Disputa judicial entre um pequeno empresário e o
Departamento Nacional de Produção Mineral pode levar à paralisação da unidade
da cervejaria em Alagoinhas, na Bahia. Para evitar a perda de metade do mercado
da região Nordeste, a segunda maior cervejaria do Brasil teria um custo
trimestral estimado de R$ 240 milhões. Entenda por que a seca se aproxima
Há 22 anos, a holandesa Heineken estava muito distante do mercado brasileiro. A companhia só se instalaria no Brasil em 2010, com a aquisição da mexicana Femsa, dona da marca Kaiser. Mas, muitos anos antes, tinha início uma disputa judicial entre um pequeno empresário e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que deve afetar, agora, a produção da empresa em Alagoinhas, na Bahia, uma das 15 cervejarias dos holandeses no País.
Essa fábrica, que responde por metade do abastecimento da companhia no Nordeste e emprega cerca de mil pessoas, poderá ser paralisada até a primeira quinzena de agosto. A Advocacia Geral da União (AGU) determinou que o DNPM cumpra decisão da Justiça de lacrar os três principais poços que fornecem a matéria-prima para a produção das bebidas. Para entender por que a seca pode atingir a Heineken, é preciso voltar no tempo.
Em novembro de 1996, o então prefeito de Alagoinhas, Murilo Coelho Cavalcanti (PFL, atual DEM), assinava com José Nelson Schincariol, principal acionista da cervejaria paulista, morto em 2003, um contrato de incentivos fiscais para a instalação de uma fábrica no município, que receberia investimento de US$ 160 milhões e criaria cinco mil postos de trabalho. Além das vantagens financeiras, a cidade localizada no Recôncavo Baiano, distante 108 quilômetros de Salvador, era considerada um novo polo para a produção de bebidas em razão da qualidade de sua água.
O problema é que a área disponibilizada para a Schincariol ficava sobre o aquífero São Sebastião, cujos direitos de exploração tinham sido concedidos pelo DNPM para o empresário Maurício Brito Marcelino da Silva. No Código da Mineração, a prioridade é de quem faz o primeiro requerimento de uma área livre. Compete à União determinar os direitos de uso do subsolo e não a Estados e municípios. Marcelino da Silva tinha feito estudos preliminares e solicitou 2 mil hectares para explorar fosfato. O pedido é uma praxe, pois envolve a liberacão de uma grande área, que pode ser analisada com cuidado em busca de outros minerais mais valiosos, como ouro ou diamante.
Mas, para atender a um pedido da Prefeitura de Alagoinhas, o então procurador-geral do DNPM, José Roberto Jansen Pereira, assinou um parecer pedindo o indeferimento da autorização dada ao empresário “em razão do interesse coletivo ao particular”. Desde então, Marcelino da Silva trava uma batalha judicial contra o órgão federal. Em 1999, seu direito foi reconhecido pela Justiça, em primeira instância, e confirmado nos anos seguintes pelos tribunais superiores. Após mais de 30 embargos, em 2014, o ministro Napoleão Nunes Maria Filho, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou procedente o pedido do empresário. Agora, encerradas todas as possibilidades de recursos, a AGU determinou que o DNPM cumpra a decisão. “Fomos surpreendidos, na época, pela pressão política. Por isso, fui até o fim para reparar os meus direitos”, diz Marcelino da Silva. “Por mais que tenha falado, pessoalmente, que era meu direito e mostrado documentos, o Estado nunca quis tomar conhecimento e me jogou para fora de campo.”
Em mais de duas décadas, a fábrica passou da Schincariol para a japonesa Brasil Kirin, que adquiriu o grupo paulista, em 2011, por R$ 3,95 bilhões. Desde fevereiro do ano passado está nas mãos da Heineken, que pagou US$ 1,1 bilhão pelos ativos da empresa nipobrasileira. Embora a cervejaria holandesa não seja parte do processo, ela será a responsável por arcar com os custos dessa longa batalha judicial. A equipe comandada pelo presidente da empresa no Brasil, Didier Debrosse, está correndo contra o tempo.
