A onda de calor histórica que sufocou a Europa Ocidental este ano causou caos no transporte. Os trilhos das estradas de ferro empenaram, as pistas dos aeroportos fecharam e as principais estradas racharam.
Em 18 de julho, a
movimentada rodovia A14, no Condado de Cambridge, na Inglaterra, foi fechada
para reparos depois que apareceu uma ondulação bizarra na pista, que, embora
atraente para skatistas, seria calamitosa para carros em velocidade e seus
passageiros.
O mesmo vem acontecendo em
toda a América, Austrália, China e África. Com as temperaturas médias subindo e
as ondas de calor se tornando mais frequentes e intensas, a infraestrutura e,
em particular, as estradas estão cada vez mais vulneráveis ao aquecimento
global induzido pelo homem.
Um estudo de 2017 que
avaliou os impactos da crise climática em infraestruturas críticas apontou que,
até 2080, as ondas de calor seriam responsáveis por cerca de 92% do total de
danos causados por perigos apenas no setor de transportes da Europa, em grande
parte porque as estradas foram construídas para épocas mais frias.
Outro estudo analisou
dados de estações meteorológicas usadas para determinar a composição adequada
das estradas locais. Estima-se que cerca de 35% deles utilizaram materiais
inadequados ao clima quente.
- As temperaturas máximas
que os engenheiros civis têm usado nos projetos agora estão sendo superadas com
muito mais frequência - disse Amit Bhasin, diretor do Centro de Pesquisa de
Transporte da Universidade do Texas, acrescentando: -É quando o design começa a
desmoronar.
As cadeias de suprimentos
dependem dos veículos com rodas para o trânsito de mercadorias, pessoas e
praticamente todo o resto em todos os lugares do mundo. Navios, trens e aviões
podem fazer grande parte do longo percurso, mas, por exemplo, aqueles jeans
novos que você encomendou on-line chegarão à sua porta de van.
À medida que as estradas
apresentam problemas com mais frequência e ficam intransitáveis, está ficando
claro como o custo econômico dessa ociosidade pode aumentar rapidamente.
A boa notícia, porém, é
que a tecnologia existe para fortalecer suficientemente o que é, sem dúvida, a
infraestrutura mais crítica nos dias de hoje. A má notícia é que exigirá que o
governo em todos os níveis gaste muito dinheiro antecipadamente.
A maioria, se não todas as
maneiras pelas quais o aquecimento global mudou o clima, está tendo um efeito
insalubre nas estradas em todo o mundo. Além do calor extremo, chuvas mais
fortes e inundações podem provocar rapidamente erosão em rodovias e estradas
pavimentadas, ao mesmo tempo em que fazem desaparecer aquelas feitas de
cascalho e terra.
E custo do reparação pode
ser alto: as enchentes devastadoras na Austrália entre 2010 e 2014 custaram ao
governo cerca de US$ 6,4 bilhões em reparos na rede rodoviária.
Degelo
também é um problema
Em lugares
tradicionalmente mais frios, o problema é o degelo. De acordo com um relatório
do Canadian Climate Institute, mais da metade das estradas de inverno do país
em suas regiões do norte, construídas em lagos e rios congelados a cada outono,
podem, em 30 anos, se tornar inutilizáveis ou
impossíveis de construir. E quase tudo pode
desaparecer até
2080.
Em Yukon, território no
noroeste do Canadá, o custo das estradas para todas as estações feitas de
cascalho pode totalizar US$ 1,6 bilhão nas próximas duas décadas devido à
degradação do permafrost ou pergelissolo, uma camada do subsolo da crosta
terrestre que está permanentemente congelada.
E um artigo publicado em
2020 alertou que os responsáveis pela
construção e manutenção de estradas em áreas de permafrost na China enfrentam “desafios significativos de engenharia”. Isso porque enormes rachaduras já estão aparecendo nas estradas, tornando-as inutilizáveis.
De acordo com Claude Van
Rooten, ex-presidente da World Road Association, a onda de calor europeia do
verão deste ano no hemisfério norte é o mais recente lembrete da crescente
discrepância entre a realidade climática do planeta e o que as estradas
existentes podem suportar. Ele disse que, para tornar as estradas à prova de
intempéries para um futuro de aquecimento rápido, funcionários do governo em
todos os lugares precisam repensar substancialmente a maneira como são
projetadas:
- Você tenta fazer
suposições sobre o que vai acontecer, e as mudanças climáticas estão mudando
essas suposições.
