Muitos dos impactos do aquecimento global são agora simplesmente "irreversíveis", segundo a mais recente avaliação produzida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Em seu mais recente
relatório, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na
sigla em inglês) diz que tanto seres humanos como a natureza em geral estão
sendo pressionados além de sua capacidade de adaptação.
Segundo o preocupante
estudo, mais de 40% da população mundial é "altamente vulnerável" ao
estado do clima.
Existe, no entanto,
esperança de que, se o aumento em temperaturas for mantido abaixo de 1,5 grau
Celsius acima dos níveis da era pré-industrial, as perdas projetadas atualmente
podem ser reduzidas.
Divulgado apenas quatro
meses depois da COP26, reunião em Glasgow (Escócia, Reino Unido) em que líderes
do mundo todo comprometeram-se com ações rápidas contra as mudanças climáticas,
esse novo estudo mostra o tamanho do desafio.
"Nosso relatório
claramente indica que lugares onde pessoas vivem e trabalham podem deixar de
existir, que ecossistemas e espécies com que nós crescemos e que são centrais
para nossas culturas e compõem nossas línguas podem desaparecer", afirmou
a professora Debra Roberts, co-presidente do IPCC.
"Este é realmente um
momento-chave. Nosso relatório aponta, muito claramente, que esta é a década da
ação, se nós quisermos mudar esse quadro."
Tragédias causadas por
chuvas de verão são reflexo das mudanças climáticas?
O novo relatório do IPCC é
a segunda de três revisões feitas pelo organismo, que reúne os mais importantes
pesquisadores que estudam as mudanças no clima.
Em agosto de 2021, a
primeira delas destacou o tamanho do efeito que os seres humanos vêm tendo no
sistema climático da Terra.
Essa segunda revisão
examina as causas, os impactos e as soluções para conter as mudanças
climáticas. O documento fornece a mais clara indicação até hoje de como um
mundo mais quente está afetando todos os seres vivos do planeta.
Trata-se de uma crua
descrição das duras consequências que o mundo já está experimentando, como o
crescente número de pessoas morrendo devido ao calor excessivo.
Pequena
chance
Os autores, porém, dizem
que ainda existe uma pequena janela de tempo para que o pior seja evitado.
"Uma das coisas que eu acho que são realmente, realmente claras no
relatório é que sim, as coisas estão ruins, mas na verdade o futuro depende de
nós, não do clima", afirma Helen Adams, da universidade King's College, de
Londres, e uma das principais autoras.
O relatório mostra que
eventos climáticos extremos e ligados às mudanças climáticas, como enchentes e
ondas de calor, estão atingindo seres humanos e outras espécies de forma muito
mais dura do que avaliações anteriores indicavam.
Esses impactos, segundo o
estudo, já estão indo além da capacidade de muita gente em lidar com eles. Toda
a população mundo é afetada, mas alguns de forma muito mais grave, e esse
resultado depende em grande medida de onde você vive.
Entre 2010 e 2020, o
número de mortos em enchentes, secas e tempestades em regiões vulneráveis,
incluindo partes da África, sul da Ásia e Américas do Sul e Central, foi 15
vezes maior que o total em outras partes do mundo.
A natureza já está vendo
impactos dramáticos no nível atual de aquecimento. Corais estão sendo
"embranquecidos" e morrendo devido ao aumento das temperaturas,
enquanto muitas árvores estão sucumbindo às secas.
O relatório do IPCC
destaca os impactos crescentes que são aguardados enquanto o aumento das
temperaturas ao redor do globo, atualmente em 1,1 grau Celsius sobre o período
pré-industrial, segue na direção de 1,5 grau.
O continuado e acelerado
aumento do nível do mar atingirá cada vez mais comunidades costeiras, os
empurrando para "submersão e perdas".
Sob todos os cenários de
emissões de gases do efeito estufa, o IPCC espera que na próxima década mais 1
bilhão de pessoas ficarão sob risco de efeitos negativos do clima sobre áreas
costeiras.