Em 28 de março, por exemplo, Juliana Vansan, diretora de assuntos governamentais, esteve reunida, em Brasília, com Victor Hugo Bicca, diretor-geral do DNPM, para tentar encontrar uma solução para o caso. “A Heineken assumiu o risco, mas não pode dizer que não tinha conhecimento do processo. O que ela não pode é tentar ganhar no grito para recomeçar a discussão”, afirma Marcelino da Silva. “A minha ação era contra o Estado, que terá de cancelar todas as licenças que foram dadas à empresa para extração de um produto mineral que é meu direito explorar. Portanto, a minha discussão com a Heineken não é o passado, mas para o futuro.”
As fontes dos poços de Santo Antônio, Cosme e Damião e São Sebastião, que retiram a água do aquífero, fornecem 95% de toda a água da unidade de Alagoinhas, que necessita de, aproximadamente, 250 mil litros por hora para a produção. Uma outra fonte, que está distante 14 quilômetros e fora do perímetro de disputa, não tem capacidade para substituí-las. A possibilidade de ficar na seca obriga a Heineken a pensar em planos de contingenciamento para não prejudicar a sua presença no Nordeste. A Sklein Consultoria, especializada em perícias na área de mineração, fez um estudo, a pedido de Marcelino da Silva, para entender o impacto do fechamento dos poços no negócio da empresa.
Em 30 dias, a empresa conseguiria ampliar a capacidade da sua única fonte disponível para atender, no máximo, 25% de sua produção atual, com um custo de R$ 1,8 milhão em obras e adequações. Outra alternativa seria aumentar a produção nas unidades de Jacareí e Itu, em São Paulo. Essas seriam as duas únicas com espaço para substituir Alagoinhas. O impeditivo seria o custo logístico, estimado em quase R$ 55 milhões, ao mês. A possibilidade mais esdrúxula seria contratar caminhões-pipa para abastecer a fábrica com água, mas a lógica econômica seria um entrave. A projeção é de um gasto mensal de R$ 25,6 milhões. Nenhuma saída é simples para a companhia com o fechamento iminente dos poços. “Estima-se, para os três primeiros meses, um plano de contingenciamento de R$ 240 milhões, para que não ocorram prejuízos relacionados à perda de mercado e outras perdas previstas, como a queda significativa da receita”, destaca o relatório.
A resolução do processo entre Marcelino da Silva e o DNPM acontece numa péssima hora para a Heineken, que vem crescendo no mercado brasileiro. A companhia, que era a quarta maior cervejaria do mercado nacional em 2012, com 9,7% de participação, alcançou a segunda colocação, no ano passado, com 20,4%, segundo dados da consultoria Euromonitor. A compra da Brasil Kirin contribuiu para essa ascensão, mas a empresa obteve uma expansão orgânica de 14% nesse período, ante um recuo de 1,5% da Ambev, sua principal concorrente. “O Nordeste é o grande baú do tesouro das cervejarias, por não existir uma liderança absoluta de uma empresa”, diz Angélica Salado, analista sênior de bebidas da Euromonitor International. “A Heineken ainda tem de resolver um imbróglio na distribuição, mas já era uma ameaça à Ambev. Depois da compra da Brasil Kirin, aumentou a capacidade de produção onde a empresa não tinha presença.”
Em nota enviada à DINHEIRO, a Heineken informa que “não tinha conhecimento da ação em questão, uma vez que nunca foi parte do processo judicial. Nesse sentido, a companhia entende que a decisão judicial em nada afetará a continuidade das atividades da cervejaria de Alagoinhas, que seguirá operando normalmente”. A cervejaria acrescenta, também, que “possui as licenças e autorizações necessárias para exploração da sua atividade fabril e comercialização de seus produtos”. Procurado, o DNPM não retornou o pedido de entrevista. O risco, agora, é a fonte secar de repente.
