de US$
20 bilhões de vários países para impedir o desmatamento no Brasil. “Aqui estão
US$ 20 bilhões. Parem de desmatar. Do contrário, isso terá consequências
econômicas significativas”, afirmou Biden diante da nação americana.
A reação de Bolsonaro, que
classificou a ameaça como “desastrosa”, “lamentável” e “gratuita”, soou como
uma anedota nos bastidores políticos e militares. Junto da crítica a Biden, o
líder brasileiro disse que “as Forças Armadas precisam estar preparadas para
proteger a Amazônia.” A bravata de Bolsonaro recebeu o timbre do ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles, que reagiu com ironia à declaração do candidato
democrata. “Só uma pergunta: a ajuda dos US$ 20 bilhões do Biden é por ano?”,
escreveu, no Twitter.
O incêndio precisou ser apagado
pelo embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, que afirmou que toda
ajuda é bem-vinda. Para o diplomata, existe interesse por parte do País em
captar recursos que permitam o desenvolvimento
sustentável da Amazônia. “Se colocado à mesa, o tema deve ser examinado de
forma concreta”, disse Forster, em uma entrevista concedida à BBC. Para Welber
Barral, estrategista de comércio
exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior entre
2007 e 2011, com Biden na presidência os Estados Unidos irão se aproximar da
União Europeia. “ Com isso, haverá um alinhamento dos países em torno da pauta
ambiental.”
É consenso que Bolsonaro
será espremido por Biden para que o Brasil abandone a postura negacionista
sobre a devastação da floresta se quiser manter negócios com o restante do
mundo. Mas não só nesse campo Brasília poderá ter problemas. O presidente terá
de baixar o tom nos discursos em defesa de torturadores durante a Ditadura
Militar. Durante a gestão de Barack Obama, em junho de 2014, o próprio Biden,
então vice-presidente, desembarcou em Brasília com um HD contendo 43 documentos
produzidos por autoridades americanas entre 1967 e 1977. A partir de
informações passadas por vítimas, informantes das Forças Armadas e dos serviços
de repressão, os relatórios americanos – cuja inteligência militar deu suporte
ao governo brasileiro de então – detalhavam informações sobre censura, tortura
e assassinatos cometidos pelos militares do Brasil, incluindo o coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra, torturador considerado um “herói nacional” por
Bolsonaro.
CAUTELA EMPRESARIAL
Com esse tipo de carta na
manga, Biden poderia pressionar outros países democratas e progressistas e
deixar de lado nações que não comprovem comprometimento com a história, com a
ciência e com o meio ambiente. Nesse contexto, empresas brasileiras que hoje
conseguem romper os limites demográficos e chegar aos Estados Unidos olham com
cautela o pleito americano. Diretor de negócios internacionais em uma das
maiores empresas de alimentos do Brasil afirmou à DINHEIRO, em condição de
anonimato, que todos os cenários presidenciais nos Estados Unidos estão sendo
monitorados. “Ideologicamente nos alinhamos mais ao Biden, mas sabemos da
preferência do governo brasileiro ao Trump”, disse. Segundo o executivo, uma
vitória do democrata americano pode impactar em um primeiro momento, mas será
benéfica no médio prazo. “Entendo a pressão como uma fase para que o produtor
brasileiro de alimentos esteja apto a ser global.” Para ele, as mudanças
sanitárias trazidas pela Covid também são benéficas e garantem maior valor
agregado. “Para um empresário, vale mais a pena exportar uma tapioca de
procendência duvidosa ou cobrar mais por algo feito de modo sustentável e
saudável? Essa é a questão.”
Outra dúvida com uma
mudança de comando nos Estados Unidos reside na questão fiscal e política
monetária adotada pelos dois países. Para Ibrahim, da SingularityU, a escalada
do dólar, que bateu a casa de R$ 5,80 nos últimos dias, teve muito a ver com
instabilidades políticas e incapacidades de mostrar previsibilidade em relação
ao equilíbrio fiscal, o que fez do real a moeda mais desvalorizada no mundo
(quase 40% nos primeiros nove meses do ano). “Por isso, podemos ser
beneficiados em caso de vitória do Biden porque o partido democrata tende a
aumentar gastos do governo e impostos, o que pode gerar pressão na moeda
americana.”
