quinta-feira, 31 de outubro de 2019

PESQUISA - Painel em evolução




O desenvolvimento de ferramentas single source em integração com a análise digital aceleram as transformações no mercado de pesquisa

Como disciplina padronizada, a pesquisa de mercado começou a tomar corpo no Brasil nos anos 1910 como um serviço de informações sobre opinião de consumo. Cresceu, passou a ser incorporada por uma diversidade de setores e tornou-se um segmento em si, com múltiplos formatos, tecnologias, aplicações e concorrentes. Um dos principais estudas desse ecossistema é o Target Group Index (TGI), um levantamento single source voltado ao setor de marketing e mídia, que se tornou um dos mais relevantes mapas de compreensão do consumo humano. Foi criado há 50 anos no Reino Unido e, em 1999, chegou ao Brasil por meio do Ibope Media, fazendo parte da rede de 70 países que hoje integram o painel.

"O grande mérito do TGI foi a possibilidade de sair de demografia para análise com parlamentar" diz Marco Frade, presidente do comitê de mídia da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e head de digital, mídia e PR da I.G no Brasil, "À medida que ganhamos um painel com questões mais aprofundadas sobre hábitos de consumo em geral, que podíamos cruzar demografia de consumidor de TV com preferências como marca de sabonete ou de automóvel, mudou completamente a concepção sobre investimento em mídia." Antes, lembra o executivo, as únicas informações complementares eram demográficas, como gênero, faixa etária, grau de escolaridade, classe social e ocupação, 'o que era muito limitador" Ainda que o TGI tenha representado um grande avanço na análise do consumidor, o estudo se tornou mais um entre a variedade de informações que o ambiente online fornece para anunciantes e agências definirem estratégias de campanhas e entenderem o impacto de produtos. “Há 20 anos, quando comecei em mídia, tínhamos poucos recursos e os principais deles eram o TGI e o Monitor, que faziam parte do nosso cotidiano" lembra Carla Gagliardi, vice-presidente de canais e engajamento da RETC. "Até hoje são importantes demais, quando falamos de demográfico e de painel mas a realidade está mais fragmentada e complementamos corai uma série de outras ferramentas',' avalia Carla.

Maurício Almeida, vice-presidente de mídia da Publicis, concorda: "Historicamente, o TGI ajudou muito e ele tem se reinventado com novas entregas, mas o fato é que com a escala que o digital ganhou no Brasil, esse universo se tornou uma fonte de dados muito rica, tomando as outras ferramentas complementares"

Para Duilio Novaes, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) e sócio-fundador da GAP Pesquisa, o crescimento da quantidade de informações disponíveis na rede permite acompanhar a jornada do consumidor de modo muito mais preciso do que há alguns anos. "Serviços de geolocalização, por exemplo, abrem um leque de oportunidade para o anunciante quase ilimitado, Se antes um pesquisador ia para a rua com papel e caneta, hoje você faz online ou, mesmo em campo, usa um tablet e já atualiza a base de dados em tempo real. Ê um avanço enorme" diz Novaes.

Estudos proprietários

"Métricas mais tradicionais no digital são mais atitudinais e ajudam a saber se clicou, converteu, comprou" diz Henrique Russowsky, sócio e diretor de mídia da lüssi. “Métricas cognitivas, pois preciso entendera partir de pesquisa como minha ação está impactando no resultado do cliente, têm se tornado mais estratégicas" diz. Dentro desse leque, é enorme a variedade de ferramentas para encontrar as melhores audiências para uma campanha ou sentir o pulso do consumidor. Dados das principais plataformas, notadamente Google Trends, Facebook Insights e TweetDeck, tornaram-se tão obrigatórias quanto o TGI. Dependendo da segmentação, estudos do Línkedln ou de redes emergentes, como Pinterest, ajudam a definir estratégias. Profissionais de marketing e de mídia citam também soluções de social listem ing, corno Ruzz- monitor, Scup, Socialbakers e Sprinklr. Junta-se a isso o monitoramento da internet de forma geral, com Comscore e Similarweb, e pesquisas de mercado específicas, oferecidas por institutos especializados. Para determinar o impacto ou retorno sobre investimento (ROI), o relatório de uma estratégia pode ser complementado por dados de painéis como os da Kantar, estudos de recall ou de saúde de marca do Datafolha e da Ipsos ou, ainda, mensuração de respostas em laboratórios de neurociència, como o da Nielsen e da Forebraín.

