Segundo o secretário da Receita, contas públicas sofrem com a falta de
critérios para a concessão
Os benefícios fiscais no Brasil custam aos cofres públicos aproximadamente 4% do PIB (Produto Interno Bruto), o dobro da média mundial, de 2%, de acordo com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.
Além de vultosos, em muitos casos esses incentivos beneficiam poucas empresas e setores, apesar de a conta ser paga por toda a população.
Em entrevista à Folha, o secretário afirma que a maior parte desses descontos tributários está fora do Orçamento. Em outras palavras, é implementada através de mudanças na legislação, e uma vez concedida não precisa disputar espaço dentro da contabilidade do governo com outras despesas.
“Na legislação do PIS/Cofins, por exemplo, a impressão é que cada um quer ter tratamento tributário diferenciado, nem só por setor, mas por CNPJ”, observa o secretário da Receita.
Neste ano, a União abrirá mão de R$ 283,4 bilhões em arrecadação por causa de benefícios. De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), 85% desses subsídios não têm data para acabar: continuarão a ser concedidos para sempre, a menos que sejam revogados pelo Congresso Nacional.
Rachid ainda aponta, como exemplo da inadequação de parte dos benefícios fiscais no Brasil, a abrangência da isenção de impostos federais concedida aos produtos que formam a cesta básica.
Em 2013, uma série de itens foi incluída na cesta, como salmão, caviar, filé mignon e todos os tipos de queijo.
O Brasil é um ponto fora da curva em relação a outros países em subsídios?
Em primeiro lugar, o incentivo tributário pode ser concedido. Outros países adotam, assim como nós adotamos. Acontece que esses benefícios têm que ser muito bem aplicados. O ideal seria que fossem horizontais, ou seja, que fossem aplicados de forma mais universal.
É claro que às vezes você quer incentivar um setor, mas isso tem que ser tratado com muita parcimônia, para evitar incentivos que acabam culminando em benefício para poucos CNPJs [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica], para poucas empresas.
Qual a média de outros países em termos de benefícios fiscais?
A média do mundo é 2% do PIB em termos de incentivos. O nosso é o dobro, e o dobro gerando inclusive algumas distorções. Na legislação do PIS/Cofins, por exemplo, a impressão é que cada um quer ter um tratamento tributário diferenciado, nem só por setor, mas por CNPJ.
Qual a principal consequência dessa busca generalizada por incentivos?
Todo o gasto tributário custa para os demais contribuintes, afinal de contas a arrecadação tributária ocorre para o Estado funcionar. Aí vem o debate: qual o tamanho do Estado que desejamos? O Estado que abraça a tudo e a todos, e isso custa caro, ou um Estado menor?
Queremos ser como a Dinamarca, com 50% de carga tributária, ou os Estados Unidos, com 22% ou 23% de carga?
Nos Estados Unidos, para tudo tem que pagar. Para apresentar a declaração do Imposto de Renda, por exemplo, você tem que comprar o programa. Mais recentemente é que a Receita americana passou a oferecer ao contribuinte de menor renda um programa.
Como é isso no Brasil?
A gente oferece tudo. Oferece, por exemplo, o Portal Único de Comércio Exterior, onde todos pagam para que os contribuintes de comércio exterior usufruam do portal. Em outros países, não. Na Europa, você encontra um portal que quem paga é o contribuinte.
Qual a avaliação da Receita em relação ao Simples Nacional, programa que é o principal gasto tributário, com R$ 62,8 bilhões em renúncia prevista para este ano?
É importante lembrar, em primeiro lugar, que a Constituição Federal prevê um tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas.
Quando o Simples foi implementado, lá em 2005 para 2006, foi desenhado para um escopo de R$ 1,2 milhão [de faturamento das empresas que têm direito de participar do programa]. Isso foi aumentado. Hoje o escopo é de R$ 4,8 milhões.
Essa é uma faixa muito distante de programas para micro e pequenas empresas implementados em outros países?
Nós temos trabalhos que mostram que essa faixa é uma das maiores do mundo. É preciso ter tratamento diferenciado, mas não para faixa de R$ 4,8 milhões de faturamento.
O sistema é complexo, dizem. É verdade que é complexo, mas a carga tem que ser igual. Hoje, nessa legislação atual do PIS/Cofins, por exemplo, você tem problemas de distorção. É subsídio. Alguém tem que pagar por isso.
A cesta básica dá isenção para produtos como salmão e caviar. Esse é um exemplo de benefício fiscal que não deveria ter sido concedido?
