Para Frank
Dikötter, o ponto principal que une ditadores atuais e os do século 20 é o
argumento de que a vontade da maioria só pode ser alcançada quando o poder está
nas mãos de uma única pessoa. Esse, aliás, seria o gancho entre líderes como
Adolf Hitler, o chinês Xi Jinping e o norte-coreano Kim Jong-un.
"Ao mesmo tempo que se
dizem democráticos, eles questionam a democracia do Ocidente e dizem que ela é
falsa", afirma o historiador holandês.
No final do ano passado, por
exemplo, Pequim lançou um relatório de 23 páginas descrevendo aspectos da
chamada "democracia socialista". Intitulado "China: Democracia
que funciona", o texto diz que o povo deve ser o responsável por julgar se
um país é democrático e que o significado do sistema político "não deve
ser ditado por um punhado de forasteiros".
Argumentos semelhantes já
foram usados pelo ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, e pelos líderes da
Rússia, Vladimir Putin, e da Hungria, Viktor Orbán -todos são acusados de
atacar o Judiciário e a imprensa independente, além de perseguir opositores. Os
últimos dois países são exemplo, segundo especialistas, de democracias
iliberais; quando o povo, apesar de participar de eleições justas, não tem
liberdades civis.
Mas a China, de acordo com
Dikötter, deve ser considerada uma ditadura. "Não há separação de poderes
lá. Além disso, a própria Constituição chinesa denomina o sistema político
adotado como uma ditadura do proletariado", afirma. Professor de
humanidades na Universidade de Hong Kong, ele é autor de People 's Trilogy, uma
série de livros que documenta o impacto do comunismo na vida dos cidadãos
chineses.
No final de agosto, o
historiador lançou no Brasil o livro "Como ser um ditador: o culto à
personalidade no século 20" (Intrínseca). A obra explora histórias e
estratégias de oito ditadores: Benito Mussolini (Itália), Adolf Hitler (Alemanha),
Mao Tse-tung (China), Kim Il-sung (Coreia do Norte), Papa Doc (Haiti), Nicolae
Ceausescu (Romênia) e Mengistu Haile Mariam (Etiópia).
"Ditadores modernos
como [o venezuelano Nicolás] Maduro, Kim Jong-un e Xi Jinping, e antigos como
Hitler e Lenin não têm diferenças em uma perspectiva histórica: todos dizem ser
necessário concentrar absolutamente o poder para alcançar objetivos que possam
expressar os desejos da maioria", afirma Dikötter.
Mas, para o historiador,
ditadores do século 20 tendiam a se tornar objeto de cultos, o que não
aconteceria com a mesma frequência atualmente. "Ditadores são indivíduos
que operaram em circunstâncias específicas. Não é possível, portanto, encontrar
um padrão entre os antigos e os modernos", diz.
Em seu livro, Dikötter
aponta, por exemplo, para a retórica hábil de Hitler, mas destaca que o o
nazista não aceitava ser representado em estátuas. O ditador soviético Josef
Stálin, por outro lado, raramente aparecia em multidões, apesar de ser
retratado em várias esculturas ao redor do país.
Outra estratégia também foi
herdada pelos ditadores do século 21, aponta o especialista holandês: governar
por meio do medo. "Vamos falar sobre a China novamente. Qual é o maior
receio deles atualmente? A Covid introduzida pelos estrangeiros. Mas não só
isso. Eles também têm medo do que chamam de campo imperialista, que os
americanos tomem o controle de Taiwan e usem os japoneses e coreanos para
cercá-los e atacá-los", diz.
A difusão do estrangeiro
como inimigo externo para dissipar crises internas também foi explorada por
Mussolini, Hitler, Mao e outros ditadores destacados na obra de Dikötter.
Próximo ao Brasil, um dos episódios mais explícitos ocorreu na década de 1970, na
Argentina. Na época, a ditadura do país tentou reverter a perda de popularidade
iniciando a Guerra das Malvinas e apelando para o patriotismo.
Para Dikötter, só a
informação e o olhar atento à história pode conter o avanço de narrativas
ditatoriais no mundo. "Sempre soa muito bem dizer que é necessário ir às
ruas e lutar, mas veja o que aconteceu em Budapeste em 1956, na Tchecoslováquia
em 1968 e na China em 1989. Ir às ruas pode funcionar em alguns casos, mas não
em todos. O melhor caminho é garantir que sua democracia não se torne uma
ditadura."
Yahoo notícias, Folhapress, Pedro
Lovisi
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