Meus
caros, muito elucidativo o texto que vai abaixo. É da lavra do economista e fundador
da organização não governamental Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Demonstra a lógica que permeia as ações governamentais, sempre ao largo dos
princípios do planejamento, glorificando-os sempre na oratória e no proselitismo
politiqueiro, mas, no dia a dia, tratando-os a açoites e pontapés, o tal “planejamento de puxadinhos”... Leiam e
me darão razão...
O sistema
penitenciário brasileiro é ineficiente e brutal. Condenados ou não, milhares de
presidiários são amontoados como detritos. Assim, sobrevivem se revezando para
dormir, seminus, doentes, sem água por dias a fio, em temperaturas de até 50
graus.
O Estado
omisso foi substituído por facções que comandam os complexos penitenciários.
Enquanto isso, parte da sociedade, indignada pela violência crescente, curte
silenciosa a vingança. Um eventual big brother venderia horrores, literalmente.
Nesse
ambiente, a frase rabiscada em um cárcere na Bahia parece ameaçadora: “Hoje
estou contido, amanhã estarei contigo.”
Os números
são impressionantes. O Brasil tem cerca de 550 mil presos, a quarta maior
população carcerária do mundo. Nesse G4 só ficamos atrás de Estados Unidos,
China e Rússia. No entanto, a capacidade máxima das 1.312 unidades prisionais
brasileiras é de aproximadamente 310 mil detentos, o que gera déficit de 240
mil vagas. Essa situação seria atenuada caso o Judiciário fosse mais ágil, pois
quase 40% dos detentos são presos provisórios, com processos não julgados. Por
outro lado, existem 500 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos.
A depender
das leis, teríamos, há muito tempo, presídios no padrão Fifa. Na Constituição
do Império (1824), embora fosse admitida a pena de morte, já havia disposições
que protegiam os presos de penas cruéis, torturas, açoites e marcas de ferro
quente, assim como determinações acerca do local do encarceramento que deveria
ser limpo, bem arejado, com separação dos réus de acordo com os crimes pelos
quais foram condenados. Pura balela.
Mais
recentemente, em 7 de janeiro de 1994, foi criado o Fundo Penitenciário
Nacional (Funpen), com a finalidade de proporcionar recursos e meios para
financiar programas de aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro.
Paradoxalmente, na véspera de o Fundo completar 20 anos, Ana Clara, uma menina
de 6 anos, morreu queimada no Maranhão, em incêndio deflagrado por ordem direta
de presidiários do Complexo de Pedrinhas.
No Funpen,
dinheiro não é problema. Como, por lei, 3% das loterias e 50% das custas
processuais destinam-se ao Fundo, desde a sua criação já foram amealhados cerca
de R$ 6,7 bilhões, em valores atualizados. No entanto, como esclarece relatório
do próprio Ministério da Justiça, “os repasses do fundo são classificados como
transferências voluntárias, ou seja, não decorrem de obrigação constitucional
ou legal e, dessa forma, suas dotações orçamentárias fazem parte da chamada
base contingenciável que o governo federal dispõe para obtenção do superávit
primário”.
Nos
últimos 13 anos, dos R$ 4,5 bilhões autorizados no orçamento da União, apenas
R$ 1,9 bilhão (41%) foi efetivamente desembolsado. Apesar de o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, ter dito, no final de 2012, que preferia morrer
a ficar preso, a execução do Funpen, no ano seguinte, sob a responsabilidade de
sua pasta, continuou pífia. Dos R$ 384,2 milhões autorizados, apenas R$ 73,6
milhões (19%) foram pagos, incluindo os restos a pagar.
Como o
dinheiro entra, mas não sai, cresce o caos no sistema penitenciário, enquanto o
saldo contábil do Funpen é atualmente de R$ 1,8 bilhão! A meu ver, cabe ao
Ministério Público ajuizar ação por crime de responsabilidade contra as
autoridades que determinam ou são coniventes com esse “contingenciamento” em
área tão crítica.
Enfim,
falta gestão! A conscientização dos cidadãos para que aceitem presídios
(seguros) em suas cidades, a maior integração entre os órgãos federais,
estaduais e municipais, a criação de um sistema integrado de segurança pública,
as formas de reinserção de ex-presidiários na sociedade, a implantação das
penas alternativas, o monitoramento eletrônico e a privatização de presídios
são temas consensuais que ainda não produziram resultados com repercussão
nacional. As crises não podem resultar somente em ameaças veladas de
intervenção, quando o estado é governado por adversários políticos, ou em
bajulação, quando administrado por aliados.
As cadeias
são, há muito tempo, as universidades do crime. A reincidência é de
aproximadamente 70%. Por isso, talvez seja difícil imaginar que a expressão
“hoje estou contido, amanhã estarei contigo” possa envolver emoção, sentimento
e significar um reencontro com a própria vida. Mas a frase é de um detento
recuperado prestes a deixar a penitenciária e expressa saudade e afetividade.
Afinal, diz o ditado, a única prisão paradisíaca é a paixão.