O procurador-chefe da Lava Jato do Peru, Rafael Vela, afirma que grupos econômicos usam o Congresso e a imprensa para tentar minar as investigações e, como aqui, blindar os beneficiados pela impunidade
Aos 47 anos, o procurador-chefe da Lava
Jato do Peru, Rafael Vela, faz viagens constantes ao Brasil. Neste mês e no
próximo, ele passará por Curitiba e São Paulo para colher depoimentos e
analisar provas. “A Justiça brasileira tem nos dado uma ajuda notável”, diz.
Segundo Vela, essa solidariedade com os peruanos decorre de uma identificação.
Ao observar o trabalho dos
promotores peruanos, os brasileiros constataram que eles passavam pelos mesmos
problemas e se solidarizaram. “Essa aproximação gerou uma resposta, que foi a
de facilitar o nosso trabalho,
evitando as burocracias desnecessárias.”
Por seu trabalho contra a corrupção, Vela às vezes é chamado de “Moro peruano”, em referência ao ex-juiz e hoje ministro da Justiça brasileiro, Sergio Moro. Vela diz não ter problema algum com isso, mas faz uma pequena correção: “Eu sou procurador-chefe da força-especial, não sou juiz. Não integro o poder judicial da mesma maneira que Moro fazia”.
Em entrevista a Crusoé, Vela ressalta a importância do apoio popular à Lava Jato, para conter a ação de grupos econômicos que, diz, usam o Congresso e a imprensa do seu país com o objetivo de minar o trabalho da Operação. Também defende a necessidade de reforçar os quadros dos órgãos de investigação, a fim de enfrentar os melhores advogados do Peru. “Esses círculos econômicos podem fazer uso de tudo o que o dinheiro pode comprar”, afirma. Eis os principais trechos.
De onde partem os ataques mais intensos contra a Lava Jato do Peru?
Temos enfrentado resistência não apenas da política, que é algo mais visível e emblemático, mas principalmente dos setores econômicos. No Peru, a Lava Jato entrou em confronto especialmente com o grupo das maiores construtoras do país, que estavam envolvidas em crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Esses círculos econômicos podem fazer uso de tudo o que o dinheiro pode comprar. Eles tentam permanentemente minar as bases do nosso trabalho.
Como esses setores econômicos atuam?
Eles têm meios de contratar os melhores advogados. Também usam de mecanismos de pressão, como condutas processuais maliciosas. Por dedução lógica, podemos entender que o Congresso estava aliado a esses grupos. Eles estavam trabalhando para impedir que chegássemos à verdade usando nossas ferramentas legais. Uma das mais importantes de que dispomos é a delação premiada. Os grupos econômicos têm feito campanhas agressivas na mídia contra o uso da delação premiada. Alguns meios de comunicação nos atacam permanentemente. Eles mentem e, em muitos casos, distorcem informação. Enfrentamos aquilo que o dinheiro pode pagar.
O senhor teve mensagens de celulares roubadas por hackers ou algo assim?
Que eu saiba, não. Mas é bem possível que nós estejamos sendo submetidos a alguma ameaça dessa natureza. Quando estivemos no Brasil para colher alguns depoimentos, fomos perseguidos. Tiraram fotos nossas e depois as divulgaram. Não sei dizer se também há pessoas utilizando práticas ilegais como as que foram usadas no Brasil, como a ação de hackers.
É muito difícil enfrentar os melhores advogados do Peru?
O fator humano é preponderante em nosso trabalho. Nossos promotores precisam estar à altura de advogados muito competentes. É por isso que damos muita atenção ao recrutamento. Temos de enfrentar os grandes e nem todos têm essa disposição. Reconheço e saúdo os promotores da nossa força-tarefa. Eles sempre foram muito profissionais e estão correspondendo às expectativas. Efetivamente, nosso grupo precisa ser reforçado. A atual procuradora-geral, Zoraida Ávalos, tem nos apoiado. Mas essas coisas dependem do Executivo. Só uma parte do orçamento que pedimos foi aprovada.
No Brasil, o Supremo decidiu contra a prisão após condenação em segunda instância, o que afetou o trabalho da Lava Jato. Há algo parecido em curso no Peru?
No Peru, temos o Tribunal Constitucional (TC), que seria o equivalente ao Supremo Tribunal Federal do Brasil. Em algumas decisões polêmicas, o TC acabou se convertendo em uma instância paralela ao Judiciário. A prisão preventiva do ex-presidente Ollanta Humala e de sua esposa, Nadine Heredia, foi confirmada nas três instâncias do nosso Judiciário. No entanto, o Tribunal Constitucional ordenou a libertação do casal em uma decisão muito polêmica, por 4 votos a 3.