Não é o que pensa Arthur
Lemos, professor de relações internacionais e ex-secretário adjunto de
políticas bilaterais do Itamaraty entre 2010 e 2015. “Não vejo grandes mudanças
no comportamento do dólar nos próximos anos por conta de Biden. Vejo com mais
preocupação a desvalorização do real”, disse. Com relação aos brasileiros que
vivem ou têm negócios nos Estados Unidos, Lemos entende que a mudança será para
melhor. “Hoje, os latinos em solo americanonão possuem uma vida fácil, e por
mais que o presidente negue, nós somos latinos. Com a vitória de Biden acho
difícil que as coisas piorem.” Na opinião do especialista não há espaço para que
o governo americano crie sanções que prejudiquem brasileiros enquanto pessoa
física.
No entanto, a pauta que
mais preocupa ao setor produtivo brasileiro é mesmo a agenda econômica. E
apesar das trocas públicas de afago entre Bolsonaro e Trump, com direito a um
“I Love You” do brasileiro em um encontro em Washington em setembro de 2019, o
comércio bilateral entre os dois países atingiu o pior patamar em 11 anos em
2020, segundo dados da Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil). As trocas
comerciais foram de US$ 33,4 bilhões de janeiro a setembro, queda de 25,1% em
comparação com o mesmo período de 2019. O saldo negativo de US$ 3,1 bilhões
para o Brasil foi o pior dos últimos seis anos. Ainda assim, os Estados Unidos
continuam sendo o segundo principal parceiro comercial do Brasil, respondendo
por 9,7% das vendas totais do País, perdendo apenas para a China, que responde
por 28,8% das exportações brasileiras, três vezes mais que os americanos. “A
contração de um quarto da corrente de comércio entre Brasil e Estados Unidos é
um golpe duro no comércio bilateral, sendo o pior resultado desde a crise
econômica de 2009”, disse o vice-presidente executivo da Amcham Brasil, Abrão
Neto.
Para o ex-secretário de
Comércio Exterior do governo federal Welber Barral, que hoje atua como
consultor, a balança comercial brasileira não deve mudar muito de patamar em
relação à atual. Na opinião do especialista, não há grandes espaços para
boicotes comerciais diretos, principalmente porque 60% das exportações
brasileiras aos EUA são de produtos manufaturados, com menos apelo à pauta
ambiental. “Acho que o mais problemático pode ser a carne. Outros itens, como
soja, açúcar, celulose [que seriam alvos de bloqueios] o Brasil não exporta ou
porque já existem barreiras ou porque os EUA são autossuficientes.”
Há vagas para protagonistas
Caso confirmada a vitória
de Joe Biden no pleito americano, haverá espaço para que o Brasil ofereça ao
mundo uma oposição ao ceticismo científico e ao negacionismo ambiental que Jair
Messias Bolsonaro propaga. Em Brasília, partidos políticos se articulam para
usar seus quadros mais populares fora do Brasil e se colocar, frente ao mundo,
em uma oposição a má imagem do presidente – tudo visando as eleições de 2022.
Entre os nomes que podem assumir este protagonismo aparece João Doria,
governador do Estado de São Paulo, que foi capaz de atrair a iniciativa privada
para mais perto da gestão pública. Doria esteve, por exemplo, no último
encontro presencial em Davos, na Suíça, e de lá obteve parcerias comerciais
mais relavantes que as de Bolsonaro no mesmo evento.
Apostando nesse potencial
de Doria, o próprio PSDB, partido do qual é filiado, encontra na eleição de
Biden – e numa consequente virada mais democrática progressista em um mundo
pós-Covid – as chances do partido, que se tornou personagem secundário na última
eleição presidencial, forte possibilidade de resgate de protagonismo federal.
Na esquerda, a popularidade de Luis Inácio Lula da Silva também deve ter
repercussão internacional, principalmente com o discurso de transferência de
renda e combate à fome que promoveu no País. Com discursos de bem-estar social,
seja pela redução da desigualdade ou pela capacidade de investimento e desenvolvimento econômico, os dois
protagonistas da histórica política do Brasil querem se afastar de Trump e,
deixar com ele, os devaneios de Bolsonaro.
Por Jaqueline Mendes e Paula Cristina, na Isto é
- - - - -
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
Para saber mais clique aqui. |
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
Para saber mais sobre os livros, clique aqui. |
Para saber mais sobre a Coleção, clique aqui. |
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. - - - - - - No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui. No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
-----------
|