Dezenas de outras instituições têm aumentado seu cardápio de soluções de mercado. "Nós temos mais de 39 ferramentas de dados, internamente" conta Paulo Ilha, vice-presidente de mídia da DPZ&T, "Uma parte é proprietária, desenvolvida em parceria com outras instituições, com as quais monitoramos 13 KPIs de consideração e intenção de compra, awareness, seja do cliente ou de concorrentes, que nos ajudam na mudança de rotas ou a identificar oportunidades'1’ explica. As próprias marcas e agências têm trabalhado, portanto, na lapidação de dados primários ou na produção de pesquisas proprietárias,

Além de comprar diversos estudos de mercado, a Publieis criou uma área, a Brain Lab, só para direcionar business intelligence e análise de dados. "Nessa área, temos desde o tradicional de mídia, passando por social listening, SHO e content strategy, com projetos para organizar a demanda e deixar a saída clara e organizada'! explica Maurício Almeida, vice- presidente de mídia da agência. A nova área também desenvolve muitos trabalhos segundo a necessidade dos clientes. “Juntamos o Brain Lab, a área de mídia e planejamento, e desenvolvemos entregas ad hoc de acordo com demandas especificas", pontua.

A Fbiz, da chief media officer Carolina Buzetto, também investe em estudos proprietários, como os relatórios Head of Tomorrow e Head of Today, "focados em oxigenar e inspirar nossos times sobre tendências do futuro e inspirações atuais” explica a executiva, além de pesquisas sobre marca, mercado e cultura & pessoas, com finalidade tanto interna como externa, numa metodologia conduzida por três pilares estratégicos: context, concept e content. "Elas se adequam aos desafios do cliente e impactam não somente a comunicação como também os negócios" diz Carolina.

"As pesquisas tradicionais nos fornecem um panorama mais macro e nos ajudam a entender a evolução de tendências" analisa a executiva de mídia, citando o próprio TGI. Ca rol i na reforça a necessidade de incrementar o panorama de consumo com dados digitais, que conferem tanto profundidade como rapidez. "Além disso, usamos muito as análises e métricas mais modernas para encontrar uma forma de integração de todos os dados e ter uma visão completa de comportamento, contendo dados espontâneos e estimulados" pondera.

Dados, leis e futuro

Num contexto de fluxo crescente de dados, as agências, empresas de pesquisa e anunciantes têm consolidado seus processos de compliance, tendo em vista a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor em agosto de 2020. Novaes lembra que a Abep já realizou dois seminários com a finalidade de instruir associados e compartilhar conhecimento. "O mau uso gera prejuízo para todos, não só à empresa dona do dado. mas para quem processou, as marcas e, principal mente, o consumidor” diz, O executivo lembra que as empresas de pesquisa já possuem, como prerrogativa histórica, colher informações com o consentimento do respondente, o que já poupa boa parte do trabalho. "A Àbep também se engajou na coalizão de comunicação social, que está pleiteando uma vaga na Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), com um comitê gestor que mostra as principais preocupações", explica Novaes, referindo-se ao órgão federal que vai verificar e certificara LGPD, Entre as entidades participantes da coalizão estão Abert, Abap, Abradi, Abraçam, Abrarec, Aner, Ampro, ANj, APP, CNCom e Penapro, além de Abep.

Marco Frade, afirma que a ABA também está consciente sobre a necessidade de seus associados se adaptarem à lei. "Com a ANPD, vai ser possível aplicar uma multa que é bastante significativa, e isso é tudo que o anunciante não quer" diz. Entre encontros com integrantes e um guia prático sobre LGPD, há urna conversa constante sobre os cuidados mais urgentes. "Empresas que praticam venda de dados não estão mudando, portanto, temos de escolher muito hem nossos parceiros" alerta Frade.

