terça-feira, 8 de outubro de 2019

A Corrupção e a Lava Jato




ENTREVISTA - ‘O objetivo é esvaziar tudo’

Pedro Simon se indigna com os movimentos para frear as investigações contra corruptos e diz que, se a Lava Jato não continuar, será o caos
Pedro Simon tem 89 anos. Desses, 57 foram dedicados quase que integralmente à política. Ele foi praticamente tudo: vereador, deputado estadual, senador, ministro e governador. Uma de suas principais bandeiras ao longo da carreira foi o combate à corrupção. Por vezes, como voz solitária. Vinte anos antes da Lava Jato, por exemplo, Simon propôs a abertura de uma CPI dos Corruptores, para investigar o esquema entre políticos, campanhas e empresas que a operação viria a desnudar anos depois. Não deu certo, como era de se esperar. Naquele tempo, a cultura da impunidade ainda grassava sem maiores resistências em Brasília.

A última disputa eleitoral do gaúcho, remanescente do MDB original, foi em 2014, a pedido da então candidata presidencial Marina Silva. Simon disputou uma vaga no Senado. Ficou em terceiro lugar. A saída da vida pública, porém, não o afastou por completo da política. Recentemente, ele passou a auxiliar o partido em um projeto de reestruturação que ainda está em curso. Nesta entrevista a Crusoé, o ex-senador faz a leitura do cenário nacional – do governo ao Congresso, onde passou mais de três décadas — e se revela especialmente preocupado com o esforço para travar iniciativas anticorrupção, como a própria Lava Jato. Eis os principais trechos.

O que mudou no Congresso em relação ao período em que o sr. esteve lá?

Estou sentindo que, infelizmente, dentro e fora do Congresso está havendo como nunca antes uma tentativa de enfraquecer o combate à corrupção. Essa aprovação da lei de abuso de autoridade, que praticamente pune promotores e juízes, é um absurdo. Veja o resultado: todos eles com medo de investigar porque podem ser condenados. De repente, depois de 30 anos de ditadura, agora temos que conviver com punições por “excesso de sentença” ou por sentença equivocada. Não é à toa que magistrados estão pedindo no Supremo para que isso seja mudado, porque se sentem sem condições de julgar. Enfiaram uma faca na cabeça dos juízes e promotores. Nunca existiu isso na história do Brasil, e é muito estranho que exista agora.

E a que o sr. atribui o fato de esse movimento estar mais forte?

Há uma movimentação, algumas vezes silenciosa, e outras vezes mais exposta, contra a Lava Jato. É um movimento que parte de muita gente que está sendo atingida pelas investigações, pelos que estão sendo processados e pelos que já estão presos. De diversos partidos, com o objetivo de esvaziar tudo. De terminar com prisão após condenação em segunda instância, por exemplo, o que representará uma grande mudança para a Lava Jato.

Por quê?

Nenhum ladrão político ia para a cadeia. Só ladrão de galinha ia. Porque os ladrões políticos conseguiam adiar sempre o processo. A cadeia estava aberta para todos os ladrões, menos os políticos. Quando a Justiça passou a condená-los e eles a passaram a ir para a cadeia, mudou tudo. Hoje eles querem voltar para esse tempo.

O que a prisão e a possível soltura de Lula significam nesse processo?

A primeira coisa que querem fazer é soltar o Lula pelo seguinte: se o Lula não cumprir a pena, por que os outros também vão cumprir? A ideia é que, se o Lula for solto, por que os outros vão ser condenados? É isso o que está em jogo. A intenção é dar um alívio a toda essa gente que foi processada. É um momento muito grave esse que estamos vivendo.

Como enxerga o papel do presidente Jair Bolsonaro, que se elegeu entoando o discurso anticorrupção?

O presidente foi atingido quando investigações chegaram ao filho dele, o senador (Flávio Bolsonaro, alvo de uma investigação do Ministério Público por suposto desvio de recursos no seu gabinete quando era deputado estadual no Rio). Se bem que, com toda sinceridade, se for investigar deputado, senador, vereador, político que usou cargos e tirou dinheiro dos funcionários… A própria investigação no Rio de Janeiro envolveu muitos deputados e, no entanto, só foram para cima do senador porque ele era filho do presidente.

Como o sr. vê a tentativa de enfraquecer politicamente o ministro da Justiça, Sergio Moro?

Quando Bolsonaro assumiu, o Moro tinha autonomia para fazer o que tinha que ser feito. Aos poucos estão enfraquecendo o ministro e enfraquecendo o seu papel. Ele está esvaziado. Acho que está tentando ir até o seu limite.

E por que isso ocorreu?

O presidente se aborreceu.

Com o quê?

Com o Coaf, que depois foi proibido de fazer a obrigação dele (O órgão, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira, foi responsável pelo relatório que apontou transações suspeitas de Flávio Bolsonaro).

E o STF nisso tudo?

Tenho muitas restrições ao STF. Tem uma linha que eu respeito ali, de aprovar prisão após condenação em segunda instância. Mas hoje, na realidade que estamos vivendo, esse presidente do STF (Dias Toffoli) é uma figura muito interrogativa em relação a isso. Algumas decisões são profundamente estranhas. A gente sente que algo está mudando. Essa decisão que anula muitos processos é uma coisa delicada.

Acredita haver um esforço do Congresso e do Supremo para esvaziar a Lava Jato?

Essas decisões vão sendo tomadas em nível de Supremo e de Congresso. Esvazia-se a Lava Jato. E se acaba com prisão em segunda instância. Tudo o que ocorreu vai ser reduzido a zero. Reclamam porque o Moro falava com o procurador. Ora, ora, ora… Houve ou não houve corrupção? Houve ou não houve bandalheira? Houve ou não houve assalto a Petrobras? Essas coisas aconteceram ou não aconteceram?

O que os críticos da Lava Jato dizem é que a operação teria avançado o sinal em nome do combate à corrupção.

Houve um excesso aqui ou acolá? Puna-se. Mas os excessos não condenaram ninguém que não devia ser condenado, pelo amor de Deus! A esta altura, ou a gente segue com responsabilidade, fazendo com que a Lava Jato cumpra o seu papel, ou vai ser o caos. Uma grande irresponsabilidade.

O sr. crê que o Palácio do Planalto também participa do jogo para enfraquecer investigações?

Pode até acontecer. Aliás, já houve uma reunião do presidente da República com o da Câmara (Rodrigo Maia), com o do Senado (Davi Alcolumbre) e com o do STF. O fato é que a maioria do universo político, por omissão ou por ação, é favorável a esse esvaziamento da Lava Jato.

Que leitura o sr. faz do governo Bolsonaro?

Tem as coisas que estão acontecendo e tem as palavras dele. O grande problema do Bolsonaro é que ele fala demais. Você veja, na semana em que ele ficou fazendo sua última cirurgia, não aconteceu nada de polêmico. Parece que, de propósito, ele quer aguçar, instigar essa linha radical de conservadorismo. Mas, apesar disso, há coisas positivas que estão acontecendo.

Hoje o Congresso é melhor ou pior do que antes?

Mais de 30 anos se passaram desde que a democracia voltou. Nesse período, o Brasil tentou fazer reformas tributárias e a da Previdência profundas. Nunca conseguiu. De repente, agora, pelo fato de o presidente Jair Bolsonaro ser muito complicado, o Congresso parece ter uma postura diferente e avança nas reformas. A reforma da Previdência vai ser aprovada e a reforma tributária também. Aquilo que nunca tinha acontecido vai acontecer. Mas tem o aspecto negativo que é tudo sobre o que falamos.

Por CAIO JUNQUEIRA na Revista Crusoé