A atuação dos
órgãos de controle e a importância do compliance em equidade como prevenção ao
assédio
Sabe-se que o assédio sexual no ambiente de trabalho é
crime, cuja conduta pode ter reflexos também na justiça trabalhista[1]. Mas
quão recorrente ele é e quanto custa em termos indenizatórios, queda de
produtividade e outras graves consequências?
Em busca desta resposta, o Government Accountability Office (GAO), entidade de fiscalização superior dos Estados
Unidos, realizou auditoria intitulada 'Assédio Sexual no Ambiente de Trabalho
da Administração Pública Federal'. As premissas desta investigação foram o fato
de a administração pública federal ser a maior empregadora nos EUA, bem como o
impacto negativo do assédio sobre os servidores e sobre a própria prestação de
serviços públicos à população.
Inicialmente, cumpre destacar que a auditoria constatou dificuldade para a
realização de diagnóstico completo devido à baixa quantidade de dados federais
disponíveis e porque as poucas estimativas nacionais confiáveis ??da
prevalência do assédio sexual variavam devido às diferenças metodológicas das
pesquisas, incluindo a estrutura das perguntas e o seu período de duração.
Além disso, as pesquisas apontaram que poucas pessoas que sofreram assédio
efetivamente o reportaram. De acordo com estudos consultados pela auditoria, o
percentual de reportes de assédio é de apenas 6%. Por isso, uma das
recomendações do órgão à administração pública foi a realização de pesquisas
recorrentes sobre o tema.
Constatou-se também que a probabilidade da ocorrência de assédio sexual no
local de trabalho pode variar com base em características demográficas, como
gênero, raça e questões etárias, bem como pelo fato de o lugar de trabalho ser
dominado por homens ou por mulheres. Por exemplo, mulheres, pessoas mais jovens
e mulheres em locais de trabalho dominados por homens eram mais propensas a
reportarem assédio.
O GAO não encontrou nenhuma estimativa de custo recente de assédio sexual no
local de trabalho, mas identificou que, além dos custos indenizatórios, havia
custos de difícil mensuração divididos em quatro grandes categorias: saúde,
produtividade, carreira e custos jurídicos.
Entre os custos de saúde encontram-se sintomas relacionados à saúde física e
mental, bem como custos adicionais com o sistema de saúde. Quanto à
produtividade foram relatados absenteísmo, redução da performance e baixa
satisfação com o trabalho.
Com relação à carreira identificou-se custo de recolocação profissional,
rotatividade e necessidade de constante substituição da força de trabalho pelo
empregador. Por último, entre os custos jurídicos foram encontrados custos
processuais, indenizatórios e danos reputacionais.
O órgão de controle também identificou falhas no combate e prevenção ao
assédio. No departamento de assuntos militares, por exemplo, constatou-se a
existência de conflito de interesses na medida em que a pessoa responsável por
apurar queixas de assédio sexual era a mesma que tinha a atribuição de promover
ou contratar o empregado.
Além disso, a inexistência de um órgão central de coleta de informações e
denúncias no departamento dificultava o tratamento adequado desses casos. Nas
agências financiadoras de pesquisa, por sua vez, o GAO constatou que não
existiam orientações de como as pessoas poderiam apresentar denúncias, bem como
nenhuma agência estabelecia objetivos ou planos para avaliar os esforços de
prevenção ao assédio sexual.
Por fim, no relatório da Controladoria da Cidade da Filadélfia[2], apurou-se
que a cidade já havia pago mais de US$ 2 milhões em acordos relacionados a
assédio.
No Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU)[3], inspirado na auditoria conduzida
pelo órgão de controle americano, aprovou proposta de auditoria apresentada
pelo ministro Bruno Dantas com
o escopo de avaliar o desempenho do sistema de prevenção e combate ao assédio
sexual na administração pública federal.
Em sua proposta, o ministro destacou o fato de que ainda são muito incipientes
os sistemas de combate e prevenção ao assédio sexual no ambiente de trabalho,
tanto públicos quanto privados, convocando os dirigentes máximos dos órgãos
federais a prestarem atenção e a agirem sobre o problema.
No Brasil, os dados sobre assédio sexual também ainda são insuficientes,
contudo, informações do Tribunal Superior do Trabalho apontam que essa prática
foi tema de 4.786 processos na justiça trabalhista em 2019. Esse número,
provavelmente, é apenas a pontinha de um iceberg que precisa vir à tona para
que o tema seja tratado com a seriedade que lhe é devida.
A proposta de auditoria do TCU também
citou dados da pesquisa realizada pela Think Eva e pelo LinkedIn que apontam
que uma em cada duas mulheres já sofreu assédio no ambiente de trabalho e que
uma em cada seis mulheres pede demissão após o ocorrido. Importante destacar
que essa pesquisa também mostrou que, entre as mulheres que afirmaram já terem
sofrido assédio sexual no trabalho, 52% são negras.