Se medidas suficientes
para mitigar as mudanças de temperatura e eventos climáticos, como fortes
chuvas e enchentes, não forem tomadas, a conta para reparar e manter estradas
em todo o mundo vai disparar. Somente na África, a conta pode chegar a US$
183,6 bilhões até 2100, segundo pesquisa da Universidade do Colorado.
Prevenção,
o caminho mais barato
A prevenção – como costuma
acontecer – seria o caminho mais barato. No Canadá, por exemplo, a seleção de
materiais básicos e estruturas rodoviárias para resistir ao clima nas próximas
décadas poderia reduzir os custos em mais de 90%, economizando até US$ 4,1
bilhões anualmente até a década de 2050.
No entanto, o custo de
manutenção é apenas parte da ameaça econômica: interrupções nas redes
rodoviárias podem ter enormes implicações para o comércio e o desenvolvimento
globais. Quando a ponte Leverkusen, na Alemanha, foi fechada entre dezembro de
2012 e março de 2013, o custo para a economia nacional foi estimado em € 80
milhões. E a queda da ponte Morandi, na Itália, em 2018, custou à cidade de
Gênova cerca de € 6 milhões por dia, devido à interrupção do tráfego de
mercadorias.
A vulnerabilidade
econômica representada pelo aumento dos danos nas estradas é de particular
preocupação em países de baixa e média renda, dada a falta de recursos e
investimento em redes mais amplas.
Danos causados pelo
clima à rede global podem levar a sérios “custos financeiros e econômicos para agências, operadores rodoviários e usuários
de transporte”, disse Caroline Evans, presidente do Comitê Técnico da
Associação Mundial de Estradas sobre Mudanças Climáticas e Resiliência de Redes
Rodoviárias.
- A resiliência é,
portanto, de grande importância para garantir que os custos socioeconômicos
sejam reduzidos e para garantir a operação confiável das redes rodoviárias,
mobilidade e cadeias de suprimentos - ressaltou Caroline.
A única solução que parece
viável no momento– sem levar em conta bilhões de drones de entrega, caminhões
voadores e teletransporte – é consertar a forma como as estradas são feitas.
A maioria é feita de
asfalto, essencialmente brita misturada com aglutinante de betume, um resíduo de
combustível fóssil. O asfalto é versátil, mas o betume pode amolecer quando
fica muito quente. E por ser preto, o asfalto absorve a luz com mais facilidade
e aquece rapidamente. Sob temperaturas mais altas com tráfego rolando sobre
ela, a mistura pode se deformar em sulcos e ondulações. Quanto maior a
temperatura, mais danos são causados e
mais reparos são
necessários.
Enquanto isso, muitas
rodovias são feitas de lajes de concreto. O concreto, feito de cimento, água e
agregados (rocha, areia ou cascalho), necessita muito menos de manutenção do
que o asfalto e dura mais, mas é mais caro. E, em temperaturas extremamente
altas, ele se expandirá, fazendo com que as lajes se empurrem umas contra as
outras e se tornem irregulares.
Com o fechamento da A14 no
Reino Unido, observou-se que as lajes de concreto sob a camada superior de
asfalto dobraram com o calor, elevando uma ondulação perigosa na pista.
Manutenções
temporárias e mais baratas
Já existem correções
temporárias e razoavelmente baratas sendo empregadas para manter as ruas mais
frescas. No Japão, nos Estados Unidos e em outros países, as cidades têm
aplicado tinta bloqueadora solar, por exemplo. Em alguns lugares, como Dubai,
embora as temperaturas da superfície atinjam mais de 60°C, as estradas locais
não se deformam porque polímeros de alta engenharia e muito caros foram
adicionados ao betume.
Existem de fato muitas
misturas de betume, cada uma com suas características únicas. Dependendo de
como é formulado, o betume modificado com polímero pode tornar uma estrada de
asfalto mais resistente à deformação, para que não crie sulcos em temperaturas
cada vez mais altas. Mas as autoridades locais na maioria dos lugares têm usado
dados históricos para orientar suas receitas de betume e não acompanharam a
realidade de um clima mais quente.