Há ingerência política no Tribunal Constitucional?
O TC tem a decisão final em tudo o que tem a ver com a Lava Jato. No começo deste ano, muitos analistas no Peru entenderam que os congressistas estavam tentando colocar pessoas próximas a eles no tribunal. Queriam fazer isso porque estavam sendo submetidos a investigações. Com conhecidos no TC, poderiam se beneficiar com interpretações favoráveis das decisões ou das leis.
A dissolução do Congresso do Peru pelo presidente Martín Vizcarra no final de setembro ajudou a Lava Jato?
É fato que o Congresso da República se intrometia permanentemente em nosso trabalho. Com a dissolução, isso acabou. O fim dessas intromissões favoreceu a atmosfera da legalidade. Eliminou-se um fator de desequilíbrio, pois o Congresso estava sempre tentando solapar as bases do nosso trabalho.
Os resultados da Lava Jato no Peru e Brasil são muito distintos?
Mantemos relações excelentes com a Justiça brasileira. A Lava Jato do Brasil é um espelho no qual sempre nos miramos para podermos nos aperfeiçoar. Ela acumulou muita experiência em todas as fases. Além disso, a Justiça brasileira tem nos dado uma ajuda notável. Entre outras coisas, os brasileiros nos têm auxiliado a ter acesso a provas. Somos muito agradecidos, especialmente à força-tarefa de Curitiba e ao procurador Orlando Martello (um dos integrantes do grupo). Eles têm trabalhado para que os procedimentos de cooperação internacional sejam menos burocráticos. Pelas estatísticas do Brasil, o Peru é o país que mais solicitou pedidos de cooperação internacional no caso da Lava Jato. Fomos o primeiro país estrangeiro a tomar um depoimento de Marcelo Odebrecht. Foi um marco para nós, porque depois disso continuamos com outros pedidos de cooperação. O Brasil tem nos uma demonstração de solidariedade, e respeitamos muito isso.
Por que a Justiça brasileira tem sido tão generosa com os órgãos peruanos?
Os integrantes da Justiça brasileira passaram por muitas dificuldades ao longo dos anos. Ao olharem para o nosso trabalho no Peru, eles perceberam que os nossos obstáculos são parecidos. Em alguma medida, eles se identificaram conosco. Essa aproximação gerou uma resposta, que foi a de facilitar o nosso trabalho, evitando as burocracias desnecessárias. Isso nos tem permitido avançar notavelmente.
No fim do ano passado, o então procurador-geral, Pedro Chávarry, tentou afastar o sr. e o promotor de combate à lavagem de dinheiro, José Domingo Pérez. O risco ainda existe?
Sempre existe esse risco. Uma investigação judicial foi aberta sobre a conduta de Pedro Chávarry. A intenção dele com aquela decisão no dia 31 de dezembro era frustrar um acordo de delação premiada com a Odebrecht. Ele queria cancelar uma série de depoimentos importantíssimos que estavam marcados para o mês de janeiro em São Paulo e Curitiba. Mas o problema é que Chávarry continua em suas funções, apesar de não ser mais o procurador-geral (Chávarry renunciou em janeiro). Ele não foi objeto de nenhuma suspensão e ainda mantém poderes jurídicos. Em agosto, Chávarry pediu novamente, com outros procuradores, que nós fôssemos removidos dos nossos cargos. É uma ameaça permanente. Ele pode ainda usar outros recursos, como medidas disciplinares, para atingir o seu propósito. Nós pedimos para que ele fosse imediatamente suspenso, mas ainda não tivemos resposta.
Que mudanças a Lava Jato provocou no Peru?
Foi dada uma mensagem clara de que não há mais pessoas intocáveis, seja na política, no empresariado ou na sociedade em geral. Todos sabem que as investigações podem alcançar qualquer um. No Peru, posso dizer claramente que investigamos políticos de esquerda, de centro e de direita, sem exceção. Nosso trabalho não tem qualquer viés. Os empresários que participaram de crimes também estão respondendo à Justiça. Funcionários públicos tiveram de mudar de conduta. Eles sabem que precisam tomar muito mais cuidado em suas atividades. A responsabilidade aumentou nas contratações públicas.
Qual tem sido o papel das manifestações populares para garantir o trabalho da Lava Jato no Peru?