No caso de agências, muitas das que atendem grandes anunciantes têm negócios internacionais e já vinham se adaptando desde a vigência da regulação européia. É o caso da BHTC. "Quando saiu na Fforopa, em novembro de 2017, fomos com advogados à Havas Londres acompanhar a adaptação de clientes. Aqui no Brasil, trabalhamos junto a Pão de Açúcar. Reckitt Benckiser e PSA, entre outras, que fizeram um intenso trabalho para se adaptar',' conta Carla, "É uma demanda do próprio mercado anunciante" concorda Maurício, dá Fublícis, que também responde à sede europeia. "Mais do que bom senso na gestão de dados em escala do cliente, está o indivíduo, que tem o mais absoluto direito à privacidade", avalia ele.

A preocupação constante com privacidade se alinha à integração de diferentes ferramentas de pesquisa e bases de dados. A tendência é que no futuro próximo cada vez mais soluções sejam modulares, permitindo conectar diferentes bases, a depender do propósito da estratégia. "Acredito que já não temos uma deficiência, mas a grande questão é transformar um oceano de dado em diferentes lagos para cada cliente ou projeto", afirma Paulo, da DPZ&T.

Marcelo Lobianco, CEO no Brasil da IPG Interbrands, concorda que a profundidade e a quantidade de informações disponíveis tornaram o planejamento de mídia "extremamente complexo'! com o mobile como dispositivo central nessa interação, chamando "grande pane da atenção do usuário, numa navegação frenética, consumindo informação como snacks” dtz, "À novidade é o inix das informações utilizadas para desenvolver o planejamento, misturando informações de pesquisa estruturada a um modelo preditivo, alimentado por inteligência artificiar! acrescenta o executivo.

Maurício Almeida pensa de modo parecido: "O ideal é que se chegue num nível máximo de predição, estruturados para juntar tudo c prever resultado, comportamento, satisfação de qualquer movimento que um targel ou categoria possam fazer" Essa modularidade entre dados e pesquisas, fornecendo uma análise mais inteligente, também é essencial para Carolma, da Fbiz. "Isso nos possibilita ter a verdadeira jornada do consumidor" afirma, acrescentando que será "fundamental para evoluirmos de patamar em estratégias de dados e assim, finalmente romper a fronteira entre on e off-line"

Nesse trajeto, o mercado pode passar de um modelo de correlação para outro, de relação direta,, com baixa difusão, pelo qual se acompanha uma série de ações de certa base no decorrer do tempo, O problema desse modelo, segundo Henrique, da Jüssi, é que ainda é complicado

Isolar parte das variáveis para realizar um corte específico. "A tendência mais importante, acredito, é entender isso para realizar um trabalho de atribuição com inteligência artificial, ajudando a entender o que está funcionando em qual parte da jornada, desde a TV até o social" diz o diretor de mídia. "Desenvolvimento tecnológico se tornou, portanto, um ativo essencial para colaborar nessa transformação, "Provavelmente, a evolução da internei das coisas irá ajudara construir essa ponte de integração do mundo online com off-line para irmos muito além" comenta Carolina.

Esse crescimento deve se viabilizar diante da força financeira do mercado de pesquisas. Segundo um estudo da PwC, a economia em torno de dados devera ser de US$ 400 bilhões até 2025. Rodrigo Fameili alerta, porém, para um movimento crescente que pode pegar muitas empresas do setor, inclusive agências, desprevenidas: a internalização da operação de performance por parte de anunciantes, que em muitos casos já são first party data e dependerão menos de outras fontes para entenderem seus consumidores. Segundo o diretor-geral de mídia da África, a relação mais próxima com as empresas detentoras de dados e o maior entendimento e controle dessas informações por parte do consumidor deverá possibilitar também novos negócios. "Um exemplo disso é o número crescente de startups nos EUA com a proposta de dividir com usuários os lucros obtidos por meio da comercialização de seus dados pessoais, 6 um movimento ainda embrionário. mas um exemplo do que pode vir pela frente" diz.

Da Revista Meio & Mensagem




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