De acordo com Stephen
Muench, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de
Washington, uma parte fundamental da solução é mudar o design para incorporar
modelos climáticos previsíveis. Fazer isso permitirá que os engenheiros
projetem algo “mais alinhado com o que a estrada realmente vai suportar”.
A construção de estradas,
no entanto, é em grande parte competência das autoridades municipais e
funcionários públicos eleitos.
-Não é tanto um problema
técnico, mas sociopolítico - disse Ladd Keith, professor assistente de
planejamento e ambientes construídos sustentáveis na
Universidade do Arizona.
Muitas vezes, diz ele, os
tomadores de decisão constroem com “uma visão de curto prazo”, enquanto o custo
de uma estrada é distribuído ao longo de sua vida útil.
- Nosso maior desafio como
engenheiros é poder fornecer infraestrutura resiliente com o menor custo
possível - diz Claude Van Rooten.
Ele apontou a Bélgica como
um contraponto, onde o investimento real pode render dividendos mais tarde. Os
planejadores da cidade reforçam o pavimento de concreto com barras de aço para
que possam suportar as condições ambientais mais adversas:
- É mais caro como
investimento, mas a vida útil é mais longa.
Soluções
sustentáveis
As estradas vulneráveis a
inundações também podem se beneficiar dessas novas
estratégias. Engenheiros na Austrália têm tentado estabilizar os materiais dentro do asfalto.
Mais de mil quilômetros de estradas em Queensland foram construídos com espuma
de betume, onde ar e água são injetados no betume a alta pressão. Quando a
espuma se mistura com os outros componentes do asfalto, produz uma camada
resistente à água.
A maioria dessas técnicas
permanece fora do alcance das nações em desenvolvimento, no entanto. E há outro
problema: asfalto, polímeros e outros produtos químicos que podem ajudar a
aumentar a resiliência são derivados de combustíveis fósseis.
- A engenharia também
trata de fazer isso de maneira econômica e responsável - disse Bhasin. - Minha
preocupação com muitas tecnologias existentes é que elas podem perpetuar o fato
de você ter uma pegada de carbono maior.
Tem havido pesquisas em
bio-aglutinantes como um substituto para aglutinantes de betume à base de
petróleo. A área de pesquisa mais proeminente é a lignina, uma substância
orgânica complexa que atua como agente de ligação para células e fibras na
madeira e na maioria das plantas de terra firme. Engenheiros na Holanda
colocaram uma estrada de teste usando um aglutinante à base de lignina, e
testes semelhantes estão em andamento na Suécia.
Na África do Sul, onde os
buracos custam aos motoristas cerca de US$ 3,4 bilhões por ano, engenheiros do
Conselho de Pesquisa Científica e Industrial (CSIR) têm aperfeiçoado o uso de
migalhas de borracha – material moído feito de resíduos de produtos de
borracha, como pneus velhos – em vez de polímeros virgens.
A mesma técnica agora é
usada nos EUA, Austrália e Reino Unido. Evidências sugerem que a borracha
granulada melhora as propriedades de fadiga das estradas, retardando a
rachadura. E além de utilizar material reciclado, a técnica é mais barata que
tecnologias menos sustentáveis.
Em 2020, Los Angeles
construiu uma estrada que usava plástico reciclado em vez de betume como
aglutinante. TechniSoil, a empresa por trás da tecnologia, afirma que esses
tipos de estradas são entre oito e 13 vezes mais duráveis do
que as estradas comuns em testes de laboratório.
O fundador da empresa, Sean Weaver, afirma que eles não veem um declínio na
resistência à tração até bem acima das temperaturas mais altas projetadas.
O CSIR também tem
explorado a possibilidade de adicionar plástico reciclado ao betume. O plástico
residual é selecionado especificamente para que suas propriedades possam
suportar altas temperaturas nas estradas na África do Sul. Os primeiros
resultados indicam que os resíduos de plástico podem fornecer “resistência
adicional” no que diz respeito à “deformação permanente ou sulcos nas altas
temperaturas das estradas sul-africanas”, disse Georges Mturi, gerente dos
Laboratórios de Teste de Materiais Avançados do CSIR:
- Se no futuro tivermos
que projetar muito mais asfaltos resistentes a essas altas temperaturas e tendo
apenas as opções de aditivos, será muito caro construir nossas estradas.
Precisamos ter alternativas mais baratas.
O
Globo
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