Deu no El País
Manifestantes no
Rio, em 2013. / RICARDO
MORAES (REUTERS)
As manifestações de junho do ano passado continuam
rendendo frutos, e a lei anticorrupção, que punirá empresas envolvidas em atos
ilícitos contra o poder público, é um deles. A nova legislação passa a valer
neste dia 29 e pretender ser mais uma ferramenta para estancar o dreno de
recursos que a corrupção representa no Brasil. Um estudo da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), elaborado em 2012, projetava que
entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) se perdiam entre ações corruptas
no país. Levando em conta o último PIB consolidado disponível, do ano de 2012,
que fechou em 4,4 trilhões de reais, isso equivale a, no mínimo, uma perda
nominal entre 61,7 bilhões reais e 101,2 bilhões de reais.
Legislação, aprovada na esteira das manifestações de junho, entra em vigor hoje com a figura de “pena de morte” a empresas que corrompem servidores públicos para obter benefícios
Não se sabe ao certo se esse número é próximo da
realidade, até porque é difícil captar atos ilícitos que estão em andamento
neste exato momento, nos subterrâneos do poder e das corporações. Mas,
independentemente dos valores envolvidos, a corrupção é uma praga que revolta
os brasileiros, que pagam impostos compulsoriamente, e não recebem seus
benefícios de volta. O quadro atual coloca o país na posição 72, entre 177
países no mundo, no Índice de
Percepção da Corrupção (Corruption Perception Index), de 2013,
elaborado pelo grupo Transparency International. A lei, inaugurada hoje, vai
punir empresas envolvidas em atos que venham a lesar o erário do Estado, em
todas as esferas, como suborno de funcionários do poder público.
Ou seja, com anos de atraso, o Brasil passa a punir
também as empresas que corrompem, e não só o agente corrupto. “Esta lei vem
fechar um quebra-cabeça fundamental”, afirma Pierpaolo Cruz Bottini,
professor-doutor de direito penal da Universidade de São Paulo. “Até agora as
punições estavam direcionadas à pessoa física. Processava-se o funcionário, o
dirigente público e a empresa ficava impune. Agora, ela será punida de forma
objetiva, não importa se sabia ou não das falcatruas em andamento. Se foi
beneficiada, ela será multada”, explica Bottini.
Inspirada nas regras já vigentes em países como os
Estados Unidos (com o Foreign Corruption Practice Act) e a Inglaterra (Bribery
Act), a nova legislação estabelece multas de que variam de 0,1% a 20% do
faturamento bruto da empresa processada, nunca abaixo da vantagem obtida, caso
esta seja auferida. Se não for possível levantar essa cifra, a previsão é de
aplicação de multa variável entre 6.000 reais e 60 milhões de reais. E no
limite, instaura a figura da “pena de morte” da pessoa jurídica, ou seja,
estabelece a possibilidade de dissolver uma empresa envolvida em delitos. “É
uma lei extremamente pertinente ”, celebra Leo Bottini, da Amarribo,
organização sem fins lucrativos de combate à corrupção.
Mais do que isso, passa a punir os agentes da
cadeia de valor de uma companhia. Se algum fornecedor estiver envolvido em
ações nebulosas, a sua contratante é alvo da lei. Assim, a atuação de
consultorias, despachantes, ou empresas fictícias criadas com o único fim de
obter vantagens financeiras torna-se evidência objetiva, passível de pena
severa. Esse aspecto da nova lei é elogiado pelo promotor Marcelo Mendroni, do
Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de
Dinheiro e de Recuperação de Ativos (Gedec), do Ministério Público de São
Paulo. “A lei vem preencher uma lacuna importante. As empresas fictícias são o
meio mais utilizado para a lavagem de dinheiro no Brasil”, diz o promotor, que
cuida do caso de formação de cartel de empresas fornecedoras de material para o
metrô de São Paulo, que inclui as multinacionais Siemens e Alstom.
O cartel do metrô no Estado paulista foi
denunciado, em delação premiada, pela própria Siemens no ano passado, revelando
supostos subornos a agentes públicos, e também a atuação de empresas
prestadoras de serviço que faziam a ponte entre a multinacional e funcionários
públicos. Também em São Paulo, está em curso uma investigação, levantada
pela Corregedoria Municipal, sobre a atuação de 30 construtoras suspeitas de
terem pago 29 milhões de reais em propinas para auditores fiscais da
Prefeitura de São Paulo, em troca de um desconto de 50% no valor total de um
imposto municipal.
Para José Ricardo Roriz Coelho, diretor do
Departamento de Competitividade e Tecnologia da a corrupção afeta negativamente
a atividade econômica e a competitividade do país como um todo. “Ela aumenta o
custo do investimento produtivo, prejudica a estabilidade do ambiente de
negócios, inibe os investimentos externos, diminui a arrecadação e altera a
composição dos gastos governamentais, além de distorcer a concorrência, e
abalar a confiança no Estado”, afirma. O estudo da Fiesp aponta que, no mínimo,
a corrupção equivale a 7,6% do investimento produtivo na economia, ou a
22,6% do gasto público em educação nas três esferas.
A nova legislação já movimenta o mundo corporativo
brasileiro, que vai procurar se adaptar às novas exigências. Para Pablo
Cesário, gerente-executivo da Confederação Nacional da Indústria, as empresas,
a partir de agora, devem adotar programas de combate à corrupção. Mas, Cesário
chama a atenção para um fato importante para onde a legislação precisa avançar.
“Compete ao Estado proteger empresas que denunciem atos de corrupção praticados
por agentes públicos, prevenindo eventuais retaliações”, diz Cesário. Ou seja,
as empresas devem ter espaço para denunciar um gestor público que venha a
solicitar dinheiro em troca de alguma autorização ou licença que compete ao
poder público liberar para a companhia.
No Brasil, várias empresas que tentaram denunciar
achaques de funcionários públicos, inclusive na mídia, passaram a ser
“perseguidas” por fiscalizações exageradas. Além disso, a falta de punição
frustrava empresários, que preferiam aceitar o pedido de suborno a atrasar projetos
em andamento por falta de algum documento. Uma pesquisa sobre corrupção revela
que só 50% das empresas no país acreditam que denunciar pedidos de propina de
funcionários públicos surtem efetivamente efeito.
O promotor Marcelo Mendroni também sublinha a necessidade
de fortalecer o próprio corpo da Justiça e o treinamento de seus funcionários
lei para que ela possa ser aplicada. “As três engrenagens precisam funcionar
juntas: legislação, estrutura e treinamento”, diz. Cabe também à sociedade o
papel de cobrar a sua execuação, avalia o cientista político Wagner Pralon.
“Muitas vezes a vontade popular coloca alguns itens, como este, na pauta, mas é
preciso manter a antenas ligadas”, afirma. Em outras palavras, a nova lei
anticorrupção é um passo muito importante, mas é só o começo de um caminho
longo pela frente.
Não se sabe ao certo se esse número é próximo da
realidade, até porque é difícil captar atos ilícitos que estão em andamento
neste exato momento, nos subterrâneos do poder e das corporações. Mas,
independentemente dos valores envolvidos, a corrupção é uma praga que revolta
os brasileiros, que pagam impostos compulsoriamente, e não recebem seus
benefícios de volta. O quadro atual coloca o país na posição 72, entre 177
países no mundo, no Índice de
Percepção da Corrupção (Corruption Perception Index), de 2013,
elaborado pelo grupo Transparency International. A lei, inaugurada hoje, vai
punir empresas envolvidas em atos que venham a lesar o erário do Estado, em
todas as esferas, como suborno de funcionários do poder público.