Se as temperaturas subirem
entre 1,7 grau C e 1,8 grau C sobre o nível de 1850 (considerada a época
anterior ao grande efeito da industrialização sobre o clima), o relatório
afirma que metade da população humana poderia ficar exposta a períodos de
condições climáticas que oferecem risco à vida, a partir do aumento do calor e
da umidade.
Dengue
e saúde mental
O secretário-geral da ONU,
António Guterres, descreveu o novo relatório como um "atlas do sofrimento
humano". Ele não tem dúvidas sobre de quem é a culpa.
"Os fatos são
inegáveis. Essa abdicação de liderança é criminosa. Os maiores poluidores do
mundo são culpados de incêndio criminoso da nossa própria casa."
No cenário descrito pelo
estudo, doenças se espalharão mais rapidamente nas próximas décadas. Existe um
risco específico de que condições climáticas em transformação facilitarão a
disseminação da dengue entre bilhões de pessoas a mais até o final deste século.
Além do impacto na saúde
física, esse relatório, pela primeira vez, afirma que as mudanças climáticas
podem estar agravando problemas de saúde mental, incluindo o estresse e o
trauma relacionado com eventos climáticos extremos e a perda de condições de
vida e cultura.
Espécies
ameaçadas
O IPCC diz que cerca de
metade dos organismos vivos avaliados em seu estudo já está em movimento,
viajando para pontos geográficos de mais altitude ou na direção dos polos
terrestres.
Enquanto até 14% das
espécies avaliadas vão provavelmente enfrentar um alto risco de extinção se o
mundo chegar a um aumento de temperatura de 1,5 grau, numa realidade de 3 graus
de elevação essa parcela aumentaria para 29% das espécies.
Para animais vivendo em
áreas que são classificadas como centros de biodiversidade vulneráveis,
espera-se que seu risco de extinção, que já é alto, dobre caso a temperatura
global atinja 2 graus acima dos níveis pré-industriais - e aumente dez vezes se
ela subir 3 graus.
Alguns pesquisadores já
especularam que atingir um aumento de 1,5 grau por um curto período seria
aceitável se as temperaturas voltarem para abaixo desse nível pouco depois. O
relatório do IPCC, porém, diz que essa abordagem é perigosa.
"Em qualquer aumento
acima do limite, há um risco crescente de atingirmos pontos de inversão e
causar uma reação climática, como descongelamento de pergelissolo [solo
permanentemente congelado]", disse Linda Schneider, do Instituto Heinrich
Boll e que participou das discussões do IPCC como observadora. "Isso
tornaria muito mais difícil e poderia tornar impossível voltar para abaixo de
1,5 grau C."
O relatório desdenha de
artifícios tecnológicos como tentar desviar os raios do Sol ou remover dióxido
de carbono da atmosfera, dizendo que essas medidas poderiam piorar as coisas.
O resumo para lideranças
em posições de decisão coloca muito foco em "desenvolvimento resiliente ao
clima", o que, segundo o estudo, cria a força necessária para lidar com as
mudanças climáticas em qualquer sociedade.
"Se nossos caminhos
de desenvolvimento forem aqueles em que sistemas de saúde não melhoram muito, a
educação não melhora muito, nossas economias não estão crescendo muito rapidamente,
e a desigualdade continua um grande problema, esse é um mundo em que uma
quantidade determinada de mudanças climáticas terá um impacto realmente
grande", afirmou o professor Brian O'Neill, do Laboratório Nacional do
Noroeste do Pacífico, dos EUA, coordenador do IPCC e um dos autores do estudo.
"Em contrapartida, se
for um mundo onde estamos promovendo rápidos avanços em educação, saúde e
pobreza, se as mudanças climáticas são impostas nessa sociedade, o risco será
bem menor."
Matt
McGrath, BBC News
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