Dividido entre
militares e olavistas, Bolsonaro escolhe um oficial da reserva da Marinha para
comandar o MEC, que virou um símbolo de falta de projetos e inoperância
A demissão de Abraham Weintraub preencheu uma lacuna e
trouxe um sopro de inteligência para o Ministério da Educação (MEC).
Sua mera saída do cargo é um alento e representa um salto de qualidade na
gestão da pasta. Na quinta-feira 25 o presidente anunciou, por meio das redes
sociais, o nome do oficial da reserva da Marinha Carlos Alberto Decotelli da
Silva para o comando do MEC. Decotelli é um especialista na área e foi
presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE)
entre fevereiro e agosto do ano passado. É bacharel em Ciências Econômicas pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-doutor pela Universidade
de Wuppertal, na Alemanha. Contra ele pesa o fato de ter dado aval para uma licitação de
R$ 3 bilhões do FNDE com irregularidades, processo suspenso após alerta d
É improvável que qualquer substituto de Weintraub mantenha a atual política de
desconstrução instalada no ministério. Embora não exista nada tão ruim que não
possa piorar, deverá haver ao menos uma diminuição da desfaçatez, da voracidade
ideológica e da capacidade destrutiva do velho titular. As chances de alguém
conseguir desmoralizar ainda mais a pasta são remotas. O MEC virou um símbolo
da inoperância do governo Bolsonaro. É um ministério que nada faz e nada mostra.
Um relatório da Comissão Externa do MEC da Câmara dos Deputados, revela que, em
2019, houve um abandono da racionalidade em muitas políticas de educação. Entre
os problemas apontados estão alta rotatividade em postos-chave do ministério,
queda na qualificação dos servidores, falta de coordenação entre as secretarias
orientadas para a formação de professores, abandono da política de
alfabetização em conjunto com estados e municípios e descaso com a reforma dos
cursos de licenciatura. Além disso, houve cortes de verbas para universidades
federais e falhas no Enem.
Nesse ano, o caos na gestão tem persistido. Ao longo da pandemia não se viu ou
ouviu uma única contribuição do MEC para reorganizar a educação a partir do
isolamento social ou uma simples ideia sobre a retomada das aulas. Em vez
disso, perdeu o rumo em manobras ideológicas estimuladas pelo guru Olavo de
Carvalho. A principal disputa política no MEC envolve militares e olavistas. Os
fardados querem construir um novo projeto de educação conservador e os
olavistas só querem destruir o que veem pela frente. Bolsonaro estaria ansioso
com a situação e propenso a fazer uma escolha política. A paralisia atual do
MEC estaria lhe incomodando. Na terça-feira 23, ele teve uma reunião de uma
hora com o atual secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, um
privatista técnico apoiado por deputados do Centrão e empresários, que estava
cotado para o cargo. Bolsonaro chegou a demonstrar interesse em convidá-lo, mas
um dia depois ele já parecia descartado. Além de ter sido doador da campanha do
governador João Doria, apareceram notícias de que Feder, como acionista da
Multilaser, foi denunciado em uma ação por sonegação fiscal de R$ 22 milhões.
Pior: Carlos Bolsonaro vetou a escolha.
Prioridades
Segundo Feder, entre as prioridades que o presidente lhe apresentou estão um
plano imediato de retomada das aulas pós-pandemia e a aceleração dos projetos
de escolas cívico-militares. Embora a balbúrdia esteja instalada, aliados do
presidente o estavam aconselhando a não ter pressa na escolha do substituto de
Weintraub. Vogel, que é considerado moderado e tem apoio dos militares, começou
bem. Tornou sem efeito, assim que assumiu, uma medida da caixa de maldades de
Weintraub que retirava a exigência de que universidades federais promovessem
políticas de cotas em programas de pós-graduação. Na prática, menos negros e
indígenas poderiam fazer cursos de mestrado e doutorado. Bolsonaro parece ter
escolhido um nome que passa ao largo da disputa entre militares e olavistas e
não persegue minorias. Carlos Decotelli demonstra ter conhecimento de educação.
Seja como for, o Ministério deverá funcionar melhor com ele do que sob o
comando de Weintraub.
A fuga de Weintraub
Abraham Weintraub não poderia deixar o cargo sem um rastro de confusão. O
ex-ministro, que está sob investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) no
inquérito que apura ataques contra a instituição e declarou que temia ser
preso, saiu do Brasil na calada da noite e apareceu com a família em Miami no
sábado 20, onde aguarda a nomeação para a diretoria-executiva do Banco Mundial,
cargo prometido para ele por Bolsonaro. A vaga está garantida para Weintraub
pelo menos até outubro, mas, na quarta-feira 24, a associação de funcionários
do banco enviou uma carta ao comitê de ética em que pede a suspensão de sua indicação.
Os membros do banco denunciam sua posição contrária aos direitos das minorias e
os ataques à China. Rigorosamente, Weintraub não poderia ter deixado o País
depois de demitido, pois perdeu o direito ao passaporte diplomático. Também não
poderia entrar nos Estados Unidos como um cidadão comum por causa das
restrições de viagens em razão da pandemia. Para contornar a situação, o
governo só o exonerou depois de sua viagem. Embora ele tenha sido demitido na
sexta-feira 19, a exoneração foi publicada em uma edição extra do Diário
Oficial da União (DOU) no sábado. Na terça-feira 23, Bolsonaro publicou uma
retificação no DOU em que alterou a exoneração para sexta-feira 19. O TCU considera
a possibilidade de fraude no processo.
Por Vicente Vilardaga, na Revista Isto é
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