"Há uma indefinição muito grande e ainda mais
preocupante do que romper o teto de gastos que é a falta de transparência sobre
como o governo vai enfrentar esse problema fiscal", alertou o economista
Felipe Salto, diretor executivo da IFI
Enquanto não consegue
avançar nas discussões das pautas fiscais no Congresso e apresentar uma
discussão plausível sobre o futuro do auxílio emergencial, o governo passa a
receber críticas pela falta de transparência sobre como pretende resolver o
problema da bomba fiscal que está prestes a explodir em 2021, mesmo com a
melhora recente dos cenários das previsões do mercado para a queda do Produto
Interno Bruto (PIB) nessa recessão.
'Há uma indefinição muito grande e ainda mais preocupante do que romper o teto
de gastos que é a falta de transparência sobre como o governo vai enfrentar
esse problema fiscal', alertou o economista Felipe Salto, diretor-executivo da
Instituição Fiscal Independente (IFI), nesta segunda-feira (16/11), durante
apresentação a jornalistas do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF). Segundo
ele, é preciso que o governo aponte melhor qual será a evolução fiscal de curto
e médio prazos.
A principal regra fiscal mantida durante a crise, o teto de gastos - emenda
constitucional que limita o crescimento da despesa à inflação do ano anterior
-, não tem espaço para novas despesas, como o auxílio emergencial, e, faltando
menos de dois meses para o fim do ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
não apresentou qual será a saída para o processo de aterrissagem dos 65 milhões
de beneficiários desse programa que acaba em 31 de dezembro.
Para Salto, não há expectativa de avanços nas reformas do pacto federativo de
emergencial neste ano. Logo, o governo já deveria ter começado a discutir uma
alternativa para novas regras fiscais no caso de descumprimento do teto ou
apresentar uma solução crível.
A IFI alterou de 6,5% para 5,5% a previsão de queda do Produto Interno Bruto
(PIB) deste ano, e de 2,46% para 2,8% a estimativa de crescimento do PIB no ano
que vem, com taxa de crescimento médio baixo nos anos seguintes, em torno de
2,3%. Com isso, o cenário traçado pela entidade ligada ao Senado não é tão
animador como o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem traçando, com uma
retomada em que o PIB poderia crescer 4% no ano que vem sem uma segunda onda de
pandemia de covid-19.
O cenário mais pessimista da IFI leva em conta que uma das travas do
crescimento será justamente justamente no nó fiscal diante do forte aumento do
endividamento público que vem fazendo o mercado cobrar juros cada vez mais altos
para o governo conseguir rolar a dívida.
Rombo até 2030
Apesar da melhora do cenário, as estimativas da IFI continuam apontando
resultado primário negativo para as contas públicas até 2030, sendo que, na
melhor das hipóteses prováveis, a dívida pública bruta chegaria a 100% do PIB
em 2024. E, no cenário pessimista, em 2022, a dívida bruta chegaria a 100% do
PIB, chegando a 156% em 2030.
Para reverter esses cenários, será preciso um ajuste fiscal forte para
transformar o deficit de 3,9% do PIB, previsto para 2021, em supervit primário
(economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 2,1% do PIB, em
2024, a fim de interromper a trajetória de crescimento da dívida pública.
'Considerando as variáveis macroeconômicas, não há horizonte de equilíbrio para
relação da dívida/PIB', resumiu.
De acordo com Salto, o fato de o Congresso nem sequer ter discutido Projeto de
Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado em abril ao Legislativo, é
preocupante. Além do PLDO, o Orçamento de 2021 e o novo programa que o governo
vem prometendo para substituir o Bolsa Família, incluindo uma parcela de
beneficiários do auxílio emergencial, ainda não está desenhado. 'É no PLDO que
o governo tem a previsão de executar as fatias do duodécimo previstas, será um
problema para a o Orçamento se essa regra não for aprovada', alertou.
Segundo ele, o PLDO ainda tem o problema da meta flexível que está sendo
questionada pelo Tribunal de
Contas da União (TCU).
'Meta flutuante não é meta. O correto e mais conservador seria ter uma meta com
deficit mais elevado', orientou.
O especialista em contas públicas ainda lembrou que os gastos com pessoal
dificilmente diminuirão nos próximos anos, pois continuarão tendo um
crescimento vegetativo que vai fazer com que essa despesa caia muito mais
lentamente, devendo passar de 4,4% para 3,4% do PIB até 2030 em vez de chegar
em 2,5% como o previsto pelo governo.
Pelos cálculos dos técnicos da IFI não há espaço fiscal para a inclusão do
auxílio emergencial, mesmo com a melhora das previsões para a dívida pública e
para o resultado primário. Essa mudança deveu-se, principalmente, pelo aumento
das estimativas de receita total em R$ 74,9 bilhões, dos quais R$ 65,3 bilhões
foram provenientes do pagamento de tributos diferidos entre abril e junho.
Pelas novas projeções, a previsão de rombo fiscal neste ano passou de R$ 877,8
bilhões para R$ 779,8 bilhões. A queda na previsão dos gastos com o auxílio
emergencial, que, segundo Salto, vem diminuindo o número de pagamentos nos
últimos meses, também ajudou nesse sentido, pois esse gasto passou de R$ 308,8
bilhões para R$ 267,9 bilhões entre junho e novembro.
Prorrogação do auxílio
Salto não descarta a prorrogação do auxílio emergencial por mais três em 2021,
diante da necessidade de não deixar milhões de brasileiros desamparados no fim
do ano, quando expira o programa. Pelas estimativas da IFI, se o valor médio do
novo benefício ficar em R$ 300 e ele for estendido para 25 milhões de pessoas,
o custo mensal de R$ 15,3 bilhões, o que geraria uma despesa extra de R$ 45,9
bilhões. Em outra simulação, considerando uma base maior, de 30 milhões, o
custo mensal passaria para R$ 21,3 bilhões.
Mas, mesmo com essa premissa modesta, seria necessário cortes de despesas
obrigatórias, de acordo com o economista, porque a patamar previsto para as
despesas discricionárias, de R$ 112 bilhões, não comportam esse aumento de
gastos. 'O que é preciso é um plano fiscal para o ano que vem e de médio prazo.
O cenário turvo como o atual é o pior dos mundos. Isso gera precificação dos
prêmios de risco para a dívida pública e o governo perde o bônus de encurtar os
papéis, apesar de a Selic estar baixa, porque acaba tendo que pagar preços
acima desse patamar', destacou Salto.
Para sair da crise provocada pela pandemia, de acordo com os técnicos da IFI,
serão necessários mais gastos com saúde e assistência social e essa discussão precisará ser mais ampla
daqui para frente para que o problema seja enfrentado de forma mais clara.
"O governo não tem músculos para queimar e, por isso, é preciso uma
discussão de uma solução com o Congresso para que ela seja aprovada pela
maioria dos parlamentares", alertou o diretor da entidade Daniel Couri.
Por Rosana Hessel, no Correio
Braziliense
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