Recentemente,
autoridades de saúde da cidade de Nova York informaram ter encontrado amostras
do poliovírus, causador da poliomielite, no esgoto do município. Alerta
semelhante também ocorreu em Londres e em Jerusalém.
A constatação imediatamente
motivou ações de saúde pública, em especial a intensificação da vacinação da
população desses locais. A princípio, o fato de o vírus ter sido detectado pelo
monitoramento de esgotos pode parecer estranho, mas não é. Essa é uma
importante estratégia de vigilância epidemiológica para diversas doenças.
— O monitoramento de esgotos
é uma ação importante em saúde pública porque permite detectar antes a doença
antes que as pessoas comecem a adoecer. Isso fortalece a política de saneamento
— completa o pesquisador José Paulo Gagliardi Leite, do Laboratório de
Virologia Comparada e Ambiental do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
A última vez que o
poliovírus selvagem foi detectado no Brasil foi em 2014, no aeroporto de
Viracopos, fruto de um trabalho de vigilância da Cetesb - Companhia Ambiental
do Estado de São Paulo, que monitora de forma sistemática o poliovírus e a
cólera no esgoto de portos, aeroportos e rodoviárias da região metropolitana de
São Paulo. Embora essas doenças estejam eliminadas do Brasil, há lugares em que
elas ainda existem. Isso significa que elas podem ser trazidas por turistas.
Monitorar esses locais, permite controlar isso.
— Esse monitoramento é
importante para saber a circulação silenciosa desses vírus. Conseguimos
detectá-lo antes de aparecerem casos sintomáticos da doença e assim, iniciar
medidas de prevenção— avalia o virologista Edson Elias, chefe do Laboratório de
Enterovírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Esse monitoramento é
particularmente importante neste momento, devido à baixa taxa de vacinação. O
percentual de imunização contra a pólio não atinge os 95% desejados pelo
Ministério da Saúde desde 2015. No ano passado, alcançou apenas 70% das
crianças.
— O Brasil está com baixa
cobertura vacinal, então estamos com um risco bastante elevado de reintrodução
da pólio. Um único caso já representa um alerta muito grande — explica a
bióloga Mikaela Renata Funada Barbosa, gerente da Divisão de Micrbiologia e
Parasitologia da Cetesb.
O monitoramento do esgoto
também é feito por meio de coleta de amostras em estações de tratamento de
esgoto (ETEs). Segundo Barbosa, haverá aumento dos pontos de monitoramento da
doença para alguns bairros da cidade de São Paulo e municípios do interior.
Poliomielite: quais são os
sintomas da doença
Desde o início da pandemia
de Covid-19, a estratégia também passou a ser utilizada por diversas cidades
incluindo São Paulo, Niterói (RJ) e Belo Horizonte (MG), para detectar a
presença do Sars-CoV-2 no esgoto das cidades.
— A gente consegue não
apenas detectar, mas também quantificar a presença do vírus nas cidades e nos
bairros. Esses dados ajudam a identificar tendências e nortear políticas
públicas, independente de dados clínicos — diz Cesar Mota, professor associado
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador da Rede
Monitoramento Covid Esgotos, projeto piloto criado para detecção e
quantificação do novo coronavírus em amostras de esgoto nas cidades de Belo
Horizonte e Contagem.
Por exemplo, o monitoramento
do Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte, pode nortear decisões
sobre uso de máscara e higienização. Já o monitoramento de um asilo de idosos
da Santa Casa de Belo Horizonte pode indicar a necessidade de ações de testagem
em massa. Além disso, o aumento da quantidade de vírus no esgoto antecede em
alguns dias o aumento de pessoas com sintomas e em algumas semanas, o aumento
das hospitalizações, o que pode servir de alerta para o sistema de saúde dos
municípios.
Prorrogação: Com baixa
adesão, Ministério da Saúde prorroga campanha de vacinação contra pólio
Hoje, a rede já se expandiu
para outras cinco capitais – Fortaleza (CE), Recife (PE), Brasília (DF), Rio de
Janeiro (RJ) e Curitiba (PR) - e deu tão certo que o próximo passo é criar um
Programa Nacional de Vigilância Epidemiológica com base no esgoto. Segundo
Mota, esse planejamento já está acontecendo junto ao Ministério da Saúde e a
ideia é vá além da Covid-19 e inclua outras doenças infecciosas, como viroses,
arboviroses e germes com resistência a antibiótico.
Na prática
A forma ideal de fazer o
monitoramento de doenças pelo esgoto é por meio da análise do material que
chega às estações de tratamento de esgoto (ETEs), isso porque se algo for
encontrado, é possível saber quais são os bairros em que o vírus está
circulando e iniciar ações direcionadas.
— Para qualquer estudo com
esgoto, é preciso que a rede contemple pelo menos 90% da população. Uma cidade
com redes de esgoto bem dimensionadas por bairros, que vão para uma estação de
tratamento específica, permite mapear a disseminação dos parasitas e iniciar
ações preventivas de saúde pública. Sem isso, não é possível monitorar — pontua
Leite.
No entanto, isso
impossibilitaria esse tipo de vigilância na maioria das cidades brasileiras.
Dados da 14ª edição do Ranking do Saneamento mostram que somente 50% do volume
de esgoto do país recebe tratamento. Por isso, os pesquisadores encontraram
outros caminhos.
Além das estações de
tratamento, a Cetesb monitora água de rios que recebem grandes quantidade de
esgoto não tratado. Já a Rede Monitoramento Covid Esgotos também inclui coletas
em canais de água pluvial, que recebem esgoto bruto da população. Mota explica
que sabendo a topografia do local, é possível inferir qual é a população que
está contribuindo com o esgoto que vai para esses canais.
— A gente tem feito esse
acompanhamento e tem dado certo em situações de maior precariedade de cobertura
de rede — afirma Mota.
A periodicidade da coleta do
material varia de acordo com cada projeto, podendo ser semanal ou quinzenal. Um
profissional do laboratório ou da empresa de saneamento básico coleta a
amostra, que varia entre um a dois litros de esgoto, em cada ponto. Esse
material é refrigerado e levado para o laboratório onde a amostra é concentrada
e submetida a análises específicas para cada patógeno investigado.
Grande potencial
A pandemia de Covid-19
deixou claro que o monitoramento de doenças pelo esgoto pode ser uma importante
ferramenta de saúde pública e seu potencial não para de crescer. Nos Estados
Unidos, algumas cidades já estão utilizando a rede de esgoto para monitorar o
avanço da varíola dos macacos (monkeypox), por exemplo.
Pontualmente, a Cetesb
realiza realizas vigilâncias ambientais de outros agentes infecciosos, como
salmonela, hepatite A, norovírus, rotavírus e enterovírus.
— Qualquer doença em que o
agente causador é excretado em fezes ou urina é passível de ser monitorado via
esgoto. A quantidade de informação epidemiológica presente no esgoto é
impressionante e isso tem um potencial muito grande, em especial para um país
como o Brasil, que têm deficiência em testagem de clínicas — conclui Mota.
O Globo, Giulia Vidale
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