quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A dificuldade para crescer


A última década não foi nada fácil para a Motorola. A fabricante americana pioneira na telefonia celular teve cinco presidentes e trocou de mãos duas vezes: foi vendida ao Google em 2011 e, depois, à chinesa Lenovo em 2014. A competição acirrada com a Apple, com a sul-coreana Samsung e com as novatas chinesas Huawei e Xiaomi só complicou o cenário, e a Motorola teve uma sequência de resultados negativos.

Foi nesse ambiente que o brasileiro Sergio Buniac assumiu a presidência global da Motorola em abril de 2018, em busca de uma virada. Buniac, que está na empresa desde 1996, cortou custos, reduziu o intervalo de lançamento de smartphones e focou seus maiores mercados: a América do Norte, a Europa Ocidental e, principalmente, a América Latina, onde a Motorola é a segunda maior fabricante, atrás da Samsung.

A estratégia deu certo. No ano fiscal de 2019, encerrado em março, a Motorola teve o primeiro lucro anual em dez anos, e os números têm sido positivos desde então. Em entrevista a EXAME, Buniac conta como a experiência no Brasil ajudou a Motorola a prosperar mundo afora.

A Motorola foi comprada pelo Google em 2011 e vendida à Lenovo em 2014. Como isso afetou a empresa?

O Google nos deu uma forte cultura de mercado de consumo. Antes, nosso foco estava em clientes comerciais. Já a Lenovo trouxe a força da cadeia de fornecimento, por ser uma companhia global, algo que nos dá um potencial ilimitado.

Por que o lucro virou raridade na Motorola na última década?

Os anos sem lucro deixaram um sentimento de frustração entre os funcionários. Por mais que cortássemos custos, não conseguíamos bons resultados. A estrutura de custo nunca era reduzida. Se diminuíamos o gasto em pesquisa, aumentávamos em marketing. Desse modo, as perdas se perpetuaram.

Como a empresa fez a virada para a lucratividade?

Alinhamos os custos com nossa expectativa de lucratividade. Mudamos processos, reduzimos nossa presença em países nos quais não éramos lucrativos e diminuímos o número de produtos e componentes. Fora isso, nos voltamos para o desejo do consumidor, fazendo muitas pesquisas de opinião. Nos negócios, focamos regiões como América Latina, Estados Unidos e Europa Ocidental. Fomos cautelosos em mercados emergentes. Com isso, melhoramos trimestre a trimestre.

Foi preciso mudar a estratégia de produtos da Motorola?

Sim. Antes, tínhamos as linhas Moto E, Moto G, Moto X e Moto Z, que ganhavam novos modelos perto de datas tradicionais de vendas. No último ano, criamos o Motorola One e aceleramos o ritmo de lançamentos. Na segunda geração dele, sete meses depois, usamos um processador da Samsung pela primeira vez. Três meses depois, o terceiro modelo chegou com uma câmera de ação.

Em setembro, já lançamos um celular com zoom óptico. E vamos lançar mais produtos até o fim do ano, seguindo o ritmo acelerado de inovação do setor. Em 18 meses, a empresa reduziu 35% do tempo entre um projeto inicial e o lançamento do produto.

O senhor é o primeiro brasileiro a liderar uma empresa de celulares no mundo. Como avalia isso?

Estou na empresa há muito tempo. Quando liderei a operação da Motorola na América Latina, de 2012 em diante, a região virou uma das mais rentáveis. A ideia da Lenovo foi levar a mentalidade de lucro para o nível global.

A experiência no mercado brasileiro também ajudou?

Sim. O Brasil é um mercado difícil. Quem vence aqui está pronto para encarar 95% dos demais países do mundo. O país sempre esteve entre os três maiores mercados, tanto em volume quanto em faturamento.

A Samsung lidera o mercado brasileiro de celulares. A Motorola almeja o topo?

Nossa meta não é aumentar a participação de mercado. Se isso acontecer, será uma consequência do trabalho para aumentar a satisfação dos clientes. Estamos há cinco anos em segundo lugar em número de vendas no Brasil e temos crescido anualmente, com calma e estabilidade.

Qual foi o maior caso de sucesso recente da Motorola?

Foi a linha Moto G. Desde 2013, vendemos 40 milhões de unidades só no Brasil. Mas a família de produtos que mais cresce agora é a Motorola One.

Qual é sua expectativa para o mercado global de celulares?

O mercado se retrai agora pela primeira vez, e isso é natural. O setor cresceu muito em pouco tempo. Embora mais lento, o mercado deve voltar a crescer. Minha expectativa para 2019 é levemente positiva.

A conexão 5G ajudará o setor?

O impacto vai variar de país para país. Mas não vejo a retomada do crescimento global ligada a essa tecnologia.

Como enfrentar as chinesas Huawei e Xiaomi, que crescem a ritmo acelerado desde o ano passado?

Apesar de ser chinesa, a Lenovo é uma empresa global, presente em 137 países. Não estamos focados na concorrência.

O que esperar da Motorola além de smartphones?

Temos alguns projetos piloto, como um televisor com sistema operacional Android que lançamos na Índia. Estudamos outras categorias, mas mantemos o foco primário no smartphone.

O que fazer para que a empresa se mantenha lucrativa nos próximos anos?

Não posso dar detalhes. Mas o que já anunciamos, no passado, é que o objetivo era ter lucro por quatro ou seis trimestres e, depois disso, voltar a crescer, entrar em novos mercados e continuar a inovar.

Por Lucas Agrela, na Revista Exame



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