Triste sobrevoo
Mesmo quando dentro
da lei, viagens aéreas de autoridades costumam retratar o desrespeito a
princípios da administração pública
Episódios sobre
viagens aéreas constituem capítulo à parte na crônica política brasileira. Nem
sempre se caracterizam por irregularidade, mas com frequência merecem a marca
do escândalo —ainda que não pelas cifras envolvidas.
O caso mais
recente, noticiado por esta Follia, diz respeito a despesas com diárias e
passagens aéreas internacionais. Os tribunais da cúpula do Judiciário gastaram
em 2015 cerca de R$ 3,4 milhões com essa finalidade; o Tribunal de Contas da
União (TCU), órgão de assessoria do Legislativo, desembolsou outros R$3,9
milhões.
Os montantes não
causam espanto. Basta dizer que o déficit federal de 2016 monta a quase R$ 170
bilhões e que a Justiça, em dois anos, já pagou aos juizes mais de R$ 1,5
bilhão a título de auxílio-moradia (de quase R$ 4.400 mensais) escudado em
decisão provisória de Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ainda assim, e
mesmo que se leve em conta a importância do intercâmbio com outros países, o
dispêndio é inaceitável —apenas reflete o pouco valor que se dá ao dinheiro do
contribuinte no Brasil. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, membro do STF,
viajou 13 vezes ao exterior em 2015, quando presidia o Tribunal Superior
Eleitoral. Seus voos custaram ao todo R$ 149,4 mil, quase R$ 11,5 mil por
bilhete. Não lhe ocorreu economizai'?
Quando
questionadas, em geral as autoridades afirmam que observaram a lei. No começo
do ano, foi essa a justificativa de Fernando Pimentel (PT), governador de Minas
Gerais, após usar um helicóptero do Estado para buscar o filho depois de uma
festa de Réveillon.
O senador Aécio
Neves (PSDB-MG) adotou argumentação semelhante ao explicar suas idas ao Rio de
Janeiro de 2003 a 2010, quando era governador. Foram 124 viagens em avião
oficial, a maioria delas entre quinta- feira e domingo.
Aventar a
legalidade de um ato, contudo, não basta quando se cuida da administração
pública. Há que considerar a moralidade, que certamente foi violada nesses
casos, bem como eficiência, que sem dúvida faltou na expedição de Walton
Alencar à Geórgia, em 2015.
Tendo ido na
condição de ministro do TCU, Alencar utilizou bilhete que custou inacreditáveis
R$ 55 mil e frequentou um grupo de trabalho com auditores fiscais de nove
países, entre os quais Ucrânia, Ièmen, Zâmbia, Moldova e Ilhas Fiji. Não é difícil
imaginar aplicação melhor para o dinheiro.
Para completar, o
STF, em desrespeito ao princípio da publicidade, há oito meses não fornece
dados detalhados sobre viagens e diárias de seus ministros e servidores.
Em meio aos desvios
bilionários dos escândalos de Corrupção, talvez percam importância episódios
como esses; nesse sobrevoo, entretanto, tem-se um retrato da administração
pública brasileira, emoldurada em princípios que poucos fazem questão de
respeitar.
Folha de São Paulo
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