O
engenheiro Eliezer Batista, ex-presidente da Vale, foi o responsável pela
expansão da mineração do Brasil, com o projeto Carajás. Muitos o consideravam
um megalomaníaco, mas sua visão de negócios fez da empresa e do País uma
potência na extração do minério de ferro
Alguns anos antes do golpe militar de 1964, o
engenheiro Eliezer Batista (1924 – 2018), então presidente da estatal Vale do
Rio Doce (a mineradora reduziu seu nome para Vale somente em 2007), tentava
convencer o governo federal sobre a importância de enriquecer o minério de
ferro antes de vendê-lo para o exterior. “Nenhum país fica rico exportando
matéria-prima”, dizia o executivo, que acumulou duas passagens na presidência
da companhia, entre 1961 e 1964 e entre 1979 e 1986. Ele sabia o valor do que o
Brasil tinha sob sua terra e exigia que o negócio fosse lucrativo, tanto para a
empresa como para o País. Desde que se formou na Universidade do Paraná, em
1948, Batista se especializou na commodity.
Entendia tudo sobre o mineral, foi um visionário da capacidade de produção brasileira e um batalhador insistente para que grandes projetos entrassem em operação, como Carajás e o porto de Tubarão. Chegou a ser chamado de megalomaníaco. Nos últimos anos, era lembrado e conhecido como o pai de Eike, o criador do império em ruínas X, uma redução desrespeitosa de sua trajetória bem-sucedida nos negócios. Aos 94 anos, foi vencido por uma insuficiência respiratória aguda e faleceu na segunda-feira 18, no Rio de Janeiro.
Natural da mineira Nova Era, pequeno município no vale do Rio Doce, Batista cresceu em uma região que seria o berço para a expansão internacional da Vale. Deixou a cidade para estudar e disse que nunca mais moraria na “selvagem e sem perspectiva New Was”, como se referia ao local. Apesar dessa negação, ao retornar para Nova Era após um período nos Estados Unidos, em 1949, foi contratado pela Vale para integrar a equipe que reformava a ferrovia Vitória-Minas, importante rota de escoamento de minério de ferro para a companhia. Por mais de quatro décadas atuou na empresa, acumulando 44 anos em suas passagens.
Ao assumir o comando da estatal, em 1961, no qual se tornou o primeiro presidente oriundo dos quadros da empresa, foi enfático sobre a necessidade de construir um porto capaz de escoar o aumento de produção da empresa em navios de maior capacidade de transporte. Garantiu contratos de longo prazo com Alemanha e Japão, que construiria as embarcações, mas não o financiamento de US$ 100 milhões para a obra. Nenhum banco estrangeiro topou pagar pelo projeto. Batista teve de convencer o então Ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a usar recursos do Tesouro Nacional. “Não tenho recursos para emprestar, mas vamos rodar a guitarra”, disse Dantas, sobre a impressão do dinheiro. Assim, às custas da inflação, a obra começou a ser erguida.
Inaugurado em 1966, o porto de Tubarão permitiu que a produção da Vale aumentasse, na época, de 1,5 milhão de toneladas para 5 milhões de toneladas (hoje, a Vale produz cerca de 82 milhões de toneladas por trimestre). Mais que isso, ajudou a atrair investidores estrangeiros interessados em aproveitar uma infraestrutura pioneira no mundo. Apesar de todo o seu esforço, Batista estava longe na inauguração do porto. O presidente militar Humberto Castello Branco o exonerou do cargo por ser ligado aos comunistas. Além de sua proximidade ao ex-presidente deposto pelos militares em 1964, João Goulart, que fez Batista acumular a presidência da Vale com o cargo de ministro de Minas e Energia (1962 – 1964), ele falava russo e foi grampeado conversando com o iugoslavo Josip Broz Tito, presidente da ex-Iugoslávia de 1953 a 1980, durante o regime comunista.