Ao interessar-se pelas nossas investigações, pelas matérias da imprensa investigativa, a sociedade teve um papel fundamental. Essa vigilância cidadã permitiu efetivamente evitar o abuso do poder por meio do dinheiro e das conexões políticas ou pessoais. Nossa equipe só conseguiu equilibrar a situação porque contou com muita legitimidade social, com aprovação popular. Esse apoio foi o que permitiu preservar os critérios da legalidade que estavam sendo ameaçados pelo abuso de poder das posições dominantes. A Lava Jato afetou políticos, grupos econômicos e pessoas com notoriedade. Eles tentaram buscar um tratamento diferente, que lhes garantisse a impunidade. A legitimidade social que ganhamos nos permitiu evitar isso.
Por seu trabalho contra a corrupção, Vela às vezes é chamado de “Moro peruano”, em referência ao ex-juiz e hoje ministro da Justiça brasileiro, Sergio Moro. Vela diz não ter problema algum com isso, mas faz uma pequena correção: “Eu sou procurador-chefe da força-especial, não sou juiz. Não integro o poder judicial da mesma maneira que Moro fazia”.
Em entrevista a Crusoé, Vela ressalta a importância do apoio popular à Lava Jato, para conter a ação de grupos econômicos que, diz, usam o Congresso e a imprensa do seu país com o objetivo de minar o trabalho da Operação. Também defende a necessidade de reforçar os quadros dos órgãos de investigação, a fim de enfrentar os melhores advogados do Peru. “Esses círculos econômicos podem fazer uso de tudo o que o dinheiro pode comprar”, afirma. Eis os principais trechos.
De onde partem os ataques mais intensos contra a Lava Jato do Peru?
Temos enfrentado resistência não apenas da política, que é algo mais visível e emblemático, mas principalmente dos setores econômicos. No Peru, a Lava Jato entrou em confronto especialmente com o grupo das maiores construtoras do país, que estavam envolvidas em crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Esses círculos econômicos podem fazer uso de tudo o que o dinheiro pode comprar. Eles tentam permanentemente minar as bases do nosso trabalho.
Como esses setores econômicos atuam?
Eles têm meios de contratar os melhores advogados. Também usam de mecanismos de pressão, como condutas processuais maliciosas. Por dedução lógica, podemos entender que o Congresso estava aliado a esses grupos. Eles estavam trabalhando para impedir que chegássemos à verdade usando nossas ferramentas legais. Uma das mais importantes de que dispomos é a delação premiada. Os grupos econômicos têm feito campanhas agressivas na mídia contra o uso da delação premiada. Alguns meios de comunicação nos atacam permanentemente. Eles mentem e, em muitos casos, distorcem informação. Enfrentamos aquilo que o dinheiro pode pagar.
O senhor teve mensagens de celulares roubadas por hackers ou algo assim?
Que eu saiba, não. Mas é bem possível que nós estejamos sendo submetidos a alguma ameaça dessa natureza. Quando estivemos no Brasil para colher alguns depoimentos, fomos perseguidos. Tiraram fotos nossas e depois as divulgaram. Não sei dizer se também há pessoas utilizando práticas ilegais como as que foram usadas no Brasil, como a ação de hackers.
É muito difícil enfrentar os melhores advogados do Peru?
O fator humano é preponderante em nosso trabalho. Nossos promotores precisam estar à altura de advogados muito competentes. É por isso que damos muita atenção ao recrutamento. Temos de enfrentar os grandes e nem todos têm essa disposição. Reconheço e saúdo os promotores da nossa força-tarefa. Eles sempre foram muito profissionais e estão correspondendo às expectativas. Efetivamente, nosso grupo precisa ser reforçado. A atual procuradora-geral, Zoraida Ávalos, tem nos apoiado. Mas essas coisas dependem do Executivo. Só uma parte do orçamento que pedimos foi aprovada.
No Brasil, o Supremo decidiu contra a prisão após condenação em segunda instância, o que afetou o trabalho da Lava Jato. Há algo parecido em curso no Peru?
No Peru, temos o Tribunal Constitucional (TC), que seria o equivalente ao Supremo Tribunal Federal do Brasil. Em algumas decisões polêmicas, o TC acabou se convertendo em uma instância paralela ao Judiciário. A prisão preventiva do ex-presidente Ollanta Humala e de sua esposa, Nadine Heredia, foi confirmada nas três instâncias do nosso Judiciário. No entanto, o Tribunal Constitucional ordenou a libertação do casal em uma decisão muito polêmica, por 4 votos a 3.
Há ingerência política no Tribunal Constitucional?
O TC tem a decisão final em tudo o que tem a ver com a Lava Jato. No começo deste ano, muitos analistas no Peru entenderam que os congressistas estavam tentando colocar pessoas próximas a eles no tribunal. Queriam fazer isso porque estavam sendo submetidos a investigações. Com conhecidos no TC, poderiam se beneficiar com interpretações favoráveis das decisões ou das leis.
