Legislativo e Judiciário costuram acordo para resolver o problema, mas querem que Bolsonaro abaixe o tom das críticas. Mesmo se der certo, acordo pode criar dívida de R$ 1,4 trilhão em 15 anos.
Em conversas com lideranças partidárias
no Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o presidente
do STF, Luiz Fux, promoveram a alternativa criada pelo Tribunal de Contas
da União. Paulo Guedes foi consultado, e se mostrou favorável. Parecia um
acordo perfeito, mas não é. Com esse pagamento que acompanha a inflação, e não
os casos julgados, a dívida de precatórios vai saltar, podendo chegar a R$ 1,4
trilhão até 2036, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados.
O plano é que o valor fixado de
pagamento para precatórios seria R$ 30,21 bilhões, o equivalente a sentenças
pagas em 2016, quando foi criado o teto dos gastos. Depois disso, seria
corrigido apenas a inflação. Assim, o pagamento para 2022 ficaria em R$ 39,96
bilhões – do total de R$ 90 bilhões que deveriam ser honrados. A diferença
entraria como prioridade na fila para o ano seguinte, e assim sucessivamente.
“Todos os cenários [calculados pela consultoria] consideram crescimento
inferior à média do crescimento das sentenças judiciais no período de 2017 a
2022, que foi maior que 17%”, informam os técnicos, em nota. Na versão mais
branda, a bola de neve estaria em R$ 687 bilhões em 2036.
A outra questão levantada pela
consultoria da Câmara é que o acordo entre Senado e STF pode não bastar para
garantir o acordo. Para os técnicos, tal mudança precisaria ser aprovada em uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC). “Em termos jurídicos, a postergação e
o parcelamento dessas despesas obrigatórias devem ser regulamentados por emenda
constitucional, e não por resolução do CNJ.” Na prática, a mensagem é que a
Câmara também precisa encontrar sua contrapartida para deixar que o acordo
prossiga.
O problema é que o tempo urge. O
governo precisa aprovar no Congresso a base da Lei Orçamentária de 2022 e a
questão do precatório, se não resolvida, sentenciará à morte os programas
sociais, reajuste dos servidores e retomada das obras prometidas pelo
presidente Bolsonaro para sua agenda positiva em ano eleitoral. Segundo Guedes,
o governo tem noção da urgência do tema. “Nós havíamos tentado uma PEC, mas
aparentemente já há uma solução mais efetiva, rápida, e inclusive mais adequada
juridicamente”, disse. Segundo o ministro, o problema do precatório não está
ligado apenas ao Bolsa Família, “mas à previsibilidade e à exequibilidade do
Orçamento público”.
Ressalvas
Quem também alertou para os riscos de enquadrar o pagamento de dívidas que
não cabem no Orçamento ao teto de gastos foi o presidente da Comissão Especial
de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa. Segundo
ele, além de ser inconstitucional tal postergação (exigindo mudança via PEC) o
valor apresentado não bate com o Orçamento de 2022. As estimativas de Fux e
Pacheco é que seriam pagos cerca de R$ 40 bilhões ano que vem, mas o Orçamento
reserva apenas R$ 35 bilhões para este fim. Segundo ele, ainda não houve
contato formal do CNJ com a OAB para falar do tema.
No Senado, membros do corpo técnico de
análises financeiras também citaram o risco de uma judicialização ainda maior
(incorrendo em mais gastos e mais processos perdidos) caso a decisão seja
tomada na “canetada” do Judiciário e não pela mudança na Constituição. Para
olhar o copo meio cheio, eles esperam que Guedes abra espaço no Orçamento para
o fundão eleitoral, e assim todos sairiam ganhando (menos os cidadãos que, por
ventura, tenham algo para receber da União). Com esse “grande acordo nacional,
com o Supremo, com tudo” sendo desenhado sem o dedo de Guedes, tudo parece
resolvido, menos a saúde fiscal da União.
SHOW DE HORROR NA MADRUGADA A sessão da
Câmara dos Deputados que varou a madrugada da quinta-feira (2) foi um exemplo
típico de descaso com a premissa de um parlamento: o diálogo amplo. Confirmada
às pressas e no meio de um acordo meteórico o presidente da Casa, Arthur Lira
(DEM-AL) avançou com a reforma do imposto de renda apenas para ter uma
aprovação desse porte no currículo. Aos parlamentares que o acompanhavam na
madrugada, fez questão de dizer que o texto em questão não era do governo, mas
do Congresso. Recheado de jabutis e com grande chance de judicialização, o
efeito da aprovação foi imediato: prefeitos e governadores descontentes,
mercado financeiro irritado e empresários anunciando que os preços dos produtos
ficarão mais altos nas gôndolas.
Para Douglas de Oliveira, sócio do
escritório Oliveira, Securato e Abdul Ahad Advbogados o ponto mais polêmico foi
a taxação, em 20%, dos lucros e dividendos, principalmente porque não há
estudos sobre como as medidas impactarão a arrecadação, mas se sabe que o
imposto, para algumas empresas, vai subir. “O que se mostra é um dirigismo
econômico das empresas promovido pelo governo”.
VEJA AS PRINCIPAIS MUDANÇAS:
IRPF Isenção até R$ 2,5 mil. Número de
isentos passará de 13 milhões para 17,7 milhões. Para renda superior, tributo
cai de 15% para 10% até 2023
LUCROS E DIVIDENDOS Taxação de 20% para
compensar queda na arrecadação do IRPF e IRPJ
FIIS Isentos de Imposto de Renda
BOLSA DE VALORES Limite para isenção de
IR para venda de ações passa de R$ 20 mil por mês para R$ 60 mil por trimestre
CSLL As alíquotas passam de 9%, 15% e
20% para 8%, 14% e 19%.
REMÉDIO E XAMPU MAIS CAROS Para
compensar a perda na arrecadação, desoneração em produtos como xampu,
remédios,químicos, embarcações e aeronaves
Por Paula Cristina, Revista Isto É Dinheiro
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