Há 22 anos, a holandesa Heineken estava muito distante do mercado brasileiro. A companhia só se instalaria no Brasil em 2010, com a aquisição da mexicana Femsa, dona da marca Kaiser. Mas, muitos anos antes, tinha início uma disputa judicial entre um pequeno empresário e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que deve afetar, agora, a produção da empresa em Alagoinhas, na Bahia, uma das 15 cervejarias dos holandeses no País.
Essa fábrica, que responde por metade do abastecimento da companhia no Nordeste e emprega cerca de mil pessoas, poderá ser paralisada até a primeira quinzena de agosto. A Advocacia Geral da União (AGU) determinou que o DNPM cumpra decisão da Justiça de lacrar os três principais poços que fornecem a matéria-prima para a produção das bebidas. Para entender por que a seca pode atingir a Heineken, é preciso voltar no tempo.
Em novembro de 1996, o então prefeito de Alagoinhas, Murilo Coelho Cavalcanti (PFL, atual DEM), assinava com José Nelson Schincariol, principal acionista da cervejaria paulista, morto em 2003, um contrato de incentivos fiscais para a instalação de uma fábrica no município, que receberia investimento de US$ 160 milhões e criaria cinco mil postos de trabalho. Além das vantagens financeiras, a cidade localizada no Recôncavo Baiano, distante 108 quilômetros de Salvador, era considerada um novo polo para a produção de bebidas em razão da qualidade de sua água.
O problema é que a área disponibilizada para a Schincariol ficava sobre o aquífero São Sebastião, cujos direitos de exploração tinham sido concedidos pelo DNPM para o empresário Maurício Brito Marcelino da Silva. No Código da Mineração, a prioridade é de quem faz o primeiro requerimento de uma área livre. Compete à União determinar os direitos de uso do subsolo e não a Estados e municípios. Marcelino da Silva tinha feito estudos preliminares e solicitou 2 mil hectares para explorar fosfato. O pedido é uma praxe, pois envolve a liberacão de uma grande área, que pode ser analisada com cuidado em busca de outros minerais mais valiosos, como ouro ou diamante.
Mas, para atender a um pedido da Prefeitura de Alagoinhas, o então procurador-geral do DNPM, José Roberto Jansen Pereira, assinou um parecer pedindo o indeferimento da autorização dada ao empresário “em razão do interesse coletivo ao particular”. Desde então, Marcelino da Silva trava uma batalha judicial contra o órgão federal. Em 1999, seu direito foi reconhecido pela Justiça, em primeira instância, e confirmado nos anos seguintes pelos tribunais superiores. Após mais de 30 embargos, em 2014, o ministro Napoleão Nunes Maria Filho, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou procedente o pedido do empresário. Agora, encerradas todas as possibilidades de recursos, a AGU determinou que o DNPM cumpra a decisão. “Fomos surpreendidos, na época, pela pressão política. Por isso, fui até o fim para reparar os meus direitos”, diz Marcelino da Silva. “Por mais que tenha falado, pessoalmente, que era meu direito e mostrado documentos, o Estado nunca quis tomar conhecimento e me jogou para fora de campo.”
Em mais de duas décadas, a fábrica passou da Schincariol para a japonesa Brasil Kirin, que adquiriu o grupo paulista, em 2011, por R$ 3,95 bilhões. Desde fevereiro do ano passado está nas mãos da Heineken, que pagou US$ 1,1 bilhão pelos ativos da empresa nipobrasileira. Embora a cervejaria holandesa não seja parte do processo, ela será a responsável por arcar com os custos dessa longa batalha judicial. A equipe comandada pelo presidente da empresa no Brasil, Didier Debrosse, está correndo contra o tempo.
