Há uma fase na vida das pessoas em que tudo é dúvida e o futuro
pode ser reduzido a um inquietante ponto de interrogação. As dúvidas pululam
freneticamente, sobretudo, quando se trata de optar pela carreira a escolher ou
pelo destino a seguir.
É uma etapa em que nada está claro, nada
está definido. Nesta situação de insegurança e instabilidade emocional,
solicitar que cada um de nós responda à angustiante pergunta (O que deseja da
vida?, ou que direção seguir?) pode parecer crueldade das mais maquiavélicas,
mas é como dor de parto, aquela dor tipicamente necessária, aquela tensão que
antecede alguns raros momentos de genuína graça.
“Que rumo você quer dar à sua vida?” é a
questão chave, a pergunta que se recusa a calar, o questionamento que repercute
e reverbera na mente de quase todos, indiferente às etapas da vida: na
juventude e adolescência, na fase adulta e também na senil...
Tomar uma decisão que – para o bem ou para
o mal – será capaz de conformar a vida futura é tarefa das mais complexas, por
isto o primeiro passo, a primeira resposta, seguramente não se encontra fora e
distante, no mundo exterior, mas bem rente, dentro, pertinho, como cantam os
poetas “no lado esquerdo do peito/dentro
do coração”. Nesta etapa do processo é necessário mergulhar, lançar o olhar
para a alma, debruçar sobre o próprio interior, auscultando os valores mais
profundos e, nos valores, tratar de selecionar o que existe de mais verdadeiro,
sagrado e revelador.
É deste universo particular - um bravio
oceano de princípios e valores difusos - que deveremos resgatar o que
efetivamente nos pertence, o que verdadeiramente guarda consonância com nossa
identidade, com a vida pregressa, nossos sonhos, desejos e aspirações.
Neste ambiente estão fincadas as âncoras do
futuro desejado, o espaço que nos tornarão mais produtivos e felizes.
Uma série de testes e questionários ajuda esquadrinhar este mundo
um tanto inóspito, ainda misterioso e turbulento, mas que logo – com paciência
e persistência - se mostrará inteiro, claro e límpido.
Ao término deste processo se espera o conhecimento
sobre insumos vitais: o perfil, as habilidades mais destacadas, o temperamento,
a personalidade, as aptidões, as preferências e, sobretudo, as alternativas mais
adequadas e que melhor se encaixam nas características encontradas. O potencial
estará quase todo à mostra. Insisto, não todo. Porque na vida existe um
conjunto de variáveis que sempre escapam ao nosso controle e domínio.
A vida de um iluminado naturalista
britânico ilustra com perfeição a situação a que me refiro.
Quando adolescente, Charles Darwin, o
homem que fez tremer o planeta ao lançar sua obra “A Origem das Espécies por
Meio da Seleção Natural”, estava predestinado a seguir a carreira médica.
Pelo menos assim desejava seu pai, o
proeminente físico Dr. Robert Darwin, que o conduziu à Escola de Medicina de
Edimburgo mal completara 16 anos. Desde os pajés, xamãs e curandeiros
primitivos, os que exercitam as lides medicinais sempre encontraram respeito de
suas tribos e comunidades.
Mas a medicina mostrava-se aos olhos do
adolescente um fardo insuportavelmente pesado, capaz de arriar seus sinceros
desejos de corresponder às expectativas dos progenitores. Para enfrentar e
seguir a carreira médica há que se ter um estômago a toda prova, como o da avestruz,
atributo que, definitivamente, passava ao largo do jovem Charles.
Não restou alternativa senão negociar com
a família. Em troca da carreira médica, ofereceria a eclesiástica. Na época, as
famílias e a sociedade estimulavam em seus filhos o interesse pelas coisas de
Deus, pelas missões religiosas, de modo que, ao matricular-se no Christ’s
College, de Cambridge, para tornar-se pastor, lançou uma pá de cal sobre o
assunto, satisfazendo simultaneamente a gregos e troianos.
Pá de cal? Qual, meu caro! Enquanto há
vida, há movimento. E como bem poderia ter dito Drummond “No meio do caminho havia uma pedra / Uma outra alternativa pairava no
meio do caminho”. E no caso de Charles Darwin a sorte grande o espreitava
na esquina.
Dadas as habilidades como professor das
disciplinas relacionadas à história natural e a fama conquistada de dedicado
colecionador de besouros, foi indicado por John Henslow, seu professor de
botânica, para uma instrutiva e inusitada missão.
O navio HMS Beagle partiria em longa
viagem numa missão cartográfica para mapear as águas do sul do continente
americano. Mas seu capitão, como que antevendo a explosão de luz iluminando no
futuro, resolveu levar quem pudesse se dedicar ao estudo científico das
espécies encontradas.
E lá foi Darwin, em dezembro de 1831,
iniciar um cruzeiro ao redor do mundo, uma viagem que demandou cinco longos
anos, e que embasou a obra que marcaria a história da humanidade.
Portanto, Darwin passou por médico, pastor
missionário, professor, colecionador de besouros, classificador de espécies
encontradas, para se encontrar como grande cientista que revolucionou o mundo
com sua doutrina evolucionista.
A leitura da obra de Darwin ensina que os
seres vivos sobreviventes às grandes catástrofes planetárias não foram os mais
fortes e sim os mais flexíveis.
Ao se deparar com o instante fatídico da decisão
a tomar, sobre o vestibular a fazer, a profissão a escolher, a direção a
seguir, devemos refletir sobre o fato de que, muitas vezes, a força reside muito
mais na capacidade de flexionar, de se adaptar, de interagir com o cenário e suas
circunstâncias.
Antônio Carlos dos Santos, criador da
metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção
de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.