Cesta básica é legal, é possível fazer, mas através de concessão de alíquotas diferenciadas. Mas o que acontece no Brasil é que aqui temos isenção para a cesta, e essa isenção chega a todos os produtos.
Há produtos que são adquiridos não pela população de modo geral, são adquiridos somente por quem tem condições de adquirir. A cesta pega, por exemplo, todos os tipos de queijo, ovas de peixe, salmão, filé mignon. Não é para qualquer um comprar salmão, tem vários itens abarcados pela isenção fiscal que realmente não são básicos. Tudo isso acaba pesando. A pergunta que pode ser feita é por que isso não é revertido. Mas por que entrou lá atrás?
Qual o principal argumento para que essas distorções sejam combatidas?
Se todos pagassem, todos pagariam menos. Não precisa desonerar determinados segmentos. Ao fazer esse movimento de desoneração nos tributos diretos, você acaba beneficiando a maior renda. A menor renda acaba sendo toda consumida, porque você acaba cobrando mais dos demais contribuintes através dos tributos indiretos [impostos cobrados sobre consumo e serviços].
A avaliação de especialistas é que é quase impossível corrigir distorções, porque reverter a maioria dos benefícios fiscais dependeria de aprovação do Congresso, o que é muito complicado.
Acho que temos que tentar. É papel da administração tributária a todo momento sugerir aperfeiçoamentos, melhorar. Uma delas é a reforma do PIS/Cofins [cujo projeto de lei está atualmente sendo desenhado no Ministério da Fazenda], para tornar essa legislação simplificada. O país precisa dessa legislação.
Por que em outros países a tributação é mais simples?
Tenho sempre dito que não adianta reclamar da complexidade da lei. Nós precisamos propor melhorias em busca da simplificação. Por que lá fora é assim [um sistema tributário mais simples]? Por que na Europa é assim?
Não cito nem os Estados Unidos, onde a legislação é muito diferente da nossa. O contencioso [número de ações na Justiça relacionadas à cobrança de tributos, o que em geral está relacionado com a complexidade dos impostos] de lá é incomparável ao nosso. Essa dificuldade não é culpa da Receita. A Receita sempre defendeu tributos cada vez mais simples.
A simplificação tributária é um caminho para reduzir os subsídios no Brasil?
Entendo que sim. A partir do momento em que eu torno o sistema mais horizontal, com poucas alíquotas, com todos pagando, a probabilidade de todos passarem a pagar menos é muito grande.
O projeto do PIS/Cofins pode retirar subsídios?
Neste momento, não. Isso é mais no futuro, já que esse projeto é por etapas. Neste momento buscamos a simplificação.
Hoje acontece assim: a empresa adquire determinado produto, e ora gera crédito, ora não. Nossa proposta é: tudo gera crédito.
Outro exemplo: hoje determinado item ora é considerado despesa para fins tributários, ora é insumo. Isso é fonte de geração de litígios na Justiça, e isso vai ser resolvido com a simplificação. Lá na frente, buscamos uma maior uniformização, mas isso é um passo mais adiante.
Hoje há um acompanhamento da efetividade dos subsídios? Dos efeitos que estes possuem sobre emprego e renda, por exemplo?
A execução e o acompanhamento desses benefícios devem ser feitos pelas pastas próprias, setoriais. Temos alguns estudos sobre o aspecto tributário dos benefícios. Ao mesmo tempo, a Receita está dentro do novo programa de governança integrada do governo federal, que visa aumentar a eficiência das políticas públicas.
O fato de no Brasil os subsídios serem em grande parte implícitos, ou seja, não estarem dentro do Orçamento, complica esse cenário?
Em alguns países esses benefícios são dados dentro do Orçamento. Esse Orçamento tem que ser aplicado, e a partir daí você escolhe o que quer privilegiar. Aí é mais transparente, [se todos os subsídios estivessem no Orçamento] a minha receita vai ser um pouco maior, e vou dividir esse bolo da melhor forma. Seria melhor debatido.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Congresso decidiu colocar dinheiro em uma montadora. É uma escolha: eu quero montadora ou quero leite? É uma discussão mais justa, pois é colocada para toda a sociedade.
RAIO X
Jorge Rachid, 57 anos
Formado em administração pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro (atual Cândido Mendes), ingressou na Receita Federal em 1986 como auditor fiscal e fez carreira; foi secretário de 2003 a 2008. Entre 2009 e 2013, atuou como adido tributário nos EUA; voltou ao comando da instituição em 2015
Os benefícios fiscais no Brasil custam aos cofres públicos aproximadamente 4% do PIB (Produto Interno Bruto), o dobro da média mundial, de 2%, de acordo com o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.
