Com dinheiro em caixa,
grandes empresas do varejo saem às compras — e o alvo são os competidores
menores
Em alguns segmentos do
varejo brasileiro foi decretada a temporada de compras. O Grupo Soma, dono das
marcas de roupas Farm e Animale, anunciou a existência de um acordo para a
aquisição da NV, focada em moda feminina e com canal de vendas digital. O preço
anunciado foi de R$ 210 milhões. Antes mesmo de concretizar o negócio, Roberto
Jatahy, presidente do grupo, disse que essa será a primeira de uma série de
compras. Há outras duas aquisições em negociação — uma marca do segmento
fitness e outra de moda feminina. Embora ninguém confirme, as empresas Shoulder
e Amaro são vistas como prováveis alvos, assim como a rede fluminense Leader,
que entrou com pedido de recuperação judicial no início de março.
A Arezzo, gigante na área
de calçados, fincou pé no vestuário em outubro ao adquirir o grupo carioca
Reserva, numa operação de R$ 715 milhões. Numa só tacada, além das marcas
masculinas, abriu uma porta para ingressar também em negócios ainda pequenos no
feminino e no infantil. No mercado, a aposta é que a Arezzo não pare por aí e,
muito provavelmente, tente a aquisição de uma marca de moda feminina. Num
relatório divulgado no início de novembro, o setor de análises do banco BTG
Pactual previu que o processo de consolidação no varejo vai persistir em favor
de “companhias líderes e setores ainda fragmentados como vestuário e material
de construção”. Diferentes especialistas em varejo concordam que marcas de
pequeno e médio porte, principalmente as focadas nas classes A e B e com
faturamento entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões, são as consideradas mais
atraentes. Grupos regionais também estão na mira.
O atual processo de fusão e
aquisição é diferente do anterior, ocorrido há cinco anos, quando a ideia era
obter ganhos de escala e consequente redução de custo. “A prioridade agora é
complementar portfólio. As empresas que estão comprando marcas são em sua
maioria de capital aberto, já passaram por todo o trabalho de arrumar a casa, desenvolveram níveis de governança corporativa e reduziram
custos. No momento, o alvo são empresas e marcas que tenham especialidades,
como um marketing digital diferenciado”, contou Fernando Gambôa, sócio da
empresa de consultoria KPMG.
Há duas causas principais
nessa nova onda de consolidação no varejo brasileiro. Uma está ligada ao lado
da oferta. Fragilizadas pelos efeitos negativos da pandemia nos negócios,
muitas empresas de portes pequeno e médio estão revendo seus planos para o
futuro e, em muitos casos, considerando como possibilidade ser compradas por um
concorrente maior, para se manter no mercado ou para ter fôlego para crescer.
“Em toda crise, os pequenos
e médios mal estruturados sofrem mais”, disse Ana Paula Tozzi, à frente da AGR
Consultores, especializada em varejo. O banco BTG lembrou que, desde o início
da pandemia, mais de 135 mil lojas fecharam no país. Esse é, digamos, o vetor
dos que querem ser comprados. Ao mesmo tempo, grandes nomes do mercado têm
mostrado apetite por aquisições. E os compradores estão com o caixa reforçado.
No caso do Grupo Soma, o
reforço financeiro veio via abertura de capital na Bolsa de Valores. Em julho,
foi levantado R$ 1,8 bilhão em seu IPO, sigla em inglês para a oferta pública
inicial de ações. Parte da narrativa apresentada aos investidores para
justificar o lançamento dos papéis foi justamente a necessidade de capital para
expandir. Muito antes da pandemia, o caminho IPO-aquisições tinha sido trilhado
no setor de varejo pelo Magazine Luiza. Capitalizada, a empresa arrematou, no
ano passado, a Netshoes, após acirrada disputa com a Centauro. A varejista
ampliou sua participação no vestuário e subiu ao topo do varejo on-line de
acessórios esportivos, roupas e calçados.
Neste ano, o Magazine Luiza
já comprou dez empresas e startups. Por ora, tem foco em reforçar a operação
logística e trabalha para se consolidar como um supermarketplace. “Diversas
mudanças já vinham acontecendo, principalmente no digital. Com a pandemia,
foram aceleradas. Quem já era capaz de detectar sinais que mostram os rumos que
a economia e o varejo vão tomar, sai na frente. Não tem a ver apenas com
solidez financeira, mas com a capacidade de se adaptar a novas situações, como
tem feito o Magazine Luiza”, disse Claudio Felisoni de Angelo, presidente do
Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo.
Nem tudo se resume à moda.
No mês passado, o Grupo Mateus, uma rede do varejo de alimentos que opera no
Norte e no Nordeste, levantou mais de R$ 4 bilhões com sua estreia na Bolsa de
Valores. A Le Biscuit, rede com perto de 150 lojas que vendem itens de artigos
de decoração, pintura, brinquedos, materiais escolares, papelaria e armarinho,
protocolou um pedido de abertura de capital junto à Comissão de Valores
Mobiliários (CVM). A Uni.Co, dona de Imaginarium, rede de lojas de presentes
com design divertido, da Puket, marca infantil de roupas e acessórios, e da
MinD, de decoração, fez o mesmo. Com perto de 450 lojas no país, a companhia é
controlada pela Squadra Investimentos desde 2012. Cresceu adquirindo negócios
que precisavam fazer a sucessão na gestão, filão em que enxerga potencial para
crescer. A Uni.Co quer utilizar parte dos recursos que obtiver com a provável
abertura de capital para acelerar o crescimento digital e parte para fazer
aquisições e se consolidar como plataforma de marcas, revelou uma fonte que
acompanha o processo. “Já há conversas em andamento com empresas com
faturamento entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões, porte médio, fortes no
varejo físico e com potencial para expandir no digital”, contou a mesma fonte.
Procurada por ÉPOCA, a Uni.Co não comentou.
Para Daniela Bretthauer,
analista de varejo da Eleven Financial, o IPO não é o caminho para todos e há
dificuldades em avaliar algumas operações em curso. “Há uma série de marcas
fragmentadas ou específicas no varejo que são difíceis de precificar no mercado
financeiro”, ponderou Bretthauer. A analista frisou que os grupos devem ser
assertivos ao ampliarem seu portfólio de marcas, para evitar o risco de perda
de resultado. Ela citou a negociação da Arezzo com a Reserva como exemplo
positivo para expansão de mercado, complementaridade de portfólio e sinergias
de produção e gestão.
Para André Pimentel, sócio
da consultoria Performa Partners, o movimento de compra de marcas não deve ser
seguido por todos os grandes varejistas. “Empresas como Renner, C&A e
Riachuelo já têm grande escala, não devem partir para aquisição de marcas, e
sim desenvolver marcas próprias. O que pode acontecer é que elas podem fazer
compras de negócios complementares, como empresas de tecnologia que permitam
melhorar a venda on-line”, disse Pimentel, da Performa Partners.
Muita gente se pergunta se
não estaria na hora de fundos estrangeiros entrarem na disputa por marcas
brasileiras. Afinal, o setor do varejo está fazendo fila para abrir capital,
aquecendo o mercado de fusões e aquisições e o câmbio está favorável para quem
chega com dólares. Um executivo à frente de fundos de gestão de investimento no
varejo no país frisou, porém, que há uma trava para captar recursos
estrangeiros porque o “Brasil não está na moda neste momento”. Segundo a mesma
fonte, além dos desafios impostos pela crise fiscal, pesa a questão de governança e o posicionamento do país
na área ambiental.
Por Glauce Cavalcanti e Ivan Martínez-Vargas, na
Revista Época
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