Uma análise nas bases de dados oficiais do Ibama
desde janeiro de 1980 até agosto deste ano, mostrou que foram aplicadas 603,4
mil penalidades, que somam quase R$ 75 bilhões, em valores atualizados pelo
IPCA, o índice oficial da inflação. Desse total, R$ 59,3 bilhões são de multas
que não foram pagas, nem prescreveram e nem foram anuladas pelo órgão ou pela
justiça, até o final de agosto de 2019. As informações são do The Intercept
Brasil.
O valor seria suficiente para sustentar o Ministério do Meio Ambiente inteiro por 21 anos - se tomarmos por base o orçamento previsto para 2020 - e equivale a mais de 174 anos de doações ao Fundo Amazônia , considerando a média histórica dos valores recebidos desde 2008.
Empresas governamentais como Petrobras, Sanepar e DNIT, autarquia vinculada ao Ministério da Infraestrutura, figuram no topo do ranking das multas do
Ibama . A Amazônia Legal, alvo constante de desmatamento, mineradoras e empreiteiras, concentra 33% das multas aplicadas e 72% do valor total das sanções somadas nas quase quatro décadas - mais de 201 mil multas, totalizando quase R$ 54 bilhões.
Dos R$ 75 bilhões aplicados desde 1980, só R$ 2,5 bilhões foram efetivamente pagos, apenas 3,33% do valor total. Um dos principais motivos é a demora do Ibama para dar andamento à cobrança. Mais de 58 mil multas aplicadas em todo o país prescreveram desde 1980 e cerca de R$ 2,4 bilhões deixaram de ser arrecadados, de acordo com os dados do Ibama.
Acontece também o cancelamento de multas, que são anuladas porque o órgão entendeu que elas não deveriam ter acontecido. Foram quase 36 mil multas canceladas desde 1980 , num total de R$ 1,9 bilhão.
Quem contrata os melhores advogados, não arca com multas ambientais
O levantamento afirma que são pequenos infratores os maiores pagadores de multas, enquanto sanções às grandes ilegalidades acabam canceladas ou são beneficiadas por análises administrativas e longas disputas judiciais, que postergam o pagamento.
As multas pagas desde 1980 têm um valor médio de R$ 12,2 mil. Já as multas que estão tramitando administrativa ou judicialmente têm um valor médio 21 vezes maior, de R$ 257,7 mil. Na prática, quem pode contratar os melhores advogados não precisa arcar com multas ambientais.
É importante lembrar que o emaranhado jurídico rumo à prescrição já beneficiou Bolsonaro no episódio em que foi flagrado pescando dentro de uma Unidade de Conservação, em 2012.
Impunidade
Um caso de grande repercussão, o da Samarco , responsável pelo desastre de Mariana, em 2015, foi notificada de que poderia ser multada 73 vezes pelo órgão federal. Também recebeu 33 autos de infração ao longo dos anos, totalizando quase R$ 406,4 milhões em multas . Apenas duas, anteriores ao desastre, foram pagas. A empresa é controlada pela Vale e pela mineradora e petrolífera anglo-australiana BHP Billiton
A demora para o andamento de processos gera uma sensação de impunidade , sobretudo quando se percebe que os maiores violadores da lei são os que menos sofrem consequências.
Uma das principais de impunidade apontada pela pesquisa, é a Instrução Normativa 10/2012 , que centralizou na sede do Ibama, em Brasília, os julgamentos de processos a partir de R$ 500 mil. Como as infrações costumam ser elevadas, grande parte do que se faz nas unidades descentralizadas da autarquia escorre para Brasília, com uma equipe aquém do necessário para dar conta da demanda. Antes, multas de até R$ 2 milhões eram julgadas nas superintendências dos estados.
O problema não se concentra apenas no Ibama. Uma análise do Tribunal de Contas da União, com dados dos anos de 2011 a 2014 e publicada em setembro de 2017, mostra que a média de arrecadação de multas aplicadas por 14 órgãos federais, como o Cade e agências nacionais de Vigilância Sanitária e de Saúde Complementar, é de apenas 6%. A taxa de desempenho do órgão ambiental é quase 50% menor.
O não pagamento
A baixa taxa de pagamentos de multas ambientais também é resultado da grande disparidade entre o número de fiscais assinando penalidades e de quantas pessoas julgam processos no órgão ambiental. São 780 fiscais distribuídos no país. o Ibama hoje tem um déficit de 2,5 mil funcionários, e não há previsão de concurso público para o preenchimento dessas vagas.
Há, ainda, uma redução crescente de pessoal, causada pelas aposentadorias: o resultado é um passivo de cerca de 131 mil processos a serem julgados nas instâncias do Ibama, chegando a cerca de R$ 46,6 bilhões em multas não pagas desde 1980. Somando com os processos que estão na justiça, são 230 mil multas, e o valor totaliza os R$ 59,3 bilhões.
No fim de fevereiro, o ministro Ricardo Salles demitiu 21 dos 27 superintendentes estaduais do Ibama. Conforme a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, 19 superintendências permanecem sem chefia, o que emperra a burocracia necessária para a cobrança de infrações.
Das multas aplicadas na Amazônia Legal desde 2005, um ano depois de ser iniciado um plano para tentar conter o desmatamento na região, mais de 37 mil resultaram em embargos de imóveis rurais, até hoje ativos no sistema do Ibama. Eles representam mais da metade dos bloqueios registrados em todo o país no mesmo período.
Do iG