Além de vultosos, em muitos casos esses incentivos beneficiam poucas empresas e setores, apesar de a conta ser paga por toda a população.
Em entrevista à Folha, o secretário afirma que a maior parte desses descontos tributários está fora do Orçamento. Em outras palavras, é implementada através de mudanças na legislação, e uma vez concedida não precisa disputar espaço dentro da contabilidade do governo com outras despesas.
“Na legislação do PIS/Cofins, por exemplo, a impressão é que cada um quer ter tratamento tributário diferenciado, nem só por setor, mas por CNPJ”, observa o secretário da Receita.
Neste ano, a União abrirá mão de R$ 283,4 bilhões em arrecadação por causa de benefícios. De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), 85% desses subsídios não têm data para acabar: continuarão a ser concedidos para sempre, a menos que sejam revogados pelo Congresso Nacional.
Rachid ainda aponta, como exemplo da inadequação de parte dos benefícios fiscais no Brasil, a abrangência da isenção de impostos federais concedida aos produtos que formam a cesta básica.
Em 2013, uma série de itens foi incluída na cesta, como salmão, caviar, filé mignon e todos os tipos de queijo.
O Brasil é um ponto fora da curva em relação a outros países em subsídios?
Em primeiro lugar, o incentivo tributário pode ser concedido. Outros países adotam, assim como nós adotamos. Acontece que esses benefícios têm que ser muito bem aplicados. O ideal seria que fossem horizontais, ou seja, que fossem aplicados de forma mais universal.
É claro que às vezes você quer incentivar um setor, mas isso tem que ser tratado com muita parcimônia, para evitar incentivos que acabam culminando em benefício para poucos CNPJs [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica], para poucas empresas.
Qual a média de outros países em termos de benefícios fiscais?
A média do mundo é 2% do PIB em termos de incentivos. O nosso é o dobro, e o dobro gerando inclusive algumas distorções. Na legislação do PIS/Cofins, por exemplo, a impressão é que cada um quer ter um tratamento tributário diferenciado, nem só por setor, mas por CNPJ.
Qual a principal consequência dessa busca generalizada por incentivos?
Todo o gasto tributário custa para os demais contribuintes, afinal de contas a arrecadação tributária ocorre para o Estado funcionar. Aí vem o debate: qual o tamanho do Estado que desejamos? O Estado que abraça a tudo e a todos, e isso custa caro, ou um Estado menor?
Queremos ser como a Dinamarca, com 50% de carga tributária, ou os Estados Unidos, com 22% ou 23% de carga?
Nos Estados Unidos, para tudo tem que pagar. Para apresentar a declaração do Imposto de Renda, por exemplo, você tem que comprar o programa. Mais recentemente é que a Receita americana passou a oferecer ao contribuinte de menor renda um programa.
Como é isso no Brasil?
A gente oferece tudo. Oferece, por exemplo, o Portal Único de Comércio Exterior, onde todos pagam para que os contribuintes de comércio exterior usufruam do portal. Em outros países, não. Na Europa, você encontra um portal que quem paga é o contribuinte.
Qual a avaliação da Receita em relação ao Simples Nacional, programa que é o principal gasto tributário, com R$ 62,8 bilhões em renúncia prevista para este ano?
É importante lembrar, em primeiro lugar, que a Constituição Federal prevê um tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas.
Quando o Simples foi implementado, lá em 2005 para 2006, foi desenhado para um escopo de R$ 1,2 milhão [de faturamento das empresas que têm direito de participar do programa]. Isso foi aumentado. Hoje o escopo é de R$ 4,8 milhões.
Essa é uma faixa muito distante de programas para micro e pequenas empresas implementados em outros países?
Nós temos trabalhos que mostram que essa faixa é uma das maiores do mundo. É preciso ter tratamento diferenciado, mas não para faixa de R$ 4,8 milhões de faturamento.
O sistema é complexo, dizem. É verdade que é complexo, mas a carga tem que ser igual. Hoje, nessa legislação atual do PIS/Cofins, por exemplo, você tem problemas de distorção. É subsídio. Alguém tem que pagar por isso.
A cesta básica dá isenção para produtos como salmão e caviar. Esse é um exemplo de benefício fiscal que não deveria ter sido concedido?
