População acaba
prejudicada; milhões de brasileiros estão na fila para receber auxílios
É inegável que o auxílio emergencial seja um dos
programas mais importantes criados pelo governo Jair Bolsonaro. Tanto que a
equipe econômica já bateu o martelo sobre a ampliação das parcelas do
benefício, que de três devem virar cinco. Enquanto Paulo Guedes, o ministro da
Economia, faz contas para ver até onde é possível abrir o cofre, problemas
envolvendo o processamento de dados facilitam golpes, fraudes, sem contar que o
benefício não contempla quem realmente precisa dos recursos. O Tribunal de
Contas da União (TCU) avalia que 10% dos beneficiários da primeira parcela
(ou cerca de 5,8 milhões de requisitantes) receberam o auxílio indevidamente.
Trata-se de um contingente substancial que, se já é reprovável em condições
normais, se torna inadmissível em meio ao caos da pandemia provocada pelo
coronavírus, quando o governo raspa os cofres para mitigar os danos causados
pela crise sanitária.
Pela estimativa do TCU, caso as fraudes e irregularidades não
sejam contidas ou não aumentem no decorrer do pagamento das próximas três
parcelas, os recursos desperdiçados podem chegar a quase 11 bilhões de reais. O
volume de dinheiro desviado para os bolsos de golpistas seria suficiente para
construir pelo menos 1?000 hospitais de campanha com 200 leitos cada um, para o
combate ao coronavírus. As falhas que levaram à concessão fraudulenta do auxílio
em nome de personalidades como o empresário e apoiador de Bolsonaro Luciano
Hang, dono da Havan, e até mesmo o jogador Neymar mostram a precariedade dos
bancos de dados do governo e dos cruzamentos de informações feitos pela
Dataprev, empresa estatal responsável pela triagem dos requerentes. Em paralelo
à farra dos espertalhões, 10,5 milhões de pessoas ainda aguardam o pagamento da
primeira parcela de 600 reais, sob o argumento que estão com seu cadastro ainda
em análise.
A Dataprev já estava sobrecarregada com o processo de digitalização mal
planejada do INSS, que passou a ter o portal da instituição na internet como
principal forma de acesso à solicitação dos benefícios previdenciários. Só a
fila de quem espera a concessão da aposentadoria chega a 1,8 milhão de
brasileiros, de acordo com o balanço mais recente, compilado em março. O INSS,
responsável pelos dados, ainda não divulgou quantas pessoas aguardavam na fila
em abril — incorrendo em um padrão que está se tornando comum na gestão
Bolsonaro, de pouco caso com as estatísticas atualizadas. E a terceira frente
da tempestade perfeita se formou com os mais de 2,5 milhões de pessoas que
aguardam pelo pagamento do Benefício de Manutenção de Emprego e Renda, o BEm. A
empresa, que está incluída no plano de desestatização do governo, passa por um
drástico enxugamento. Neste ano, vinte escritórios regionais foram fechados e
cerca de 7% do seu quadro foi desligado em programa de demissão voluntária,
além de ter sido feita uma troca de comando com a nomeação de Gustavo Canuto,
ex-ministro do Desenvolvimento Regional, para a presidência.
O esforço de criar o benefício e pagá-lo a quase um terço da população
brasileira em tempo recorde é louvável, mas houve severos percalços de operação
pela falta de estrutura que assola os processamentos de benefícios faz anos.
Para realizar a análise e o cruzamento das informações de quem pode ou não pode
receber dinheiro do governo, a Dataprev usa bases de dados de outros órgãos e
aí esbarra em outro problema: as bases estão desatualizadas ou não são
compatíveis entre si. No caso do BEm, voltado para o trabalhador formal, o
Ministério da Economia afirma que há benefícios indeferidos por causa de erro
nas informações compartilhadas pelas empresas que constam na base do governo.
No auxílio emergencial, há o cruzamento de dezessete sistemas, entre eles o
Cnis, que reúne informações sobre empregos e benefícios recebidos, dados de
servidores públicos e até da Justiça Eleitoral. A Rais, que consolida
informações sobre emprego e é utilizada nessas análises, só tem dados
até 2018, o que exige parâmetros e consultas adicionais. O procurador da
República Álvaro Ricardo de Souza Cruz, que costurou um acordo entre o Ministério
Público Federal e o governo para melhorar o processamento do auxílio e dar
prazo máximo de vinte dias para resposta aos pedidos, reconhece que é notório o
esforço para fazer o programa funcionar, mas as limitações de estrutura levam
às falhas. “É nítido o esforço dos servidores da Dataprev para que os programas
avancem. Teve quem chegou a chorar quando discutimos os erros. Mas se tornam
quase inevitáveis, porque se valem dos problemas estruturais”, avalia Souza
Cruz.
Falhas como as que minam a estrutura da Dataprev, além de drenar o dinheiro do
contribuinte, põem em xeque a eficácia das políticas públicas. Pesquisa do
Instituto Locomotiva revela que 69% das pessoas de classes A e B que fizeram
pedido de auxílio emergencial receberam o benefício, sendo que o principal
requisito é ter renda individual de até meio salário mínimo (522,50 reais) ou
familiar de até três salários mínimos (3?135 reais). Para burlar as regras,
tais requerentes omitem os ganhos ao preencher o cadastro, e a Dataprev não
consegue detectar a falta de dados sobre vencimentos, mesmo com a Receita Federal
à disposição. A Controladoria-Geral da União justifica que está
realizando cruzamento de dados do auxílio emergencial, mas não informa o número
total de irregularidades encontradas. Já foram identificados, por
exemplo, 21?856 CPFs de beneficiários donos de embarcações de luxo e 74?682
sócios de empresas que possuem empregados ativos. Solicitar o coronavoucher com
a declaração de informações falsas pode tipificar crimes de falsidade
ideológica e estelionato. Mas nada é mais reprovável do que tirar o dinheiro
das pessoas mais vulneráveis em meio a uma das piores crises do país.
Por Larissa Quintino, na Revista Veja
|
Coleção Educação e Folclore com 10 livros, saiba aqui. |
|
Coleção Educação e Democracia com 4 livros, saiba aqui. |
|
Coleção Educação e História com 4 livros, saiba mais. |