O brasileiro convenceu o ditador a construir um porto em Balkar, que se tornaria uma importante porta de entrada da Vale na Europa. Sobre esse episódio, Batista dizia que um nacionalista como ele foi tingido de vermelho da cabeça aos pés. Ficou quatro anos longe da empresa. Voltou para comandar a Rio Doce Internacional, subsidiária da companhia em Bruxelas. Lá permaneceu 11 anos e aproveitou todo o seu conhecimento de outras culturas para abrir mercados para a estatal. Além do português e do russo, falava com fluência outros seis idiomas: inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, grego e japonês.
Com o Japão, que concedeu a Batista a Ordem do Sol Nascente, a mais alta honraria do país, conseguiu destravar o Projeto Carajás. Em 1979, o presidente João Figueiredo pediu que o engenheiro esquecesse o passado e retornasse para o País para assumir o controle sobre o programa, que estava sob domínio da americana United States Steel. Em sua segunda passagem como presidente da Vale, pagou uma indenização não revelada para os americanos e Carajás, a mais rica área mineral do mundo, que engloba terras nos Estados do Pará, do Tocantins e do Maranhão, voltou para o Brasil. Batista se apoiou nos japoneses e em contratos de longo prazo para conseguir o financiamento para Carajás, que exigiu uma enorme infraestrutura, como a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, uma estrada de ferro e um porto em São Luís.
Maior produtora de minério de ferro do mundo, “Carajás foi dessas realizações que valem por uma vida. Era um sonho de olhos abertos”, disse ele. Batista permaneceu na Vale até a privatização da empresa, em 1997, quando foi vendida por R$ 3,3 bilhões para um consórcio liderado pela CSN, do empresário Benjamin Steinbruch. Nos anos seguintes, um de seus sete filhos começou a ser comparado ao criador. Eike, que fez fortuna com o comércio de ouro e diamantes nos anos 1980 e 1990, passou a montar empresas pré-operacionais que se transformaram em gigantes nas áreas de mineração e petróleo.
O que se dizia era que o pai teria entregue ao filho o mapa de todas as reservas minerais que ele conhecia e que a Vale não tinha interesse em explorar. Ambos negaram essa história. Eike chegou a ser o 7º homem mais rico do mundo, mas suas companhias ruíram ao não entregarem o que era prometido aos investidores. Eliezer chegou a defender o filho, dizendo que era “generoso e mal-compreendido”. Hoje, Eike é réu pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Como o pai, também chamado de megalomaníaco. A diferença é que das minas de Eliezer Batista extraiu-se bons negócios.
Entendia tudo sobre o mineral, foi um visionário da capacidade de produção brasileira e um batalhador insistente para que grandes projetos entrassem em operação, como Carajás e o porto de Tubarão. Chegou a ser chamado de megalomaníaco. Nos últimos anos, era lembrado e conhecido como o pai de Eike, o criador do império em ruínas X, uma redução desrespeitosa de sua trajetória bem-sucedida nos negócios. Aos 94 anos, foi vencido por uma insuficiência respiratória aguda e faleceu na segunda-feira 18, no Rio de Janeiro.
Natural da mineira Nova Era, pequeno município no vale do Rio Doce, Batista cresceu em uma região que seria o berço para a expansão internacional da Vale. Deixou a cidade para estudar e disse que nunca mais moraria na “selvagem e sem perspectiva New Was”, como se referia ao local. Apesar dessa negação, ao retornar para Nova Era após um período nos Estados Unidos, em 1949, foi contratado pela Vale para integrar a equipe que reformava a ferrovia Vitória-Minas, importante rota de escoamento de minério de ferro para a companhia. Por mais de quatro décadas atuou na empresa, acumulando 44 anos em suas passagens.