Cesta básica é legal, é possível fazer, mas através de concessão de alíquotas diferenciadas. Mas o que acontece no Brasil é que aqui temos isenção para a cesta, e essa isenção chega a todos os produtos.
Há produtos que são adquiridos não pela população de modo geral, são adquiridos somente por quem tem condições de adquirir. A cesta pega, por exemplo, todos os tipos de queijo, ovas de peixe, salmão, filé mignon. Não é para qualquer um comprar salmão, tem vários itens abarcados pela isenção fiscal que realmente não são básicos. Tudo isso acaba pesando. A pergunta que pode ser feita é por que isso não é revertido. Mas por que entrou lá atrás?
Qual o principal argumento para que essas distorções sejam combatidas?
Se todos pagassem, todos pagariam menos. Não precisa desonerar determinados segmentos. Ao fazer esse movimento de desoneração nos tributos diretos, você acaba beneficiando a maior renda. A menor renda acaba sendo toda consumida, porque você acaba cobrando mais dos demais contribuintes através dos tributos indiretos [impostos cobrados sobre consumo e serviços].
A avaliação de especialistas é que é quase impossível corrigir distorções, porque reverter a maioria dos benefícios fiscais dependeria de aprovação do Congresso, o que é muito complicado.
Acho que temos que tentar. É papel da administração tributária a todo momento sugerir aperfeiçoamentos, melhorar. Uma delas é a reforma do PIS/Cofins [cujo projeto de lei está atualmente sendo desenhado no Ministério da Fazenda], para tornar essa legislação simplificada. O país precisa dessa legislação.
Por que em outros países a tributação é mais simples?
Tenho sempre dito que não adianta reclamar da complexidade da lei. Nós precisamos propor melhorias em busca da simplificação. Por que lá fora é assim [um sistema tributário mais simples]? Por que na Europa é assim?
Não cito nem os Estados Unidos, onde a legislação é muito diferente da nossa. O contencioso [número de ações na Justiça relacionadas à cobrança de tributos, o que em geral está relacionado com a complexidade dos impostos] de lá é incomparável ao nosso. Essa dificuldade não é culpa da Receita. A Receita sempre defendeu tributos cada vez mais simples.
A simplificação tributária é um caminho para reduzir os subsídios no Brasil?
Entendo que sim. A partir do momento em que eu torno o sistema mais horizontal, com poucas alíquotas, com todos pagando, a probabilidade de todos passarem a pagar menos é muito grande.
O projeto do PIS/Cofins pode retirar subsídios?
Neste momento, não. Isso é mais no futuro, já que esse projeto é por etapas. Neste momento buscamos a simplificação.
Hoje acontece assim: a empresa adquire determinado produto, e ora gera crédito, ora não. Nossa proposta é: tudo gera crédito.
Outro exemplo: hoje determinado item ora é considerado despesa para fins tributários, ora é insumo. Isso é fonte de geração de litígios na Justiça, e isso vai ser resolvido com a simplificação. Lá na frente, buscamos uma maior uniformização, mas isso é um passo mais adiante.
Hoje há um acompanhamento da efetividade dos subsídios? Dos efeitos que estes possuem sobre emprego e renda, por exemplo?
A execução e o acompanhamento desses benefícios devem ser feitos pelas pastas próprias, setoriais. Temos alguns estudos sobre o aspecto tributário dos benefícios. Ao mesmo tempo, a Receita está dentro do novo programa de governança integrada do governo federal, que visa aumentar a eficiência das políticas públicas.
O fato de no Brasil os subsídios serem em grande parte implícitos, ou seja, não estarem dentro do Orçamento, complica esse cenário?
Em alguns países esses benefícios são dados dentro do Orçamento. Esse Orçamento tem que ser aplicado, e a partir daí você escolhe o que quer privilegiar. Aí é mais transparente, [se todos os subsídios estivessem no Orçamento] a minha receita vai ser um pouco maior, e vou dividir esse bolo da melhor forma. Seria melhor debatido.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Congresso decidiu colocar dinheiro em uma montadora. É uma escolha: eu quero montadora ou quero leite? É uma discussão mais justa, pois é colocada para toda a sociedade.
RAIO X
Jorge Rachid, 57 anos
Formado em administração pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro (atual Cândido Mendes), ingressou na Receita Federal em 1986 como auditor fiscal e fez carreira; foi secretário de 2003 a 2008. Entre 2009 e 2013, atuou como adido tributário nos EUA; voltou ao comando da instituição em 2015
Por Maeli Prado, na Folha
de São Paulo
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