Galerias e museus
do país sob ataque russo protegem bens culturais, realocando-os em bunkers ou
transferindo-os para o exterior. Depois que Putin negou existência da nação
ucraniana, instituições são alvo provável.
Enquanto os mísseis russos
continuam chovendo sobre as cidades ucranianas, destroçando blocos residenciais
inteiros, matando civis aos milhares, uma outra vítima dessa guerra de agressão
é a arte e cultura.
Embora a maioria dos museus
e galerias tenha sido fechada logo que se iniciou a invasão, os funcionários de
cultura têm se empenhado para salvar obras de arte e objetos valiosos que
seguem expostos a ataques incendiários.
Até agora, os Patrimônios
Mundiais da Unesco têm sido poupados, porém instituições culturais importantes
foram destruídas. Como o Teatro Dramático de Mariupol, transformado em
escombros nesta quarta-feira (16/03). Consta que centenas haviam procurado abrigo
em seus porões.
Poucos dias antes, também o
Mosteiro Rupestre de Sviatohirsk, na região oriental de Donetsk, o mais antigo
convento da Ucrânia, datando de 1526, foi seriamente danificado pelos
bombardeios comandados por Moscou.
Agora a proteção dos bens
culturais se torna uma parte crescente dos esforços humanitários para mitigar a
guerra, tanto a partir da Ucrânia quanto em âmbito internacional.
Preservando o acervo
cultural ucraniano
Desde o primeiro dia da
invasão, o coletivo de artistas Asortymentna Kimnata (Sala Variada), sediado na
galeria de arte contemporânea Ivano-Frankivsk, no oeste do país, se apressa em
evacuar e salvaguardar obras de espaços artísticos populares que contam com
pouco patrocínio ou apoio.
"A Asortymentna Kimnata
foi criada para apoiar a arte local, e agora temos não só que apoiá-la, mas
também que preservá-la", explica a curadora da galeria, Anya Potyomkina.
Em locais não revelados, o
coletivo criou diversos bunkers de armazenamento, e tem recebido pedidos de
assistência para evacuação de galerias de Kiev, Mariupol, Odessa, Zaporíjia e
outras cidades. Apenas nos primeiros dez dias da invasão, mais de 20 coleções
foram postas a salvo nos abrigos.
"Cuidamos para não
perder objetos de arte visual, nem na retaguarda, nem perto do front. Afinal de
tudo, esta guerra é também, claro, uma guerra de culturas", afirma Alyona
Karavai, uma cofundadora do coletivo.
Olga Honchar é diretora
cultural do Museu Território do Terror de Lviv, que explora os capítulos
trágicos da violência nazista e soviética na Ucrânia de meados do século 20.
Pouco após o início da invasão, ela organizou o fundo de crise Museu
Ambulância, com patrocínio da Comissão Europeia e da associação multicultural
alemã MitOst. Seu objetivo é proteger os patrimônios locais.
Curadores do pavilhão da
Ucrânia da Bienal de Veneza 2022, Lizaveta German, Borys Filonenko, Maria
Lanko, e artista Pavlo Makov (2º da dir.)Curadores do pavilhão da Ucrânia da
Bienal de Veneza 2022, Lizaveta German, Borys Filonenko, Maria Lanko, e artista
Pavlo Makov (2º da dir.)
Curadores do pavilhão da
Ucrânia da Bienal de Veneza 2022, Lizaveta German, Borys Filonenko, Maria
Lanko, e artista Pavlo Makov (2º da dir.)Foto: Privat
Fonte de exaustão na Bienal
de Veneza
Desde então, quase 20 museus
de quatro regiões receberam ajuda financeira para embalar e salvaguardar seus
objetos de exposição, com prioridade para as instituições de pequenas cidades e
vilarejos do leste e sul a Ucrânia, epicentros da agressão militar russa.
