O
gasto do governo federal em 2016 será de aproximadamente R$ 3 trilhões. Parte
desse dinheiro irá parar nos bolsos de corruptos, como resultado de compras
superfaturadas, venda de favores e outros crimes. É impossível fiscalizar
centavo por centavo: são centenas de milhares de compras públicas, pagamentos
de salários e repasses a ONGs. É possível, porém, automatizar o processo com o
uso de inteligência artificial (IA).
O
uso de IA faz parte do nosso cotidiano há algum tempo: a humanidade já se
habituou a tradutores automáticos (como o Google Translate) e a assistentes
virtuais (como Siri e Cortana), por exemplo. Quando seu banco telefona e
pergunta se foi você mesmo que comprou aquela passagem para Cancún isso
acontece porque um algoritmo de IA disparou o alerta. Médicos rotineiramente
submetem imagens de biópsias a aplicativos que dizem se há ali algum tumor
maligno. Mais recentemente, a Uber botou em circulação em Pittsburgh, nos
Estados Unidos, seus primeiros carros autônomos.
A
lógica de funcionamento é a mesma na maioria dos casos: você “alimenta” o
algoritmo com casos passados e com isso o algoritmo “aprende” a prever ou
classificar casos novos. Considere, por exemplo, a base de dados de um grande
banco qualquer. Essa base contém dados sobre cada compra no cartão de crédito
de cada cliente: data, horário, local, valor e se a compra foi identificada
como fraudulenta (digamos, com base em reclamação do cliente). Quando o banco
submete essa base a um algoritmo de IA, o algoritmo identifica os padrões e
regularidades mais comumente associados às compras fraudulentas: horário,
local, valor e quaisquer outras informações que existam na base. Uma vez
alimentado (no jargão da inteligência artificial diz-se “treinado”), o
algoritmo pode ser usado para identificar se novas compras são ou não
fraudulentas.
Pois
essa mesma lógica vem sendo usada no combate à corrupção. O Cadastro de
Expulsões da Administração Federal (CEAF), por exemplo, contém dados sobre
servidores punidos com perda do cargo. O Observatório da Despesa Pública (ODP)
da Controladoria-Geral da União (CGU) usou um algoritmo de inteligência
artificial para identificar os padrões mais comumente associados aos servidores
expulsos: forma de ingresso no serviço público (concurso ou cargo de
confiança), filiação partidária, se é sócio de empresa, etc. Com isso foi
possível desenvolver um aplicativo que diz, para cada um dos 1,2 milhão de
servidores do Executivo federal, a probabilidade de esse servidor ser corrupto.
Naturalmente trata-se apenas de uma probabilidade, não de uma certeza; não
chegamos (ainda) ao mundo de Minority Report. Mas a probabilidade é um primeiro
passo: no mínimo ajuda a decidir quais investigações priorizar.
Outros
órgãos também vêm usando IA no combate à corrupção. A Receita Federal tem usado
IA para detectar exportações fictícias e pedidos fraudulentos de compensação
tributária – o que, numa análise inicial, pode gerar R$ 16 bilhões de
arrecadação em multas e recolhimento de tributos devidos. O Banco do Brasil,
por sua vez, tem usado IA para análise de crédito. O Ministério do Planejamento
tem usado IA para identificar fraudes na folha de pagamentos do funcionalismo.
A lista não se restringe ao Executivo federal: Legislativo e Judiciário, bem
como órgãos estaduais e municipais, também têm explorado o potencial de IA.
Ainda
há muito por fazer. O concurso público privilegia candidatos capazes de
memorizar leis e regimentos internos; apenas acidentalmente selecionam-se
candidatos capazes de usar ferramentas de IA. É preciso recrutar melhor e, ao
mesmo tempo, capacitar os já recrutados para que possam tirar proveito dessas
ferramentas. É preciso, ainda, facilitar a troca de dados entre diferentes
órgãos e eliminar retrabalho (hoje diferentes órgãos gastam um tempo enorme
limpando e carregando as mesmas bases). Mesmo com esses obstáculos, porém, o
potencial de IA é imenso na administração pública.
Thiago Marzagão, cientista de dados. PhD pela Ohio State University.
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A corrupção aos olhos de Shakespeare. Aqui.
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