O processo de ‘participação’
nos projetos governamentais incorpora - como um de seus pilares de sustentação
- a educação comunitária. Esta relação, ao longo da história, assumiu diversas
configurações, se moldando aos diferentes ciclos da administração pública. Na
década de 60 vivia-se a euforia desenvolvimentista e as propostas de
participação não lograram êxito.
Na década seguinte, a participação
impositiva se mostrou inconsistente e sucumbiu antes mesmo do sistema
autoritário que lhe deu origem.
Mas o campo não se mostrou estéril por
todo o tempo e muitas experiências de participação se mostraram exitosas,
produtivas, traspassaram o tempo e se tornaram referências para novas incursões.
Uma das experiências mais expressivas
ocorreu no nordeste do país, sob a orientação de Francisco Julião. No ano de
1958 as ligas Camponesas contavam com 3.000 líderes, representando um universo
de 50.000 camponeses. Isto considerando a realidade local, caracterizada ainda
hoje – muitas décadas depois - pelo coronelismo e voto de cabresto.
Em 1974, a UNESCO avançou na proposta de
educação de base estabelecendo como objetivo a "conquista de conhecimentos, valores e atividades que permitissem
às populações pobres caminhar na direção não só do desenvolvimento do
pensamento e dos meios de relacionamento, mas também do desenvolvimento (...) a
partir do conhecimento e compreensão do ambiente físico e dos processos
naturais de vida nesse ambiente".
A Igreja Católica - por sua imersão nos
movimentos sociais - tem, nas ultimas décadas, contribuído para a supressão das
abordagens pontuais e fragmentárias, auxiliando na identificação de modelos
mais amplos e democráticos, que compreendem os sistemas em sua integralidade e complexidade.
Neste contexto, a unidade educacional
enquanto Instituição não tem ajudado muito. Até o ensino médio, parte
considerável do professorado é leiga, mal remunerada, vivendo em condições de
subsistência, agentes desmotivados para o exercício desta nobre função de
recriar e irradiar o saber.
Nas áreas periféricas das cidades e nas
zonas rurais, as instalações físicas das escolas estão mais para um “Deus nos
acuda!”. As condições sanitárias são insustentáveis. As salas são mal
iluminadas, insuficientemente arejadas, banheiros que contribuem para a
disseminação de doenças, manutenção se limitando a impedir que a edificação
desabe sobre a cabeça dos alunos. E ainda assim, não são raros as notícias
dando conta de desabamentos e ruína das escolas públicas.
Do mesmo modo os conteúdos são - via de
regra - inadequados, desconectados da realidade concreta, com forte carga de
formalidade e ortodoxia.
No ensino superior, se as instalações físicas encontram-se num
patamar mais adequado, o substrato pedagógico encontra-se emoldurado, engessado
pelas ideologias ultrapassadas do século passado, e que assombram na onipresença
dos novos caudilhos bolivarianos, as figuras oblíquas que impedem a América
Latina de adentrar o século XXI.
A escola tem um papel muito mais
importante, de dimensões muito maiores que os atualmente estabelecidos. Por ser
um equipamento comunitário, deve se estender para algo que lembre um Centro de
Referência da Comunidade, ampliando sua clientela para além dos alunos e pais
de alunos, assistindo toda a comunidade. Novas estruturas, práticas e rotinas
devem ser estabelecidas. A programação deve contemplar, além da educação
formal, o esporte e o lazer, a cultura e o meio ambiente, mas, sobretudo,
processos que radicalizem a participação social, a conscientização sobre os
problemas que incidem sobre a comunidade. Deve se constituir num centro de
pesquisa, estudo e difusão da arte e da cultura local, viabilizando condições,
apropriando o saber popular para melhor difundir o científico.
Todavia, sequer as limitadas atribuições
institucionais da escola são efetivamente compridas. Não seria então um sonho
bem distante da realidade imaginar este novo universo?
Talvez. Mas também não foi um sonho de épocas
passadas imaginar que o homem pudesse, singrando os mares, descobrir novos
continentes? Não foi um sonho, por um longo tempo, imaginar a humanidade conquistando
o espaço e deixando esculpidas na lua suas largas pegadas?
São os sonhos que movimentam a humanidade,
que dão asas às mais árduas e sofridas conquistas. Transformar a escola
ultrapassada em um centro de referência comunitária é um daqueles sonhos que
exigem persistência e determinação. E, sobretudo, comprometimento dos que, de
fato, se importam com os destinos do país.
Antônio Carlos dos
Santos, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e a
tecnologia de produção de teatro popular Mané Beiçudo.