A dissolução do Congresso do Peru pelo presidente Martín Vizcarra no final de setembro ajudou a Lava Jato?
É fato que o Congresso da República se intrometia permanentemente em nosso trabalho. Com a dissolução, isso acabou. O fim dessas intromissões favoreceu a atmosfera da legalidade. Eliminou-se um fator de desequilíbrio, pois o Congresso estava sempre tentando solapar as bases do nosso trabalho.
Os resultados da Lava Jato no Peru e Brasil são muito distintos?
Mantemos relações excelentes com a Justiça brasileira. A Lava Jato do Brasil é um espelho no qual sempre nos miramos para podermos nos aperfeiçoar. Ela acumulou muita experiência em todas as fases. Além disso, a Justiça brasileira tem nos dado uma ajuda notável. Entre outras coisas, os brasileiros nos têm auxiliado a ter acesso a provas. Somos muito agradecidos, especialmente à força-tarefa de Curitiba e ao procurador Orlando Martello (um dos integrantes do grupo). Eles têm trabalhado para que os procedimentos de cooperação internacional sejam menos burocráticos. Pelas estatísticas do Brasil, o Peru é o país que mais solicitou pedidos de cooperação internacional no caso da Lava Jato. Fomos o primeiro país estrangeiro a tomar um depoimento de Marcelo Odebrecht. Foi um marco para nós, porque depois disso continuamos com outros pedidos de cooperação. O Brasil tem nos uma demonstração de solidariedade, e respeitamos muito isso.
Por que a Justiça brasileira tem sido tão generosa com os órgãos peruanos?
Os integrantes da Justiça brasileira passaram por muitas dificuldades ao longo dos anos. Ao olharem para o nosso trabalho no Peru, eles perceberam que os nossos obstáculos são parecidos. Em alguma medida, eles se identificaram conosco. Essa aproximação gerou uma resposta, que foi a de facilitar o nosso trabalho, evitando as burocracias desnecessárias. Isso nos tem permitido avançar notavelmente.
No fim do ano passado, o então procurador-geral, Pedro Chávarry, tentou afastar o sr. e o promotor de combate à lavagem de dinheiro, José Domingo Pérez. O risco ainda existe?
Sempre existe esse risco. Uma investigação judicial foi aberta sobre a conduta de Pedro Chávarry. A intenção dele com aquela decisão no dia 31 de dezembro era frustrar um acordo de delação premiada com a Odebrecht. Ele queria cancelar uma série de depoimentos importantíssimos que estavam marcados para o mês de janeiro em São Paulo e Curitiba. Mas o problema é que Chávarry continua em suas funções, apesar de não ser mais o procurador-geral (Chávarry renunciou em janeiro). Ele não foi objeto de nenhuma suspensão e ainda mantém poderes jurídicos. Em agosto, Chávarry pediu novamente, com outros procuradores, que nós fôssemos removidos dos nossos cargos. É uma ameaça permanente. Ele pode ainda usar outros recursos, como medidas disciplinares, para atingir o seu propósito. Nós pedimos para que ele fosse imediatamente suspenso, mas ainda não tivemos resposta.
Que mudanças a Lava Jato provocou no Peru?
Foi dada uma mensagem clara de que não há mais pessoas intocáveis, seja na política, no empresariado ou na sociedade em geral. Todos sabem que as investigações podem alcançar qualquer um. No Peru, posso dizer claramente que investigamos políticos de esquerda, de centro e de direita, sem exceção. Nosso trabalho não tem qualquer viés. Os empresários que participaram de crimes também estão respondendo à Justiça. Funcionários públicos tiveram de mudar de conduta. Eles sabem que precisam tomar muito mais cuidado em suas atividades. A responsabilidade aumentou nas contratações públicas.
Qual tem sido o papel das manifestações populares para garantir o trabalho da Lava Jato no Peru?
Ao interessar-se pelas nossas investigações, pelas matérias da imprensa investigativa, a sociedade teve um papel fundamental. Essa vigilância cidadã permitiu efetivamente evitar o abuso do poder por meio do dinheiro e das conexões políticas ou pessoais. Nossa equipe só conseguiu equilibrar a situação porque contou com muita legitimidade social, com aprovação popular. Esse apoio foi o que permitiu preservar os critérios da legalidade que estavam sendo ameaçados pelo abuso de poder das posições dominantes. A Lava Jato afetou políticos, grupos econômicos e pessoas com notoriedade. Eles tentaram buscar um tratamento diferente, que lhes garantisse a impunidade. A legitimidade social que ganhamos nos permitiu evitar isso.
Por DUDA TEIXEIRA, na revista Crusoé
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