1.
Introdução
A
complexidade de uma economia seria a explicação para a divergência nos
níveis de renda entre países ricos e países pobres que não é esperada por
vários modelos tradicionais de crescimento econômico. Ao contrário, tais
modelos têm como hipótese a convergência da renda dos países.
Por complexidade econômica, Hidalgo (2015) entende a diversidade de
“capacidades” de um país, medida pela diversidade e sofisticação de sua
estrutura produtiva. Tais capacidades incluem desde habilidades específicas no
mercado de trabalho (que são de difusão difícil e estão contidas em redes de
profissionais), até direitos de propriedade e regulação. Como tais capacidades
não podem ser exportadas ou importadas (non-tradable), elas se
concentram no espaço geográfico, gerando a desigualdade entre regiões ricas e
pobres.
Em uma tentativa
de medir esse conjunto de capacidades, foi criado o Índice de Complexidade
Econômica (ECI) por pesquisadores do Instituto de Tecnologia do Massachusetts
(MIT) e do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de
Harvard. Em especial, este esforço tem sido capitaneado pelos pesquisadores
sul-americanos César Hidalgo e Ricardo Hausmann, cujo trabalho é introduzido
aqui.
O Índice tem se
mostrado bem-sucedido em prever o crescimento da economia de diversos países no
médio e no longo prazo, superando a previsão de modelos baseados em indicadores
de educação ou instituições/governança, duas das principais variáveis usadas
nas últimas décadas para explicar o crescimento econômico.
Embora seja de
formulação recente (2009) e exija para seu cômputo grandes bases de dados, há
paralelismos em sua lógica com o trabalho de teóricos do desenvolvimento do
século passado, como Wassily Leontief (matriz insumo-produto), Béla Balassa
(vantagem comparativa revelada) e Albert Hirschman (encadeamentos para frente e
para trás).
Hidalgo
e Hausmann (2009) argumentam que a complexidade de uma economia seria capaz de
prever que tipos de produto ela poderá produzir no futuro, porque novos
produtos dependeriam substancialmente das capacidades já acumuladas em um país
referentes a diversos fatores de produção, do capital humano ao respeito pela
lei. No entanto, a construção do Índice desconsidera quaisquer detalhes
específicos relativos a essas variáveis, que estariam na verdade refletidas na
diversidade e sofisticação da estrutura produtiva de um país. Por sua vez, como proxy dessa
estrutura produtiva são usados dados de comércio internacional, em especial a
vantagem comparativa revelada.
Neste
texto, introduzimos na próxima seção a visão de produtos como “cristais de
imaginação”, que fundamentam a ênfase dos criadores do Índice na diversidade e
sofisticação da estrutura produtiva como preditivas do crescimento. A seguir,
detalhes do cálculo do Índice de Complexidade Econômica são apresentados. A
seção 4 discute resultados e aplicações, inclusive para o caso brasileiro. A
seção 5 traz o espaço de produto (product space), uma atraente
ferramenta de visualização de uma economia apresentada pelos criadores do
Índice. Uma última seção discute política industrial.
2.
Prosperidade e imaginação
Hidalgo (2015)
descreve a economia como um sistema em que as pessoas acumulam conhecimento
para criar produtos, que, por sua vez, podem aumentar nossa própria capacidade
de acumular mais conhecimento.
Como
indivíduos, não seríamos tão mais capazes do que nossos ancestrais, mas como
sociedade sim. As sociedades modernas são aquelas que conseguiriam acumular
muito conhecimento produtivo ao distribuí-lo entre os seus membros. Assim, o
progresso e a prosperidade dos países ricos não seriam fruto da inteligência
individual de moradores inteligentes, mas do fato de tais sociedades possuírem
grande diversidade de knowhow recombinado para criar uma
grande variedade de produtos, e de produtos melhores (Hausmann et al., 2011).
A
desigualdade no mundo decorreria da “finitude” dos homens e das redes por eles
formadas, que limitam a possibilidade de acumular e transmitir conhecimento1,
tornando este conhecimento acumulado no espaço. Os produtos que produzimos e
consumimos nada mais seriam do que expressões deste conhecimento.
