Meus
caros, no Brasil, o planejamento é desdenhado para, sobretudo, favorecer a
corrupção. Por isso os prazos são ignorados, tudo fica para a última hora, o
substantivo só é providenciado no apagar das luzes, então, a necessidade de
viabilizar os projetos justifica a ‘criatividade’ quanto à elaboração de novos
ordenamentos legais; preços astronômicos, custos superfaturados e praticas inaceitáveis passam a ser tolerados;
o exemplo mais eloquente?, a copa do mundo de futebol.
Na
China, ao contrário do que ocorre aqui, a estratégia é planejar à exaustão, cuidar
do detalhamento criterioso, investir nos planos de curto, médio e longo prazos...
aqui se planeja quase nada para viabilizar o quase tudo oriundo da gatunagem; na China, se planeja quase
tudo também para viabilizar a... gatunagem. Tanto lá como cá, os objetivos são
os mesmos, cuidar da perpetuação dos grupos de interesses, manter o status quo, assegurar o 'desenvolvimento sustentável' aos olhos do povo e do mundo, mas nos subterrâneos, no submundo da vadiagem, dar plena vazão à corrupção...
Leiam abaixo matéria que extraí do jornal
espanhol El Pais:
CHINALEAKS
Os
escândalos de corrupção erodem o poder comunista
O enriquecimento
das elites aumenta o mal-estar dos cidadãos com o crescimento dos escândalos
153 deputados
figuram entre os 1.000 chineses mais ricos
No lado norte da Praça da Paz Celestial
(Tiananmen), em Pequim, um retrato gigante de Mao Tsé-Tung domina a entrada da
Cidade Proibida, lugar dos imperadores durante quase 500 anos. O quadro –objeto
de veneração de toda uma geração de chineses, educados desde a infância no
culto ao líder e ao Partido Comunista da China (PCC) – é utilizado como fundo
de fotografias que milhões de turistas nacionais e estrangeiros tiram todos os anos
quando chegam como peregrinos para uma visita à mais famosa das praças do país.
Pouco resta hoje da herança ideológica e das
teorias do fundador da República Popular da China, criada em 1949 depois de os
comunistas de Mao vencerem os nacionalistas de Chiang Kai-Shek na guerra civil.
O Grande Timoneiro morreu em setembro de 1976, e seu sucessor, Deng Xiaoping,
desmontou com habilidade e pragmatismo a herança maoísta e conduziu a China em
um processo de abertura e reformas, que desencadeou uma das maiores e mais
velozes transformações experimentadas por um país na história da humanidade.
O Pequeno Timoneiro estabeleceu uma economia de
mercado socialista, baseada no chamado socialismo com características chinesas,
que substituiu a economia central planificada soviética imperante com Mao, e
exortou seus compatriotas a trabalharem pelo progresso chinês com a famosa
frase “Ser rico é glorioso”, que se converteria no mantra de um país ansioso
por deixar a pobreza para trás.
Mas com o salto ao capitalismo e a reestruturação
da economia chegou o rápido enriquecimento de um setor da população, graças, em
muitos casos, às suas relações com o partido e à corrupção, um flagelo que
afeta atualmente todas as camadas da sociedade, mas alcançou seu auge entre
representantes das elites políticas e empresariais, até o ponto em que os
próprios dirigentes reconheceram que se trata de um sério perigo para a
sobrevivência do PCC.
O mundo de Mao –aquele da sociedade igualitária, a
eliminação das classes endinheiradas e a supressão da propriedade privada– já é
apenas uma recordação nostálgica entre os mais velhos, dos quais muitos olham
com irritação para os excessos de uma parte da classe dirigente e têm saudade
dos tempos em que as pessoas acreditavam em uma quase religião chamada
comunismo, e não apenas em “ser rico”.
Em maio do ano passado, a inclusão de Kong Dongmei,
neta de Mao Tsé-Tung, uma lista das pessoas com as maiores fortunas do país
provocou uma onda de críticas e acusações de hipocrisia nas sempre ativas redes
sociais chinesas, apesar de muitos dos internautas terem nascido quando o
Grande Timoneiro já era um corpo embalsamado exposto em seu mausoléu de
Tiananmen. Kong, com pouco mais de 40 anos, e seu marido, Chen Dongsheng,
ocupavam a posição 242 da classificação da revista financeira Nova Fortuna, com
uma riqueza estimada em 5 bilhões de yuans (1,9 bilhão de reais). Kong abriu em
2001 uma livraria em Pequim com publicações sobre Mao, depois de ter estudado
nos Estados Unidos. Em 2011, casou-se com Chen, que controla uma companhia de
seguros e uma casa de leilões, entre outros negócios.
