Milhares saem às ruas contra o regime iraniano, enquanto a Rússia permanece calma. Medo da brutalidade policial não pode ser a razão, já que a situação russa não é pior do que no Irã, opina Miodrag Soric.
Manifestante sendo carregado
por agentes da polícia russa OmonManifestante sendo carregado por agentes da
polícia russa Omon
"Temida polícia de
choque especial Omon, de Moscou, não é mais brutal do que os carniceiros do
Irã"Foto: Alexander Zemlianichenko/dpa/picture alliance
Por que centenas de milhares
de russos se permitem ser enviados como bucha de canhão para essa criminosa
guerra de agressão? Por que colocam seu destino nas mãos de um belicista? Por
que não se rebelam?
A maioria de quem está fora
da Rússia não consegue responder a essas perguntas. Parece que os russos estão
prontos a aceitar qualquer coisa. Comentaristas recorrem a estereótipos sobre o
suposto caráter nacional: os russos são tolerantes, sempre obedeceram a
qualquer czar que esteja no Kremlin, ou têm medo da liberdade, como escreveu
certa vez o escritor russo Fiódor Dostoiévski.
É verdade que se rebelar é
perigoso agora. Qualquer um na Rússia que defenda a liberdade corre o risco de
prisão e tortura. Mas essas consequências também ameaçam os manifestantes no
Irã – e ainda assim, nas últimas semanas, milhares saíram às ruas para
protestar contra o regime brutal dos mulás.
Dezenas já pagaram com a
vida, mas os que conseguem escapar da polícia iraniana parecem implacáveis.
Eles continuam a protestar, embora os carniceiros de Teerã e outras cidades
iranianas não sejam menos brutais do que a polícia de choque especial Omon em
Moscou.
Lukashenko precisa de Putin
O mundo acompanha com
admiração os corajosos protestos iranianos – assim como milhões em todo o
planeta saudaram a coragem dos belarussos há dois anos, quando se revoltaram
contra as eleições fraudulentas de Lukashenko, ou dos ucranianos, que lutaram
repetidamente pela democracia.
Na Ucrânia, o povo
prevaleceu. Em Belarus, ainda não. Mas quando o presidente russo, Vladimir
Putin, não puder mais proteger Lukashenko, os belarussos o levarão a
julgamento.
É absurdo alegar que os
russos são inaptos à democracia. São frequentes as referências a pesquisas
segundo as quais um de cada três russos acredita que "a democracia
ocidental não é adequada à Rússia". Quem pensa assim, se é que alguém
pensa, é a geração mais velha, que nunca passou muito tempo no Ocidente. A
geração mais jovem, por outro lado, tem a mente tão aberta quanto seus pares em
Paris ou Londres. Os jovens russos querem liberdade, democracia real,
prosperidade, oportunidade de viajar.
Também é absurdo afirmar,
como fizeram líderes da Igreja Ortodoxa Russa, que a democracia minaria a
moralidade. O oposto é verdadeiro. Somente tribunais independentes do Estado
proporcionam justiça para todos, não importa quão boas ou ruins sejam suas
relações pessoais com os políticos.
Na Rússia de hoje, no
entanto, é o Kremlin que decide o veredicto quando manifestantes são levados a
julgamento. Os juízes russos são os capangas do poder. Em democracias estáveis,
a corrupção e o clientelismo não têm chance.
O trauma dos anos 1990
A década de 1990 também é
citada como razão para muitos russos mais velhos serem céticos em relação à
democracia. Mas o que os russos tiveram que suportar naquela época não tinha
nada a ver com democracia. Em vez disso, depois de 1991 as velhas elites
soviéticas – ex-funcionários do partido e membros do serviço secreto – se
enriqueceram descaradamente nas costas do povo, controlaram a política do país
com montes de dinheiro.
Mas ucranianos e georgianos
também passaram por isso nos anos 1990. Em Kiev, os oligarcas também tiveram
grande influência, mas os ucranianos conseguiram eleger e depor governos.
Gradualmente, seu padrão de vida melhorou. O país tornou-se um modelo,
mostrando o que a Rússia poderia ser. E ao fazê-lo, tornou-se uma ameaça para
Putin. De repente ficou óbvio que democracia e liberdade também eram possíveis
no Leste.
Os ucranianos continuarão a
lutar por seu país. Eles não querem viver num Estado autoritário. O povo está
unido por seu enorme sacrifício, e a guerra de defesa contra a Rússia os
moldará por gerações. Se os cidadãos russos também querem uma vida digna em
liberdade e prosperidade, também terão que lutar por isso – assim como estão
fazendo os povos de outras nações.
DW, Miodrag Soric
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