Brasil tem um histórico de sucesso com produtos culturais
no país-sede da Copa 2018 que abrange novelas, canções populares, literatura e
cinema.
A distância geográfica e cultural
dificulta que personagens da cultura da Rússia cheguem ao Brasil para além dos
clássicos – como as obras de Dostoiévski e Tolstói, por exemplo –, mas a Copa
de 2018 joga luz sobre diversos aspectos culturais e sociais do país-sede da
competição.
E quanto ao sentido contrário? Quais são
os produtos culturais do Brasil que fazem ou fizeram sucesso na Rússia?
A BBC News Brasil conversou com pessoas
familizarizadas com a vida cultural na Rússia para descobrir:
1. Novelas
Novelas
brasileiras são uma das principais fontes de conhecimento dos russos sobre o
Brasil, e uma delas em particular cativou a população a ponto de impactar a
política e a vida social da Rússia: Escrava Isaura (1976-77).
Transmitida na URSS nos anos 1980, em
pleno regime soviético, a novela fazia as famílias se sentarem juntas ao redor
da TV para assistirem à história da escrava branca que se torna propriedade de
um homem mau-caráter.
"A novela mostrava uma vida totalmente
diferente da que tínhamos na época", conta Snizhana Maznova, ucraniana que
passou parte de sua infância na Rússia soviética e mora no Brasil desde 2006,
onde fundou o Clube Eslavo, de ensino de idiomas eslavos.
"No regime soviético, todos éramos iguais,
então olhávamos para a novela e pensávamos: 'como assim, eles têm uma outra
pessoa [um escravo] para arrumar seu guarda-roupa?'. Era como um conto de
fadas, e deixou uma imagem do Brasil como um país exótico, com casas coloridas.
Na União Soviética, as casas eram todas iguais."
Escrava Isaura foi tão famosa que,
no dia da transmissão do último capítulo, o Parlamento russo terminou sua
sessão mais cedo, segundo contou à BBC News Brasil em 2003 o russo Anatoli
Sostanov, então consultor na área de TV internacional.
Outra curiosidade é que, graças a Escrava
Isaura, a palavra "fazenda" entrou para o dicionário russo. O próprio
conceito de espaço rural que abrigava uma família rica causava estranheza entre
os soviéticos, explica Maznova. "Na época soviética, só tínhamos fazenda
coletiva, não havia propriedade privada."
A novela acabou abrindo espaço para outros
folhetins brasileiros. Um exemplo é que "entre 1999 e 2001, houve 17
novelas brasileiras sendo transmitidas por emissoras russas", diz o livro
Russian Television Today.
Foi pouco depois desse intervalo que mais
um grande fenômeno de audiência cativou os russos: O Clone, de Gloria Perez,
que acabou sendo reprisada diversas vezes no país e deu fama ao elenco global.
Tanto que a atriz Letícia Sabatella (que
interpretava Latiffa) foi parada nas ruas de Moscou anos depois, ao visitar a
cidade para a Mostra de Cinema Brasileiro na Rússia, conta Fernanda Bulhões,
organizadora do festival. "Ela estava toda coberta por causa do frio de
-5º, mas mesmo assim foi reconhecida por fãs", diz.
2. Na música, da lambada a 'Mikail Tela'
Quando um
guarda de trânsito parou a estudante de Medicina Cauana Cristina de Souza nas
ruas de Kursk, a 500 km de Moscou, se entusiasmou ao ver que ela tinha
nacionalidade brasileira.
"Ele começou a falar do 'Mikail Tela'
e eu demorei para entender, até ele começar a cantar e dançar", conta
Cauana, que mora há 5 anos e meio na Rússia.
O policial estava cantando Ai Se Eu te
Pego, de Michel Teló, que virou febre no país (assim como em toda a Europa) ao
ser lançada em 2011. Ali, a música é conhecida como 'Nosa Nosa'. O cantor
sertanejo chegou a fazer um disputado show em Moscou em 2012.
Cauana conta que escuta a música com
frequência nas rádios russas, assim como Tchê Tchê Rere, de Gusttavo Lima.
Antes disso, as músicas brasileiras que
"pegaram" em solo russo eram de axé e lambada.
Fabricio Carraro, autor de um podcast
sobre o idioma russo, diz que sua ex-mulher russa comentava que Chorando Se
Foi, do Kaoma, era escutada com frequência nas rádios de seu país.
E o hit Tic, Tic Tac, do Carrapicho, fez
tanto sucesso por lá que foi regravado em russo pelo cantor Murat Nasyrov, que
adaptou o refrão para "O garoto quer ir a Tambov".
3. Na literatura, um 'tornado tropical'
Um escritor
brasileiro em especial provocou furor na Rússia: Jorge Amado.
"Como um tornado tropical, a vida
desconhecida e misteriosa de um distante Novo Mundo caiu sobre nós, tirando o
nosso fôlego com suas tempestades e paixões", dizia artigo sobre Amado da
filóloga e pesquisadora de literatura latino-americana Vera Kuteishchikova,
publicado em 1982 (ano do 70º aniversário do escritor baiano) no influente
semanário de cultura Literaturnaia Gazeta.
A "alegria de viver" na obra de
Amado era um a coisa "estranha à literatura russa", escreveu em
ensaio a tradutora e pesquisadora Elena Beliakova.
Ela identificou que o primeiro livro do baiano a
ser publicado foi São Jorge de Ilhéus, lançado em 1948, cinco anos antes da
morte de Stálin. Mas foi Dona Flor e Seus Dois Maridos que acabou sendo o livro
de Amado mais vendido na antiga URSS.
Hoje, porém, ele disputa a popularidade como
escritor brasileiro com Paulo Coelho.
"Coelho é muito famoso na Europa em geral e
vários russos já me disseram terem lido O Alquimista", conta Fabricio
Carraro.
4. No cinema, da Bahia a Copacabana
A Mostra de Cinema Brasileiro na Rússia, que fará
neste ano sua 11ª edição, costuma lotar salas de exibição em Moscou e virou um
evento importante no calendário cultural do país, explica Fernanda Bulhões.
"As estreias costumam ter cerca de mil pessoas,
e é um evento muito expressivo em comparação até a festivais de cinema europeu
no país", diz a organizadora.
E mais de 95% do público são os próprios russos.
"Acho que (esse interesse) vem do imaginário russo sobre o Brasil, de
praia e calor, da cultura de assistir novela. Filmes com atores globais são
sucesso na certa."
Entre os filmes que tiveram público expressivo no
festival, segundo Bulhões, estão Nise - O Coração da Loucura (Roberto Berliner,
2015); Deus é Brasileiro (Cacá Diegues, 2003) e, por motivos bem particulares,
Copacabana (Carla Camurati, 2001) e Capitães de Areia (Cecília Amado, 2011).
No caso de Capitães, o motivo de sucesso é que
muitos russos já conheciam a história, e não pelo livro de Jorge Amado, e sim
por um filme homônimo rodado na Bahia em 1969 e estrelado por atores
americanos. Quando chegou aos cinemas soviéticos, em 1973, o filme foi assistido
por cerca de 43 milhões de pessoas e deixou profundas marcas em toda uma
geração de russos.
Já o interesse por Copacabana remete a um
personagem popular da literatura russa, Ostap Bender, que no livro 12 Cadeiras
dizia sonhar em "passear pelas praias" do Rio de Janeiro
"vestindo uma calça e um chapéu branco".
BBC
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