Ao assumir o comando da estatal, em 1961, no qual se tornou o primeiro presidente oriundo dos quadros da empresa, foi enfático sobre a necessidade de construir um porto capaz de escoar o aumento de produção da empresa em navios de maior capacidade de transporte. Garantiu contratos de longo prazo com Alemanha e Japão, que construiria as embarcações, mas não o financiamento de US$ 100 milhões para a obra. Nenhum banco estrangeiro topou pagar pelo projeto. Batista teve de convencer o então Ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, a usar recursos do Tesouro Nacional. “Não tenho recursos para emprestar, mas vamos rodar a guitarra”, disse Dantas, sobre a impressão do dinheiro. Assim, às custas da inflação, a obra começou a ser erguida.
Inaugurado em 1966, o porto de Tubarão permitiu que a produção da Vale aumentasse, na época, de 1,5 milhão de toneladas para 5 milhões de toneladas (hoje, a Vale produz cerca de 82 milhões de toneladas por trimestre). Mais que isso, ajudou a atrair investidores estrangeiros interessados em aproveitar uma infraestrutura pioneira no mundo. Apesar de todo o seu esforço, Batista estava longe na inauguração do porto. O presidente militar Humberto Castello Branco o exonerou do cargo por ser ligado aos comunistas. Além de sua proximidade ao ex-presidente deposto pelos militares em 1964, João Goulart, que fez Batista acumular a presidência da Vale com o cargo de ministro de Minas e Energia (1962 – 1964), ele falava russo e foi grampeado conversando com o iugoslavo Josip Broz Tito, presidente da ex-Iugoslávia de 1953 a 1980, durante o regime comunista.
O brasileiro convenceu o ditador a construir um porto em Balkar, que se tornaria uma importante porta de entrada da Vale na Europa. Sobre esse episódio, Batista dizia que um nacionalista como ele foi tingido de vermelho da cabeça aos pés. Ficou quatro anos longe da empresa. Voltou para comandar a Rio Doce Internacional, subsidiária da companhia em Bruxelas. Lá permaneceu 11 anos e aproveitou todo o seu conhecimento de outras culturas para abrir mercados para a estatal. Além do português e do russo, falava com fluência outros seis idiomas: inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, grego e japonês.
Com o Japão, que concedeu a Batista a Ordem do Sol Nascente, a mais alta honraria do país, conseguiu destravar o Projeto Carajás. Em 1979, o presidente João Figueiredo pediu que o engenheiro esquecesse o passado e retornasse para o País para assumir o controle sobre o programa, que estava sob domínio da americana United States Steel. Em sua segunda passagem como presidente da Vale, pagou uma indenização não revelada para os americanos e Carajás, a mais rica área mineral do mundo, que engloba terras nos Estados do Pará, do Tocantins e do Maranhão, voltou para o Brasil. Batista se apoiou nos japoneses e em contratos de longo prazo para conseguir o financiamento para Carajás, que exigiu uma enorme infraestrutura, como a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, uma estrada de ferro e um porto em São Luís.
Maior produtora de minério de ferro do mundo, “Carajás foi dessas realizações que valem por uma vida. Era um sonho de olhos abertos”, disse ele. Batista permaneceu na Vale até a privatização da empresa, em 1997, quando foi vendida por R$ 3,3 bilhões para um consórcio liderado pela CSN, do empresário Benjamin Steinbruch. Nos anos seguintes, um de seus sete filhos começou a ser comparado ao criador. Eike, que fez fortuna com o comércio de ouro e diamantes nos anos 1980 e 1990, passou a montar empresas pré-operacionais que se transformaram em gigantes nas áreas de mineração e petróleo.
O que se dizia era que o pai teria entregue ao filho o mapa de todas as reservas minerais que ele conhecia e que a Vale não tinha interesse em explorar. Ambos negaram essa história. Eike chegou a ser o 7º homem mais rico do mundo, mas suas companhias ruíram ao não entregarem o que era prometido aos investidores. Eliezer chegou a defender o filho, dizendo que era “generoso e mal-compreendido”. Hoje, Eike é réu pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Como o pai, também chamado de megalomaníaco. A diferença é que das minas de Eliezer Batista extraiu-se bons negócios.
Por Márcio Kroehn, na Revista
IstoÉ Dinheiro
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |