Apenas 3% dos serviços públicos
com participação federal no Brasil funcionam bem e são prestados de forma
adequada à população. Outros 58% não possuem condições mínimas de qualidade, e
39% estão em estágio intermediário. É o que revela um estudo inédito do TCU (Tribunal de Contas da União) em parceria com o Centro de Estudos
Avançados de Governo e Administração da UnB (Universidade de Brasília)
concluído no início deste ano.
O levantamento aplicou pela primeira vez uma série de índices internacionais na avaliação de 488 organizações ligadas à administração pública federal ao longo de 2017. A conclusão é que o Brasil tem avançado em seus índices de governança e gestão, mas ainda está muito longe de ter uma administração pública que atenda bem às necessidades dos cidadãos. Das instituições analisadas, apenas 14 (2,86%) foram bem avaliadas em todos os quesitos averiguados.
A análise inclui instituições ligadas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário: foram avaliadas 114 instituições de ensino, 11 instituições militares, 22 ministérios, 20 órgãos da administração executiva direta, 15 paraestatais, 91 tribunais, 36 unidades de saúde, 38 autarquias, 11 bancos, duas Casas Legislativas, 99 conselhos profissionais e/ou estaduais, sete serviços de apoio à Justiça, 15 fundações e sete fundos públicos de recursos.
O relatório do tribunal de contas conclui que a maioria das instituições analisadas "não possui capacidade minimamente razoável de entregar o que se espera delas para o cidadão, gerindo bem o dinheiro público, cumprindo com suas competências e minimizando os riscos associados à sua atuação".
Para fazer o estudo, foi aplicado o IGG (Índice de Governança e Gestão) nas instituições analisadas. Ele é composto por uma média de outros quatro pontos: governança pública; gestão de pessoas, gestão de TI (tecnologia da informação) e gestão de contratações. Com base em tudo isso, o IGG mede os resultados que determinada instituição pública oferece.
Os índices acima foram criados pelo TCU, com apoio da UnB, e usam como base outros índices e padrões adotados internacionalmente como o "Cobit 5" --um conjunto de normas e boas práticas de auditoria financeira aplicadas aos ambientes de TI, criado pela Isaca (Associação Internacional de Controle e Sistemas de Audição) e adotado como referência por diversos países. Parâmetros de medição da ONU (Organização das Nações Unidas) e o "Referencial Básico de Governança", criado pelo TCU também com base em padrões internacionais, também são usados na avaliação.
Na pesquisa, as instituições foram agrupadas por estágio de desenvolvimento, variando entre "inicial", "intermediário" e "avançado", nos quais o resultado é considerado ruim ou insuficiente, regular e bom, respectivamente.
O cenário mais preocupante é o de gestão de pessoas, no qual 69% das organizações estão no estágio inicial de governança. A gestão de contratações também apresenta quadro crítico, com 56% da amostra em estágio inicial, seguida da gestão de TI com 50% no referido estágio.
"Esse diagnóstico explica parcela significativa da dificuldade das organizações públicas e da falta de confiança do cidadão no governo como um todo, pois deficiências na governança impedem que a administração pública faça entregas sustentáveis à sociedade bem como que as decisões sejam tomadas exclusivamente para impactar de forma positiva a vida do cidadão", diz o documento.
A situação identificada "coloca em risco a capacidade de entrega das organizações, diminui a quantidade de resultados que poderiam ser gerados com os mesmos recursos investidos, além de, em algumas situações, gerarem riscos de desvinculação entre as decisões tomadas e o interesse público", afirma o relatório do órgão de controle.
Apenas 40% das instituições analisadas, por exemplo, possuem mecanismos para identificar e tratar casos de conflitos de interesses envolvendo alta administração e/ou conselho de direção. "Esse resultado sugere que, em grande parte das organizações, não existem, ou são deficientes, os controles que mitiguem o risco de que os integrantes do alto escalão das organizações atuem vislumbrando interesse diverso do interesse público", afirma o relatório.
"Os resultados fracos sugerem que as boas práticas de governança pública corporativa não são adotadas na maior parte das organizações. Como regra geral, há pouco acompanhamento da estratégia organizacional, dos resultados e do desempenho da alta administração. São essas as práticas que instâncias de governança funcionais supervisionam. A consequência esperada da debilidade das instâncias e dos processos de governança é a dispersão de energia e de recursos, além da maior vulnerabilidade à fraude e à corrupção", conclui o estudo.
Para o professor Gustavo Fernandes, do mestrado de gestão e políticas públicas da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o resultado do estudo do TCU não surpreende. "Muito esquisito seria se o resultado fosse diferente", afirma Fernandes.
"O grande problema da máquina pública no Brasil pode ser resumido em uma palavra: planejamento, ou a falta dele. Uma gestão bem feita depende de um planejamento de longo prazo, o que no Brasil infelizmente não acontece", diz. "Cabe aqui ressaltar que não estamos falando de má-fé, de corrupção, e sim de ineficiência e incompetência, o que é até mais grave", diz ele.
"Essa falta de planejamento acontece por dois motivos principais. O primeiro é a falta de capacidade técnica da gestão, e o outro é essa estrutura do nosso ciclo eleitoral em todas as esferas, que estimula os governantes a visões e planejamentos de curto prazo."
Para Fernandes, outro problema por trás de nossa estrutura governamental é a burocracia, excessivamente rígida e ineficiente. "Nossos regulamentos não falam em vinculação de resultados, apenas em vinculação de receitas. Assim fica difícil de cobrar e estabelecer metas claras, quando não se sabe aonde quer chegar nem em quanto tempo. Não existem mecanismos claros que verifiquem a eficiência", afirma o professor. Para ele, um exemplo claro de comparação é o planejamento envolvido na construção de um navio porta-aviões.
"Quando o governo dos EUA começa um projeto desses, é com um planejamento de 50 a 70 anos para o futuro. Tem que pensar como a sua tecnologia e a dos rivais vai evoluir, como esticar a vida útil da embarcação, formas de adaptá-la ao longo dos anos. No Brasil, algum planejamento que pense cinco anos para frente já é considerado um planejamento de longo prazo, essa mentalidade tem que mudar."
O professor alerta ainda que os padrões de governança e gestão na administração federal são consideravelmente melhores que os encontrados na maioria dos estados e municípios. "Quando você desce do nível federal, é só ladeira abaixo nesses quesitos, salvo uma rara e nobre exceção ou outra. Fosse aplicada esta análise nestas esferas, os resultados certamente seriam ainda piores."
Procurado pela reportagem por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, órgão responsável por desenvolver essas ações no âmbito do governo federal e que recebeu recomendações para aprimorar a governança e gestão de forma geral, não respondeu aos questionamentos.
O levantamento aplicou pela primeira vez uma série de índices internacionais na avaliação de 488 organizações ligadas à administração pública federal ao longo de 2017. A conclusão é que o Brasil tem avançado em seus índices de governança e gestão, mas ainda está muito longe de ter uma administração pública que atenda bem às necessidades dos cidadãos. Das instituições analisadas, apenas 14 (2,86%) foram bem avaliadas em todos os quesitos averiguados.
A análise inclui instituições ligadas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário: foram avaliadas 114 instituições de ensino, 11 instituições militares, 22 ministérios, 20 órgãos da administração executiva direta, 15 paraestatais, 91 tribunais, 36 unidades de saúde, 38 autarquias, 11 bancos, duas Casas Legislativas, 99 conselhos profissionais e/ou estaduais, sete serviços de apoio à Justiça, 15 fundações e sete fundos públicos de recursos.
O relatório do tribunal de contas conclui que a maioria das instituições analisadas "não possui capacidade minimamente razoável de entregar o que se espera delas para o cidadão, gerindo bem o dinheiro público, cumprindo com suas competências e minimizando os riscos associados à sua atuação".
Para fazer o estudo, foi aplicado o IGG (Índice de Governança e Gestão) nas instituições analisadas. Ele é composto por uma média de outros quatro pontos: governança pública; gestão de pessoas, gestão de TI (tecnologia da informação) e gestão de contratações. Com base em tudo isso, o IGG mede os resultados que determinada instituição pública oferece.
Os índices acima foram criados pelo TCU, com apoio da UnB, e usam como base outros índices e padrões adotados internacionalmente como o "Cobit 5" --um conjunto de normas e boas práticas de auditoria financeira aplicadas aos ambientes de TI, criado pela Isaca (Associação Internacional de Controle e Sistemas de Audição) e adotado como referência por diversos países. Parâmetros de medição da ONU (Organização das Nações Unidas) e o "Referencial Básico de Governança", criado pelo TCU também com base em padrões internacionais, também são usados na avaliação.
Na pesquisa, as instituições foram agrupadas por estágio de desenvolvimento, variando entre "inicial", "intermediário" e "avançado", nos quais o resultado é considerado ruim ou insuficiente, regular e bom, respectivamente.
O cenário mais preocupante é o de gestão de pessoas, no qual 69% das organizações estão no estágio inicial de governança. A gestão de contratações também apresenta quadro crítico, com 56% da amostra em estágio inicial, seguida da gestão de TI com 50% no referido estágio.
"Esse diagnóstico explica parcela significativa da dificuldade das organizações públicas e da falta de confiança do cidadão no governo como um todo, pois deficiências na governança impedem que a administração pública faça entregas sustentáveis à sociedade bem como que as decisões sejam tomadas exclusivamente para impactar de forma positiva a vida do cidadão", diz o documento.
A situação identificada "coloca em risco a capacidade de entrega das organizações, diminui a quantidade de resultados que poderiam ser gerados com os mesmos recursos investidos, além de, em algumas situações, gerarem riscos de desvinculação entre as decisões tomadas e o interesse público", afirma o relatório do órgão de controle.
Apenas 40% das instituições analisadas, por exemplo, possuem mecanismos para identificar e tratar casos de conflitos de interesses envolvendo alta administração e/ou conselho de direção. "Esse resultado sugere que, em grande parte das organizações, não existem, ou são deficientes, os controles que mitiguem o risco de que os integrantes do alto escalão das organizações atuem vislumbrando interesse diverso do interesse público", afirma o relatório.
"Os resultados fracos sugerem que as boas práticas de governança pública corporativa não são adotadas na maior parte das organizações. Como regra geral, há pouco acompanhamento da estratégia organizacional, dos resultados e do desempenho da alta administração. São essas as práticas que instâncias de governança funcionais supervisionam. A consequência esperada da debilidade das instâncias e dos processos de governança é a dispersão de energia e de recursos, além da maior vulnerabilidade à fraude e à corrupção", conclui o estudo.
Para o professor Gustavo Fernandes, do mestrado de gestão e políticas públicas da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o resultado do estudo do TCU não surpreende. "Muito esquisito seria se o resultado fosse diferente", afirma Fernandes.
"O grande problema da máquina pública no Brasil pode ser resumido em uma palavra: planejamento, ou a falta dele. Uma gestão bem feita depende de um planejamento de longo prazo, o que no Brasil infelizmente não acontece", diz. "Cabe aqui ressaltar que não estamos falando de má-fé, de corrupção, e sim de ineficiência e incompetência, o que é até mais grave", diz ele.
"Essa falta de planejamento acontece por dois motivos principais. O primeiro é a falta de capacidade técnica da gestão, e o outro é essa estrutura do nosso ciclo eleitoral em todas as esferas, que estimula os governantes a visões e planejamentos de curto prazo."
Para Fernandes, outro problema por trás de nossa estrutura governamental é a burocracia, excessivamente rígida e ineficiente. "Nossos regulamentos não falam em vinculação de resultados, apenas em vinculação de receitas. Assim fica difícil de cobrar e estabelecer metas claras, quando não se sabe aonde quer chegar nem em quanto tempo. Não existem mecanismos claros que verifiquem a eficiência", afirma o professor. Para ele, um exemplo claro de comparação é o planejamento envolvido na construção de um navio porta-aviões.
"Quando o governo dos EUA começa um projeto desses, é com um planejamento de 50 a 70 anos para o futuro. Tem que pensar como a sua tecnologia e a dos rivais vai evoluir, como esticar a vida útil da embarcação, formas de adaptá-la ao longo dos anos. No Brasil, algum planejamento que pense cinco anos para frente já é considerado um planejamento de longo prazo, essa mentalidade tem que mudar."
O professor alerta ainda que os padrões de governança e gestão na administração federal são consideravelmente melhores que os encontrados na maioria dos estados e municípios. "Quando você desce do nível federal, é só ladeira abaixo nesses quesitos, salvo uma rara e nobre exceção ou outra. Fosse aplicada esta análise nestas esferas, os resultados certamente seriam ainda piores."
Procurado pela reportagem por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, órgão responsável por desenvolver essas ações no âmbito do governo federal e que recebeu recomendações para aprimorar a governança e gestão de forma geral, não respondeu aos questionamentos.
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