Alguns internautas chineses acusaram Kong de trair
a posição de seu avô, o “grande mestre da revolução proletária”. “A descendente
do presidente Mao, que nos conduziu à erradicação da propriedade privada, se
casou com um capitalista”, criticou Luo Chongmin, um conselheiro governamental.
A neta de Mao é somente uma entre os muitos casos
de parentes e pessoas próximas aos heróis da revolução e empresários que
enriqueceram até extremos inesperados nas três décadas transcorridas desde o
início das reformas, graças às suas conexões com o poder.
Um estudo divulgado em junho de 2012 pela agência
norte-americana de notícias Bloomberg revelou que, à medida que o hoje
presidente Xi Jinping ascendia na hierarquia do Partido Comunista da China,
membros de sua família, tanto a de sangue como a política, expandiram seus
interesses empresariais com participações em companhias dos setores mineiro,
imobiliário e de telecomunicações. Segundo documentos aos quais a agência teve
acesso, esses interesses incluem investimentos em empresas com ativos de 275
milhões de euros (872,7 milhões de reais), uma participação indireta de 18% em
uma empresa de terras raras com 1,26 bilhões de euros em ativos (4,02 bilhões
de reais) e uma holding de 14,8 milhões de euros (46,97 milhões de reais) em
uma companhia acionária. Nenhum dos bens estava ligado a Xi, sua mulher – Peng
Liyuan– ou sua filha, nem havia indícios de que Xi tivesse atuado para
favorecer as operações de seus parentes ou que ele ou seus familiares tivessem
cometido algum delito.
Os documentos mostraram que a família tinha ao
menos sete propriedades em Hong Kong; entre elas, um chalé avaliado em 23,1
milhões de euros (73,3 milhões de reais. A maioria dos ativos da família era
propriedade da irmã mais velha de Xi Jinping, Qi Qiaoqiao; seu marido, Deng
Jiagui, e a filha de Qi, Zhang Yannan. Xi ascendeu a secretário-geral do PCC em
novembro de 2012 e a presidente da China em março de 2013.
Outra investigação, realizada pelo The New York
Times e publicada em outubro de 2012, revelou que familiares do
primeiro-ministro entre 2003 e 2013, Wen Jiabao, entre os quais sua mãe, filho,
filha, irmão mais velho e cunhado, ficaram “tremendamente ricos” durante o
tempo de Wen no poder. “Um exame dos registros empresariais e regulatórios
indica que os parentes do primeiro-ministro, entre os quais alguns com facilidade
para realizar negócios, incluindo sua mulher, controlavam ativos de 2,7 bilhões
de dólares (6,37 bilhões de reais)”, apontou o levantamento.
A informação sobre a família Wen foi compilada a
partir de registros existentes em corporações e órgãos regulatórios entre 1992
e 2012. Os investimentos abrangem desde o setor bancário a complexos
turísticos, telecomunicações, joalheria e projetos de infraestrutura. Os nomes
dos proprietários dos ativos foram com frequência ocultados mediante a
utilização de empresas offshore ou estruturas empresariais complexas. A maioria
da fortuna foi acumulada desde a nomeação de Wen para primeiro-ministro em
1988. O diário não encontrou nenhum grupo de empresas no nome do próprio Wen.
Os resultados do estudo, publicados três semanas
antes da renovação da cúpula do partido, com a chegada ao poder de Xi Jinping e
os outros seis membros do Comitê Permanente do Politburo (o órgão máximo de
poder), desatou a ira de Pequim e representou um duro golpe para a
credibilidade de Wen Jiabao, que havia cultivado com zelo durante seu mandato
uma imagem de homem austero, próximo ao povo e reformista, que lutava contra os
abusos e a corrupção dentro do partido.
Como publica hoje EL PAÍS, tanto familiares de Xi
como Wen recorreram a paraísos fiscais por meio de empresas criadas por eles
mesmos ou sua participação em outras já constituídas, segundo revelam os
arquivos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos
(ICIJ, em inglês). É o caso de Deng Jiagui – cunhado de Xi – e o filho e o
genro de Wen Jiabao –Wen Yusong e Liu Chunhang, respectivamente.
A nobreza vermelha e as elites empresariais se
enriqueceram e se beneficiaram de sua posição privilegiada, em meio ao
desencanto e o ressentimento de uma parte da população, que dá como certo que
eles obtiveram o êxito graças às suas boas conexões e relações, o que na China
é conhecido como guanxi.
