quinta-feira, 28 de novembro de 2019

CONCORDAMOS EM DISCORDAR - O’NEILL × ABDENUR


O economista britânico criador do termo Bric e um diplomata brasileiro discordam sobre a importância do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que teve seu encontro mais recente em Brasília

JIM O’NEILL , 62 anos, britânico

O que faz e o que fez: vice-presidente da Northern Powerhouse Partnership (iniciativa de contribuição do norte da Inglaterra à economia do Reino Unido). Foi economista-chefe do banco Goldman Sachs e cunhou a sigla Bric em referência às economias de Brasil, Rússia, Índia e China, antes da entrada da África do Sul

ROBERTO ABDENUR , 77 anos, fluminense

O que faz e o que fez: conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Diplomata, foi embaixador nos Estados Unidos e em outros países e secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores. Formado em Direito, é mestre em economia pela London School of Economics (LSE)

A XI Cúpula do Brics foi realizada em Brasília no começo de novembro. As decisões tomadas podem ser consideradas importantes?

JIM O’NEILL Não fui capaz de verificar na reunião ou na Declaração de Brasília ( documento final da cúpula do grupo ) qualquer coisa realmente importante. Existiu ali apenas o simbolismo dos líderes reunidos, se encontrando. Gostaria que eles fossem mais sérios na busca por metas ( que envolvessem todo o grupo ).

ROBERTO ABDENUR No início, eu era cético quanto à viabilidade de um grupo tão heterogêneo, mas depois vi as coisas evoluindo e fazendo sentido. São países que ocupam uma posição central em suas regiões e compartilham uma visão reformista do mundo. No início do governo, o chanceler Ernesto Araújo anunciou pressupostos de uma política externa com substrato religioso, crente de que parte do Ocidente está em decadência e que a Europa se perdeu, restando apenas os Estados Unidos — sob a liderança de Donald Trump — como resistência. Nesse processo do Brics, fomos levados de roldão pelos demais países do grupo. Notei, com certo prazer, que tivemos de nos curvar à realidade. O enaltecimento ao multilateralismo pode ser entendido como uma indireta a Trump. China e Rússia reiteraram a importância de Brasil, Índia e África do Sul aspirarem a papéis mais relevantes na ONU. Subscrevemos o forte compromisso com o Acordo de Paris. Agora, tenho dúvidas sobre até que ponto o Brasil atuará conforme o que foi definido ali ou se novamente recuará para posturas ideológicas antagônicas à ONU e ao Acordo de Paris.

Os investimentos chineses no Brasil são influenciados por essas cúpulas ou seriam feitos de qualquer maneira?

JO Creio que os investimentos seriam realizados de qualquer maneira, não são influenciados pelas cúpulas do Brics.

RA Isso aconteceria como um desdobramento natural da guinada que o governo Bolsonaro deu em relação à China. Passamos de uma relação esfriada, durante a campanha eleitoral e no início do governo, para uma posição de enfático apreço e importância à relação entre os países. Foi auspicioso terem ocorrido dois encontros entre os presidentes ( brasileiro e chinês ), em Pequim e no Brasil, em um período curto, de três ou quatro semanas. Isso aconteceu por causa da cúpula. Creio que o interesse da China pelo Brasil seguirá muito forte.

Quais foram as maiores realizações do Brics desde a primeira reunião, em 2009?

JO Estou fazendo um grande esforço para tentar identificar alguma coisa. A própria ideia de montar o grupo e o estabelecimento de um banco do Brics podem ter sido as únicas conquistas realizadas. Ao mesmo tempo, até este ponto, não é possível dizer que os países do Brics tenham de fato se beneficiado de seu banco de desenvolvimento.

RA A criação do Novo Banco de Desenvolvimento ( NBC ) é um resultado palpável e concreto, mesmo que ele ainda busque se expandir e atrair outros países. Não é um banco a questionar o papel do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento ( BID ). O NBC tem apenas cinco anos e ainda está em formação. Isso significa que, em médio e longo prazo, haverá maior disponibilidade para obras. Creio se tratar, sobretudo, de uma fonte de recursos com o potencial de atender o Brasil nas áreas de infraestrutura e energia, algo de grande interesse para o país.

A ideia de que os países emergentes seriam motores do crescimento mundial ainda é válida hoje?

JO Qualquer iniciativa que envolva a China estará no centro da economia mundial. A participação do Brics no Produto Interno Bruto ( PIB ) global gira hoje em torno de 25% do total, em comparação a 7% em 2001. Esses países são a principal força motora do crescimento mais forte da economia mundial desde os anos 1990. Isso se deve principalmente à China, mas também, em menor grau, à Índia. Ainda assim, não está claro se a reunião de líderes do Brics, além de criar um clube político, influenciou seus caminhos de crescimento, sejam eles individuais ou coletivos.

RA Atualmente, o Brics responde por cerca de um terço da economia mundial. Os motores disso são China e Índia, com crescimento muito acima do resto do mundo, mesmo que atualmente ambos estejam sofrendo certa desaceleração. Apesar de todos os seus problemas, o Brasil ainda é uma das dez maiores economias do mundo e tem ainda grande potencial de crescimento e aceleração. Portanto, ainda acho válida a ideia, mesmo que exista uma diferença substancial de desempenho entre os países na atualidade e no curto prazo. Isso tende a ser superado.

Por Thiago Herdy, na Revista Época



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