Após um mês de
reviravoltas judiciais, protestos, e proibições internacionais, o porta-aviões
São Paulo está, enfim, a caminho de volta ao Rio.
No final de agosto, o
governo da Turquia, que seria o destino da embarcação, vendida pela Marinha por
R$10,6 milhões, cancelou a autorização para a importação, por causa da
preocupação com a quantidade de amianto, material tóxico e cancerígeno, a
bordo. Com isso, o Ibama também suspendeu sua autorização de exportação e
comunicou que o porta-aviões deveria retornar ao Brasil. Agora, o itinerário da
viagem possui como destino o Rio de Janeiro, onde chegaria no dia 2 de outubro,
o que pode ser confirmado nos sistemas de monitoramento náutico.
Procurados, a Marinha, a
Capitania dos Portos e o Ibama ainda não se manifestaram. Mas advogados que
acompanham o imbróglio afirmam que a Ocean Prime, empresa contratada pela Sok -
o estaleiro turco que comprou o porta-aviões - para fazer a exportação,
solicitou à Capitania dos Portos a autorização para o atracamento na Baía de
Guanabara no dia 2 de outubro. A Ocean Prime também não respondeu à reportagem,
mas há duas semanas ela informou que estava ciente da ordem do retorno.
O site vesselfinder, que
exibe o monitoramento por satélite de navios pelo planeta, exibe que o
porta-aviões está próximo às Ilhas Canárias na tarde desta sexta. O transporte
está sendo realizado por um rebocador holandês, que é quem informa o
itinerário. No sistema, o destino da viagem consta como Rio de Janeiro.
No dia 26 de agosto, após
manifestações de grupos internacionais ambientalistas, preocupados com a
quantidade de amianto - oficialmente de 9,6 toneladas a bordo, mas que seria
maior, segundo fontes - as autoridades Turcas decidiram cancelar a autorização
para a importação do porta-aviões, quando ele estava próximo do norte da
África, a caminho do estreito de Gibraltar. Em seguida, o Ibama suspendeu sua
autorização para exportação e comunicou a ordem para o retorno do navio. Nos
dias seguintes, o porta-aviões ainda seguiu a viagem, numa velocidade menor.
Mas, depois, as autoridades de Gibraltar também comunicaram a proibição para
entrada em seus territórios.
Na última quarta (7), o
porta-aviões mudou de direção e iniciou o retorno ao Rio. Nos últimos ofícios
que o Ibama enviou à Ocean Prime, aos quais O GLOBO teve acesso, a Diretoria de
Qualidade Ambiental do instituto pediu para que a empresa informasse o
cronograma de retorno do navio, bem como informações sobre um suposto novo
inventário de material tóxico a bordo, que não estava presente nos autos do
processo que autorizou a exportação.
A partir de agora, não se
sabe exatamente o que acontecerá com o porta-aviões, que foi vendido em leilão
pela Marinha no ano passado, após o entendimento de que o navio estava
obsoleto. Comprado por uma empresa turca, a embarcação seria vendida como
sucata. Nos últimos anos, o Instituto São Paulo/Fochs vem tentando emplacar seu
projeto de transformação do navio em um museu marítimo. Por isso, no final do
ano passado o instituto entrou com uma ação para anular o leilão, sob alegação
de irregularidades no edital.
Entenda o cronograma dos
acontecimentos
30 de maio: É concedida
autorização para "exportação com condições" por parte do governo da
Turquia
7 junho: O Ibama autoriza a
exportação do porta-aviões
4 de agosto: O porta-aviões
inicia viagem rumo à Turquia
4 de agosto: Horas após o
início da viagem, a justiça federal profere liminar para que o navio retorne. Segundo
a Ocean prime, o navio já estava em águas internacionais quando a decisão foi
informada
9 agosto: Autoridades turcas
pedem informações sobre decisão judicial que impedia a exportação, e um novo
inventário de materiais perigosos a bordo.
18 de agosto: A justiça
federal, após recurso da União e da Marinha, revogou a decisão liminar que
pedia o retorno do navio. O Ibama, então, responde à Turquia que não havia
objeção judicial à exportação
26 agosto: A Turquia decide
cancelar autorização para exportação. Em seguida, o Ibama comunica a Ocean
Prime sobre a decisão e suspende a sua autorização
30 agosto: O Ibama reafirma
às autoridades turcas que não havia pendência judicial contra a exportação, mas
diz que acata a decisão do cancelamento da exportação. O instituto ainda pede
para que o governo turco compartilhe se a Convenção de Basileia (organização
internacional que trata de exportação de amianto) tomou alguma medida legal
sobre o assunto
7 de setembro: O rebocador
holandês mudou o itinerário da viagem, e iniciou o retorno ao Rio de Janeiro,
previsto para 2 de outubro.
A novela do porta-aviões
A reconstituição da saga do
navio, comprado da França pelo Brasil nos anos 2000 e que teria navegado só 206
dias no Brasil, mostra como o porta-aviões se tornou tecnologicamente defasado
e com potencial poluente. Vendido como sucata, poderá render em torno de R$
100,4 milhões, quase dez vezes mais do que ao valor de venda. A Marinha cogitou
outro destino para o São Paulo. Em 2019, após desistir de um projeto de
modernização que custaria R$1 bilhão, procurou especialistas para traçar
alternativas de descarte ou reutilização para o porta-aviões São Paulo, na
época recém-desativado.
Especialista em transporte
marítimo, logistica e construção naval, o engenheiro Jean Caprace, da
Politécnica-UFRJ, sugeriu um modelo matemático para indicar o melhor
custo-benefício entre as possibilidades de desmonte. A ideia não foi acatada.
— O que mais me surpreende é
o interesse de uma empresa estrangeira. Devem ter feito muitos cálculos, mas é
um negócio de alto risco, inclusive o de ter mais amianto a bordo que o
declarado. Há compartimentos totalmente inacessíveis, que só serão descobertos
quando abrirem — avisa Caprace.
Quando ainda era da França,
o porta-aviões esteve em frentes de batalha na África, no Oriente Médio e na
Europa. Com 266 metros de comprimento e 32,8 mil toneladas, a embarcação,
explica Caprace, exige cálculos muito precisos e complexos para determinação de
valores de venda. Pelo contrato firmado com a França, o São Paulo precisaria
ser esvaziado para ser revendido. Os gastos para transportar a embarcação, que,
desativada, passa a ser oficialmente “casco de navio”, atingem a casa dos
milhões de dólares.
O Globo, Lucas Altino
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