Os apontamentos da fiscalização realizada
pelo GAO e da proposta de auditoria do TCU jogam
luz sobre o fato de que o assédio sexual é um problema estrutural da sociedade
que perpassa todo tipo de organização, seja ela pública ou privada, bem como
que seus efeitos extrapolam os danos à vítima, impactando a própria organização
e a prestação de seus serviços.
Ainda, considerando que o TCU tem
como meta ser referência na promoção de uma administração pública efetiva,
ética, ágil e responsável, é revelador o fato de o combate ao assédio sexual
ter entrado em sua agenda, demonstrando que esse tema extrapola uma perspectiva
individual, devendo ser tratado como política pública.
Vale ressaltar que, para que o combate e a prevenção ao assédio sexual sejam
feitos de maneira eficaz, é importante que sejam estruturados programas de
compliance alicerçados em equidade.
Para tanto, o programa deve ser desenhado considerando as ferramentas que
compõem um programa de compliance, mas também incorporando preocupações e
medidas que garantam olhar interseccional, isto é, que considere as diferenças
entre as necessidades das pessoas colaboradoras e a forma como se dão as
relações entre pessoas diversas, por exemplo, por meio da identificação do impacto
de suas políticas sobre grupos que sofrem mais de uma opressão, como mulheres
negras e da comunidade LGBTQIAP+.
É a partir dessa lente que deve ser feito (i) o engajamento da alta direção,
(ii) a estruturação de de instância interna responsável por receber e tratar
relatos de assédio, (iii) a avaliação interna de riscos, (iv) a elaboração de
políticas e procedimentos e (v) o monitoramento e aprimoramento constantes das
pessoas que compõem a organização por meio de treinamentos.
Ainda, é muito relevante que o canal de escuta criado para o recebimento de
relatos de assédio seja levado à cabo por instância independente de forma a
evitarem-se conflitos de interesse.
O caso também deve ser conduzido a partir de critérios transparentes,
equitativos e que garantam segurança às partes envolvidas, privilegiando-se
metodologia que acolha a vítima.
O assédio sexual é conduta bastante prejudicial às vítimas e também muito
custosa às organizações onde acontece. O fato de estarem ocorrendo
fiscalizações conduzidas pelas mais altas instâncias de controle externo da administração
pública de países como Estados Unidos e Brasil é um grande avanço.
No entanto, para que essa conduta criminosa, imoral e antiética seja
efetivamente extirpada, é necessário mais que uma ordem de fiscalização, mas sobretudo o envolvimento
das altas lideranças das organizações e de método para que o tema seja tratado
com a seriedade e a efetividade que merece.
[1] 'No Brasil, o assédio sexual é crime, definido no
artigo 216-A do Código Penal como 'constranger alguém com o intuito de obter
vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de
superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função'. A pena prevista é de detenção de um a dois anos.
Embora o processo criminal decorrente do assédio sexual seja da competência da
Justiça Comum, a prática tem reflexos também no Direito do Trabalho. Ela se
enquadra, por exemplo, nas hipóteses de não cumprimento das obrigações
contratuais (artigo 483, alínea 'e', da CLT) ou de prática de ato lesivo contra
a honra e boa fama (artigo 482, alínea 'b'). Nessa situação, a vítima pode
obter a rescisão indireta do contrato de trabalho, motivada por falta grave do
empregador, e terá o direito de extinguir o vínculo trabalhista e de receber
todas as parcelas devidas na dispensa imotivada (aviso prévio, férias e 13º
salário proporcional, FGTS com
multa de 40%, etc).
Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito
também a indenização para reparação do dano (artigo 927 do Código Civil). Nesse
caso, a competência é da Justiça do Trabalho, pois o pedido tem como origem a
relação de trabalho (artigo 114, inciso VI, da Constituição da República).
Embora, no Direito Penal, a relação hierárquica faça parte da caracterização do
crime, a Justiça do Trabalho pode reconhecer o dano e o direito à reparação,
ainda que a vítima não seja subordinada ao assediador. São os casos de assédio
horizontal, entre colegas de trabalho. A responsabilidade pela reparação é da
empresa (artigo 932, inciso III, do Código Civil), e o empregador poderá
ajuizar ação de regresso (ressarcimento) contra o agente assediador.'
Fonte: Tribunal Superior do
Trabalho, disponível em: .
[2] 'Report on the Effectiveness of and Compliance with Sexual Harassment
Policies and Procedures - July 2012 to April 2018.' Tradução livre: 'Relatório sobre a efetividade e a
conformidade com políticas e processos de combate ao assédio sexual - Julho de
2021 a Abril de 2018'.
[3] 'O TCU é o órgão de controle externo do governo federal e
auxilia o Congresso Nacional na missão de acompanhar a execução orçamentária e
financeira do país e contribuir com o aperfeiçoamento da Administração Pública
em benefício da sociedade. Para isso, tem como meta ser referência na promoção
de uma Administração Pública efetiva, ética, ágil e responsável. O Tribunal é
responsável pela fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades
públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade.'
Por Thayná Yaredy Manuela Camargo Isabela
Del Monde Adriana Vojvodic, no Jota
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