Investidores estão no mundo da lua, insensíveis à
epidemia? A resposta simples é: não. Os mercados estão antecipando uma
reabertura da economia
No dia do fechamento desta edição da EXAME, dois eventos aparentemente
contraditórios dominaram o noticiário. De manhã, o índice Ibovespa batia mais
uma vez a marca dos 90.000 pontos, acumulando uma alta de 30% em 30 dias. De
noite, o país registrava 30.000 mortos pelo novo coronavírus, com mais de
500.000 casos e uma escalada que, segundo os especialistas em saúde pública,
está longe do fim.
Os investidores estão no mundo da lua, insensíveis à epidemia? A resposta
simples é: não. Os mercados antecipam eventos e, neste caso, estão antecipando
uma reabertura da economia e uma recuperação pós-pandemia que também poderá ser
histórica. As oportunidades criadas pela crise levaram mais de 500.000
investidores brasileiros a comprar ações em 2020, como mostra a reportagem de
capa desta edição. É a continuação de um fenômeno iniciado há três anos, com
uma queda histórica dos juros.
Sem o conforto da poupança, uma leva inédita de brasileiros, sobretudo jovens e
mulheres, começou a comprar ações. O movimento, portanto, faz todo o sentido.
Mas a volúpia com que acontece pode sinalizar um otimismo excessivo. Renato
Mimica, diretor da EXAME Research, conta em entrevista para esta edição que há
risco de novas ondas de contágio e que a deterioração econômica será drástica
em 2020, mas que o rali nas bolsas pode continuar com as reaberturas.
Uma reportagem desta edição mostra como o mundo está distante de uma imunização
total pela covid-19, o que afastaria o risco de novas ondas de contágio. Outra
matéria mergulha no Brasil que perdeu o emprego, mostrando como o avanço
da tecnologia e o peso da informalidade formam uma combinação tóxica para o
país. Outras incertezas no radar são a crise social e a divisão política que
nos últimos dias levaram a grandes protestos nos Estados Unidos e a
manifestações menores, mas violentas, no Brasil.
Como precificar um risco político dentro de uma pandemia? A confluência de
incertezas deve levar a semanas caóticas pela frente. Na bolsa, e no câmbio,
não há de ser diferente. O otimismo das últimas semanas deve dar lugar a uma
volatilidade que combina mais com a alta octanagem deste 2020.
Como diz o cientista político Fernando Schüler em entrevista na página 23, na
economia as pessoas querem dinheiro, estabilidade e paz. Mas o sistema político
vive num universo paralelo, que leva a uma crescente polarização. É quando
Brasília e Washington jogam contra os novos investidores ou nublam ainda mais o
futuro de milhões de desempregados. Por outro lado, a pandemia tem reforçado um
caminho sem volta, o da inclusão, como mostra o Guia EXAME/Ethos de
Diversidade.
A conclusão que emerge do caos: uma sociedade mais justa gera mais
oportunidades e cria mais riqueza. Todos sairiam ganhando se o otimismo da
bolsa se comprovasse na prática. Mas a corrida seguirá com (muitas) barreiras.
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