Em 28 de março, por exemplo, Juliana Vansan, diretora de assuntos governamentais, esteve reunida, em Brasília, com Victor Hugo Bicca, diretor-geral do DNPM, para tentar encontrar uma solução para o caso. “A Heineken assumiu o risco, mas não pode dizer que não tinha conhecimento do processo. O que ela não pode é tentar ganhar no grito para recomeçar a discussão”, afirma Marcelino da Silva. “A minha ação era contra o Estado, que terá de cancelar todas as licenças que foram dadas à empresa para extração de um produto mineral que é meu direito explorar. Portanto, a minha discussão com a Heineken não é o passado, mas para o futuro.”
As fontes dos poços de Santo Antônio, Cosme e Damião e São Sebastião, que retiram a água do aquífero, fornecem 95% de toda a água da unidade de Alagoinhas, que necessita de, aproximadamente, 250 mil litros por hora para a produção. Uma outra fonte, que está distante 14 quilômetros e fora do perímetro de disputa, não tem capacidade para substituí-las. A possibilidade de ficar na seca obriga a Heineken a pensar em planos de contingenciamento para não prejudicar a sua presença no Nordeste. A Sklein Consultoria, especializada em perícias na área de mineração, fez um estudo, a pedido de Marcelino da Silva, para entender o impacto do fechamento dos poços no negócio da empresa.
Em 30 dias, a empresa conseguiria ampliar a capacidade da sua única fonte disponível para atender, no máximo, 25% de sua produção atual, com um custo de R$ 1,8 milhão em obras e adequações. Outra alternativa seria aumentar a produção nas unidades de Jacareí e Itu, em São Paulo. Essas seriam as duas únicas com espaço para substituir Alagoinhas. O impeditivo seria o custo logístico, estimado em quase R$ 55 milhões, ao mês. A possibilidade mais esdrúxula seria contratar caminhões-pipa para abastecer a fábrica com água, mas a lógica econômica seria um entrave. A projeção é de um gasto mensal de R$ 25,6 milhões. Nenhuma saída é simples para a companhia com o fechamento iminente dos poços. “Estima-se, para os três primeiros meses, um plano de contingenciamento de R$ 240 milhões, para que não ocorram prejuízos relacionados à perda de mercado e outras perdas previstas, como a queda significativa da receita”, destaca o relatório.
A resolução do processo entre Marcelino da Silva e o DNPM acontece numa péssima hora para a Heineken, que vem crescendo no mercado brasileiro. A companhia, que era a quarta maior cervejaria do mercado nacional em 2012, com 9,7% de participação, alcançou a segunda colocação, no ano passado, com 20,4%, segundo dados da consultoria Euromonitor. A compra da Brasil Kirin contribuiu para essa ascensão, mas a empresa obteve uma expansão orgânica de 14% nesse período, ante um recuo de 1,5% da Ambev, sua principal concorrente. “O Nordeste é o grande baú do tesouro das cervejarias, por não existir uma liderança absoluta de uma empresa”, diz Angélica Salado, analista sênior de bebidas da Euromonitor International. “A Heineken ainda tem de resolver um imbróglio na distribuição, mas já era uma ameaça à Ambev. Depois da compra da Brasil Kirin, aumentou a capacidade de produção onde a empresa não tinha presença.”
Em nota enviada à DINHEIRO, a Heineken informa que “não tinha conhecimento da ação em questão, uma vez que nunca foi parte do processo judicial. Nesse sentido, a companhia entende que a decisão judicial em nada afetará a continuidade das atividades da cervejaria de Alagoinhas, que seguirá operando normalmente”. A cervejaria acrescenta, também, que “possui as licenças e autorizações necessárias para exploração da sua atividade fabril e comercialização de seus produtos”. Procurado, o DNPM não retornou o pedido de entrevista. O risco, agora, é a fonte secar de repente.
Por Márcio Kroehn, na Revista Isto É Dinheiro
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