Ativistas fazem prostesto durante a COP27 e cobram que países 'paguem a dívida climática', como escrito e inglês no cartaz. Crédito,Getty Images |
O Paquistão passou por uma das piores enchentes da história do país. A Índia enfrentou um calor que secou a água e destruiu as plantações. Enquanto isso, ilhas inteiras começam a desaparecer aos poucos com o aumento do nível dos oceanos.
Todos esses eventos catastróficos, alguns deles
registrados nos últimos meses, estão ligados às mudanças climáticas — e
atualmente não há dúvidas entre os cientistas de que a ação humana, com a
emissão de gases do efeito estufa, está por trás de todas essas transformações
no planeta.
A grande questão é que existe uma grande diferença entre
os países que mais poluem — geralmente as nações mais ricas — e aquelas que
sofrem as consequências disso — na maioria das vezes, as mais pobres.
Como equalizar esse descompasso?
É aí que entram os mecanismos de compensação por perdas e
danos, um dos pontos mais debatidos e negociados durante a Conferência sobre as
Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), que acontece em Sharm El-Sheikh,
no Egito.
A meta dos organizadores é que o evento termine com uma
definição clara sobre o assunto — mas, até o momento, os países não chegaram a
um consenso sobre como, quando e quem fará essa compensação financeira.
Entenda a seguir por que esse tema é tão importante e
quais as principais possibilidades discutidas nas mesas de negociação.
O que são perdas e danos?
A bióloga Izabella Teixeira, que foi ministra do Meio
Ambiente do Brasil entre 2010 e 2016, explica que existem dois grandes tipos de
impacto quando pensamos nas mudanças climáticas.
"Primeiro, são os eventos extremos e o reflexo deles
na condição de vida das pessoas. Por exemplo, as secas severas que alteram a
maneira de produzir os alimentos."
"O segundo tem a ver com a necessidade de mudar
completamente de lugar, como aquelas pessoas que vivem em países insulares que
estão desaparecendo pelo aumento no nível do mar", diz.
Essas condições, ocasionadas pelo aquecimento do planeta,
exigem adaptações, o desenvolvimento de novas tecnologias e um suporte
financeiro para que as pessoas saiam de onde moram e vivam em lugares mais
seguros.
É aí que entra a responsabilidade dos países que mais
poluíram ao longo das últimas décadas. A premissa básica é relativamente
simples: ora, se as mudanças climáticas foram causadas em grande parte por
essas nações, não seria justo que elas dessem uma compensação financeira aos
territórios pobres que foram mais afetados (e emitiram menos carbono)?
"Isso está num princípio importante do regime
climático, que foi decidido na convenção realizada no Rio de Janeiro em 1992:
as necessidades comuns, porém diferenciadas", lembra Teixeira.
"O peso da responsabilidade sobre o aquecimento
global é diferente. Ele deveria ser maior para os países que se tornaram
desenvolvidos ao longo do século 20 e, no século 21, continuam a aumentar as
emissões de gases do efeito estufa", complementa.
A bióloga lembra que a ambição estratégica, estabelecida
no Acordo de Paris em 2015, é que a temperatura do planeta só aumente 1,5 °C em
comparação com os níveis pré-industriais.
Ela também destaca que, atualmente, o Brasil integra o
grupo dos grandes emissores de gases do efeito estufa.
"E isso se deve principalmente à retomada do
desmatamento. Se tirarmos a destruição das florestas da equação brasileira, o
cenário do país é completamente diferente", diz.
"Existe, então, uma necessidade de compensar esses
povos que mais sofrem as consequências imediatas das mudanças climáticas",
conclui
Mas, afinal, quem vai pagar essa conta?
Como andam as negociações
Embora exista um consenso que os países mais afetados
precisem receber suporte financeiro, ainda não está definido quais serão as
fontes de financiamento e como fazer esse dinheiro chegar até quem mais
precisa.
Bater esse martelo, inclusive, é uma das grandes metas da
COP27.
Por ora, as negociações estão travadas e cada grupo
defende uma proposta diferente.
Em resumo, há duas opções principais na mesa de
negociações. A primeira estabelece a criação de um fundo para compensar os
países vulneráveis. Esse dinheiro viria das nações mais desenvolvidas.
Essa proposta é defendida pelo G77, o grupo de países em
desenvolvimento do qual fazem parte Brasil e China.
A opção número dois, defendida pela União Europeia,
estabelece que o fundo vá apenas para países "particularmente
vulneráveis" e que sejam incluídos "novos arranjos de
financiamento", com a adição de mais doadores.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa,
avalia que "os europeus desejam ir além da base de doadores e
recebedores" estabelecida em convenções anteriores. Com isso, todos os
países que têm condição também precisarão fazer contribuições.
Os critérios de quem seriam esses "doadores
adicionais" ainda está em aberto. Se o acordo considerar renda per capita,
Catar, Singapura e Arábia Saudita entrariam na lista.
Agora, se a nota de corte estabelecida for Produto
Interno Bruto (PIB) e emissões de carbono, Brasil e China seriam incluídos como
possíveis contribuintes do fundo.
"Os europeus não querem que países como Arábia
Saudita e China tenham acesso a recursos de perdas e danos doados por
eles", resume.
Na perspectiva dela, a primeira opção é a melhor do ponto
de vista dos mais vulneráveis, porque decide pela criação de um fundo.
"Porém, a essa altura, me parece que a opção dois
traz à tona outro aspecto importante: a de quem vai contribuir. Não basta criar
um fundo sem fontes de recurso", diz.
"Os países que têm a obrigação de pagar a conta
querem incluir fontes novas, ampliar a base de doadores e considerar outros
arranjos — ou nada feito", complementa.
A posição do Brasil
Um integrante da comitiva brasileira que participa das
negociações disse à BBC News Brasil que o país e os demais integrantes do G77
querem a criação de um fundo que "todos os países em desenvolvimento"
possam acessar, para pagar por prejuízos causados pelas mudanças climáticas.
Segundo esse negociador, o G77 está "unido" na
posição de não abrir mão desse fundo.
Uma parcela dos países ricos queria inicialmente um texto
que falasse em financiamento para perdas e danos em países vulneráveis, mas sem
citar a criação de um fundo.
Eles ainda defendem uma redação que abra brechas para que
grandes economias possam contribuir também. Querem ainda que apenas países
pobres recebam esse financiamento.
Diante do impasse, a União Europeia elaborou a opção
dois, que estabeleceria a criação de um fundo "de perdas e danos",
mas apenas para países pobres e que seria financiado "por uma base mais
ampla" de doadores.
Os critérios para quem deveria doar não teriam sido
definidos, mas a redação indica que a China poderia entrar para a lista.
Segundo o negociador brasileiro, a intenção da União
Europeia com essa proposta seria "romper a unidade do G77".
"Mas isso não aconteceu. O G77 continua unido e
ignorou a proposta."
Unterstell acredita que, apesar dos impasses, a tendência
é que a COP27 termine com alguma definição sobre os mecanismos de perdas e
danos, até para evitar entraves em outros tópicos que estão em discussão.
"As perspectivas são de que algo será resolvido na
conferência. Sem esse acordo [sobre perdas e danos], outros temas em discussão
do pacote não avançarão", avalia.
O temor é que o impasse impeça que o fundo para perdas e
danos seja instituído. E os maiores perdedores serão justamente os países muito
pobres, severamente afetados pelas mudanças climáticas. Alguns deles correm o
risco de desaparecer "afogados" pelas águas em poucas décadas.
BBC News
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