A disparidade entre ricos e pobres no país asiático
está entre as maiores do mundo, algo que há alguns anos os líderes tentam
resolver, sem muito sucesso. Enquanto nas ruas das grandes cidades como Pequim
e Xangai há grande quantidade de carros esportivos Ferrari, Lamborghini e
Porsche, dirigidos por filhos de grandes empresários e danomenklatura, nas
zonas rurais ainda há muitos povoados sem água corrente, ruas asfaltadas e
saneamento básico.
Segundo a lista Hurun dos Mil Mais Ricos da China
em 2013, publicada em setembro passado pelo instituto de pesquisas de mesmo
nome, situado em Xangai, o número de bilionários em dólares passou de nenhum há
uma década a 64 em 2012 e a 315 em 2013. O mais rico nessa classificação,
elaborada pelo empresário britânico Rupert Hoogewerf, é o magnata do setor
imobiliário e de lazer Wang Jianlin, com uma fortuna estimada em 16,13 bilhões
de euros (51,19 bilhões de reais). Wang, de 59 anos, proprietário da companhia
Wanda, é dono do maior número de salas de cinema do mundo. A média de idade dos
10 mais ricos é de 52 anos. Dos integrantes da lista, 153 são membros da Assembleia
Popular Nacional ou de seu órgão consultivo.
Alguns dos potentados o são graças à corrupção. A
lista de empresários e políticos investigados nos últimos anos pelo que a
imprensa oficial chama eufemisticamente de “violação da disciplina do partido e
da lei” cresce sem parar. Entre outros, destacam-se os nomes de Bo Xilai,
ex-secretário do partido no município de Chongqing e ex-membro do Politburo, e
Liu Zhijun, ex-ministro de Ferrovias. A China figura em 80º. lugar entre os 177
países e territórios incluídos num ranking de percepção da corrupção feito pela
Transparência Internacional em 2013. Uma posição mais alta indica um setor
público mais limpo.
Muitos dos que enriqueceram durante o boom
econômico chinês levaram suas fortunas para fora do país. Funcionários
corruptos tiraram da China 124 bilhões de dólares (290,6 bilhões de reais)
procedentes de desfalques ou obtidos ilegalmente em um período de 15 anos,
segundo um relatório do banco central chinês publicado pelo Financial Times em
2011. Cerca de 17.000 membros do partido, funcionários judiciais e executivos
de empresas estatais abandonaram a China entre meados dos anos 1990 e 2008, ano
em que foi redigido o relatório. O estudo foi publicado em junho de 2011 no
site do departamento do BC chinês encarregado da luta contra a lavagem de
dinheiro, mas foi retirado rapidamente, depois que começou a causar reações de
protesto.
A nova geração de líderes, chegados ao poder no
congresso quinquenal do PCC em 2012, empreendeu uma cruzada contra a corrupção,
já que ela é vista como uma ameaça à sobrevivência do partido. Assim voltou a
recordar recentemente Xi Jinping. “Evitar que o Partido seja corrupto no governo
no longo prazo do país é uma missão política fundamental. E devemos fazê-lo de
forma correta”, disse ele na segunda-feira da semana passada durante uma
reunião da Comissão Central de Inspeção da Disciplina do PCC. Xi prometeu
tolerância zero com os subornos e disse que castigaria com dureza os
implicados. “Cada funcionário do PCC deve ter em mente que todas a mãos sujas
serão apanhadas.”
A imprensa oficial respaldou em cheio a campanha de
Xi. O Diário do Povo – órgão partidário oficial – publicou editoriais em que
advertia aos funcionários que “o culto ao ouro e às posses materiais” são uma
via para a ruína.
Pequim começará este ano realizando investigações
aleatórias sobre os ativos e outras informações pessoais que os funcionários
devem oferecer ao partido, e castigará aqueles que ocultarem bens, perante a
pressão pública para que haja maior transparência. As declarações não são
divulgadas ao público, e no passado a falta de supervisão praticamente reduziu
o sistema a uma mera formalidade.
A decisão de Deng Xiaoping e de seus mais chegados
de protegerem a supremacia do PCC os levou a colocar suas famílias à frente da
abertura e da reforma lançadas em 1978, o que resultou na concentração de
riquezas e poder nas mãos de alguns poucos. Na década de 1980, muitos desses
parentes foram escolhidos para dirigir os conglomerados estatais. O processo de
desenvolvimento teve início e tirou centenas de milhões de chineses da pobreza.
Mas com ele vieram também a corrupção e o enriquecimento desmesurado de uma
parte da população. A sociedade igualitária deixou de sê-la.