Algumas universidades passaram a oferecer cursos
que questionam a legitimidade do impeachment, em 2016, da então presidente da
República, Dilma Rousseff. O assunto segue no noticiário na forma de matérias e
artigos de opinião. Recentemente, chamou-me a atenção uma reportagem no site de
O Globo (24/4) intitulada UFRJ oferece curso sobre 'o golpe de 2016 e o
futuro da democracia'. UFRJ é a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A matéria traz um bom histórico do assunto. Em
resumo, ele começou em fevereiro, quando a Universidade de Brasília (UnB)
anunciou a criação de disciplina sobre "o golpe de 2016 e o futuro da
democracia no Brasil". Na sequência, o Ministério da Educação acionou
vários órgãos, entre eles a Advocacia-Geral da União e o Ministério Público
Federal (MPF), para apurar eventual improbidade administrativa dos responsáveis
pela disciplina.
Entendo que tal improbidade estaria na criação de
um curso cujo título evidencia proselitismo político, numa universidade pública
e com seus recursos. A iniciativa da UnB foi replicada noutras universidades,
as estaduais de Campinas (SP) e da Paraíba, e as federais da Bahia, do
Amazonas, de Goiás e do Ceará. Estes dois últimos casos também passaram a
receber atenção do MPF.
Na UFRJ o curso, com título que repete o da UnB,
surgiu no seu Instituto de Economia (IE), na forma de 11 seminários sobre o
assunto em dias diferentes, todos ministrados por professores do instituto,
exceto um. Pela primeira vez vi um instituto de economia tomando iniciativa
semelhante à da UnB, o que me despertou interesse ainda maior, e formei minha
opinião.
Entendo que o ambiente universitário deve pautar-se
pelo pluralismo de opiniões, o que também atua como estímulo à busca do
conhecimento. Nada teria contra debates, disciplinas, cursos e programas de
seminários sobre o impeachment de Dilma desde que respeitado esse pluralismo. O
título de um deles poderia ser, por exemplo, "O impeachment de Dilma foi
golpe?". Esse ponto de interrogação vem sendo omitido, o que é um golpe contra
o pluralismo que deve pautar as discussões nas universidades.
"Certezas" desse tipo são comuns em
universidades brasileiras, em particular nas públicas e nas ciências humanas.
Há professores que ao lecionar pregam suas convicções ideológicas, tratando
suas hipóteses como teses. E na pesquisa focam em evidências seletivas que
sustentam tais hipóteses, havendo também "evidências" apenas
discursivas. Vertente importante dessa pregação é conhecida como marxismo
gramsciano. Não tenho espaço para descrevê-la aqui, mas quanto a isso o leitor
poderá consultar texto muito esclarecedor de outro articulista desta página,
Ricardo Vélez Rodríguez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, em
www.ecsbdefesa.com.br/fts/MGPFIREP.PDF.
Diante do tema - e insisto, com ponto de interrogação
- minha resposta seria não, fundamentada na análise dos fatos que sustentaram o
impeachment e na pertinência do processo jurídico então seguido. Como
economista, observei muito as questões de finanças públicas envolvidas no caso.
Estão muito bem esclarecidas no parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG),
documento que sustentou a decisão do Senado que afastou Dilma. Anastasia
discutiu argumentos pró e contra no processo de que era o relator e o texto
pode ser encontrado no Google digitando "impeachment Dilma parecer do
senador Anastasia". A referência que virá em primeiro lugar remete ao site
do Senado, que dá acesso ao documento, de 126 páginas. Sua leitura pode servir
como terapia para quem fala em golpe.
Em resumo, o parecer conclui pela demissão de Dilma
pelas seguintes e justas causas: "a) ofensa aos art. 85, VI e art. 167, V
da Constituição Federal, e aos art. 10, item 4, e art. 11, item 2 da Lei no
1.079, de 1950 (a chamada Lei do Impeachment, acrescento), pela abertura de
créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional; e b) ofensa aos
art. 85, VI e art. 11, item 3 da Lei nº 1.079, de 1950, pela contratação ilegal
de operações de crédito com instituição financeira controlada pela União".
Essas operações de crédito envolveram várias
instituições, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, e ficaram
conhecidas como pedaladas fiscais. O parecer contém vários gráficos mostrando
que no governo Dilma elas cresceram abruptamente nessas instituições. Da mesma
forma caíram em dezembro de 2015, quando expressivo valor delas, R$ 56 bilhões
(!), foi quitado pelo Tesouro Nacional, mas só depois de o Tribunal de Contas
da União apontar que eram ilegais.
Uma decisão do Senado é sempre política, mas o
impeachment seria improvável se Dilma não estivesse na situação vulnerável em
que ficou por seus próprios atos. Punida por questões de finanças públicas
federais, entrou na história pelo golpe com que prostrou o equilíbrio dessas
finanças.
Voltando ao IE da UFRJ, ao buscar seu site no
Google, ele é informado seguido da missão desse instituto: "O IE-UFRJ
desenvolve atividades de ensino de graduação e pós-graduação, pesquisa e
extensão na área de Economia. Seu principal compromisso é apresentar e
discutir, de forma aprofundada e crítica, as principais vertentes do pensamento
econômico, sempre cultivando a pluralidade de visões e abordagens." Muito
bem!
Quem organizou o citado seminário talvez
argumentasse, para justificar a ausência dessa pluralidade, que ele trata do
pensamento político. Mas, aberto o site (www.ie.ufrj.br), logo no início é dito com
destaque: "Singular porque plural" - sem nenhuma restrição.
Ignoro se o Instituto de Economia já organizou ou
pretende realizar outros eventos sobre o assunto, em linha com sua missão
pluralista. Se não, estaria em dívida com ela.
Roberto Macedo, em
O Estado de São Paulo
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