Além disso, o Fundo
Emergencial para a Arte foi criado para "lidar com as consequências da
invasão russa e as ameaças que a guerra representa para a comunidade artística
ucraniana". Ele organiza, por exemplo, subvenções de emergência, e
administra doações e residências no exterior, para permitir que os artistas
sigam trabalhando.
Por sua vez, uma equipe do
Pavilhão da Ucrânia na Bienal de Veneza transportou obras de Kiev para a
Áustria, a fim de garantir que a exposição possa se realizar em abril.
"Em tempos como estes,
a representação da Ucrânia na mostra é mais importante do que nunca",
declararam em comunicado os curadores do pavilhão, Maria Lanko, Lizaveta German
e Borys Filonenko. "Quando o direito de existir de nossa cultura, em si,
está sendo questionado pela Rússia, é crucial demonstrar nossas realizações
para o mundo."
Peça central na mostra é a
Fonte de exaustão do escultor Pavlo Makov, de 63 anos, baseado em Kharkiv. A
obra se constitui de 72 funis de cobre organizados em forma de pirâmide, por
onde água flui com dificuldade. Neste ínterim, o artista ainda se encontra num
abrigo da Kharkiv bombardeada. Em seu website, ele vende suas obras para
financiar a compra de armas para defesa da Ucrânia.
Arte russa a salvo de bombas
russas
Próxima à fronteira com a
Rússia, Kharkiv foi atacada logo nos primeiros dias da invasão. As instituições
de arte locais logo foram afetadas, inclusive o Museu de Arte Kharkiv, cujas
janelas e portas foram todas destroçadas quando bombas russas atingiram um alvo
próximo.
Com uma das mais valiosas
coleções de arte da Ucrânia exposta à umidade e a extremos de temperatura,
funcionários tentam agora salvar cerca de 25 mil objetos, distribuindo-os em
armazéns. Muitas das obras são de artistas russos.
"É uma ironia do
destino nós estarmos salvando, da própria nação deles, os artistas russos,
pinturas de artistas russos, é simplesmente uma barbárie", lamenta a
administradora do museu, Maryna Filatova.Sob a égide do Comitê de Assistência
aos Museus da Ucrânia, instituições culturais polonesas igualmente se uniram
para proteger o patrimônio cultural do país vizinho sitiado.
A Polônia também sofreu a
destruição de propriedades culturais durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos
capítulos mais drásticos foi o saque e destruição da capital Varsóvia, tanto
pelos nazistas alemães como pelos ocupadores soviéticos.
"Nenhuma nação ou
Estado deveria voltar a sofrer perdas semelhantes", acusa um comunicado do
comitê. "Hoje, infelizmente, há a ameaça de que isso ocorra na
Ucrânia."
"Destruição
intencional"
Para Pawel Ukielski,
vice-diretor do Museu do Levante de Varsóvia e cofundador da iniciativa criada
pouco após a invasão da Ucrânia, o dano passado ao patrimônio cultural da
Polônia não foi só mero subproduto da guerra, mas "destruição
intencional",
Ele crê que agora o
presidente russo, Vladimir Putin, possa ter intenções parecidas. Após ter
declarado que "não há nação ucraniana, não há identidade ucraniana",
o acervo cultural poderia se tornar um alvo, a fim de provar esse argumento.
A reação do Comitê é
oferecer assistência a todos os museus e instituições culturais da Ucrânia,
para que salvaguardem e realoquem suas coleções. Um primeiro carregamento de
material de embalagem especial para esse fim está chegando em Lviv, relata
Ukielski.
O Comitê de Assistência aos
Museus da Ucrânia também planeja auxiliar na documentação, digitalização e
inventário das coleções, e saúda parceiros internacional a apoiarem a
iniciativa. Ukielski frisa que a criação de um cadastro digital de bens
culturais é um passo vital no processo, também para a eventualidade de que os
museus sofram pilhagens.
Stuart Braun, DW
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