Nesse
sentido, as exportações de um país, usadas no Índice de Complexidade Econômica,
revelariam não somente informação sobre capital ou trabalho presente nele, mas,
mais importante, sobre a capacidade que sua população tem de criar objetos que
antes eram apenas imaginados (na terminologia particular de Hidalgo, “cristais
de imaginação”). A prosperidade de um país, a médio e longo prazo, seria
determinada não pela sua capacidade de comprar, mas pela sua
capacidade de criar produtos.
Ilustrativamente,
em 2012, o Brasil teria tido um saldo positivo na balança comercial com a China
de mais de US$ 7 bilhões. No entanto, o país teria tido uma “balança da
imaginação” deficitária, pois o Brasil exporta principalmente minério de ferro
e soja, e importa da China eletrônicos, químicos e metais processados. Hidalgo
faz uma provocação em relação ao argumento, popular em países em
desenvolvimento, de que a exportação de matéria-prima para países que exportam
produtos mais elaborados seria um ato de exploração. Defendendo que a criação
de valor decorre não da atividade extrativa, mas da imaginação, seriam os
exportadores de matéria-prima os “exploradores”. Tratando do seu país natal,
Hidalgo afirma que o Chile exploraria a imaginação de inventores como Michael
Faraday e Nikola Tesla, que permitiram que produtos feitos a partir do cobre
(principal produto da pauta de exportação chilena) tivessem valor (HIDALGO,
2015):
Produtores de
petróleo como Venezuela e Rússia exploram a imaginação de Henry Ford, Rudolf
Diesel, Gottlieb Daimler, Nicolas Carnot, James Watt e James Joule ao estarem
envolvidos no comércio de uma gosma gelatinosa preta que era virtualmente
inútil até a invenção de motores de combustão.
Segundo
Hidalgo, a diferença entre riqueza e desenvolvimento econômico residiria na
distinção entre “geração de valor” e “apropriação de compensação monetária”. O
desenvolvimento não se basearia na capacidade que uma economia tem em consumir,
mas na capacidade que sua população tem em transformar sonhos em realidade: a
capacidade de produzir (não de comprar). Tal ênfase parte do entendimento de
que a economia seria um “sistema que amplifica os usos práticos do
conhecimento”2.
Desigualdade
e divergência: o papel de redes de conhecimento
A concentração, em
apenas algumas partes do mundo, da capacidade de produzir produtos
sofisticados, como motores de avião e dispositivos de memória, não é óbvia.
Hidalgo (2015) ressalta que vários modelos econômicos, para ele excessivamente
otimistas, supunham que a produção de qualquer produto poderia ser estimulada
apenas pela demanda e por incentivos. Segundo o autor, no entanto, o
fundamental para compreender tal desigualdade no mundo seria o acúmulo de
conhecimento em redes de profissionais: para produzir algo, é necessário
aprender.
O papel desse
acúmulo não é trivial. Pelo contrário, o conhecimento seria tão “pesado” que
seria muito mais fácil, ilustrativamente, retirar lítio do deserto do Atacama e
enviá-lo para a Coreia do Sul para produzir bateria de celulares do que enviar
cientistas coreanos ao Chile para ensinar mineiros a produzir as baterias.
A difusão do
conhecimento seria difícil porque o aprendizado seria “social” e “experiencial”
(HIDALGO, 2015):
A natureza
experiencial e social do aprendizado não apenas limita o conhecimento que
indivíduos podem conquistar, mas também enviesa a acumulação de conhecimento
para o que já está disponível nos lugares onde esses indivíduos residem. Isso
implica uma acumulação de conhecimento que é geograficamente enviesada.
Vasconcelos
(2013) explica que o valor do conhecimento decorre de ele ser non-
tradable, isto é, não poder ser comercializado como um bem físico. Ao
contrário, a transferência de conhecimento estaria ligada à noção de
“conhecimento tácito”, que decorre da própria experiência de trabalho, de anos
de aperfeiçoamento e da convivência com profissionais mais experientes.
Tal desigualdade
daria ensejo à quantificação das capacidades produtivas de um país, que reflete
as diferenças de conhecimento. É este o propósito do Índice de Complexidade
Econômica (ECI). Para, Britto et al. (2014), economias complexas seriam
as economias com elevado nível de conhecimento relevante, presente em amplas
redes de pessoas e organizações, capazes de gerar uma diversidade de produtos
intensivos em conhecimentos. Já economias menos complexas teriam redes de
interações menores e mais simples, com nível baixo de conhecimento e capazes
apenas de produzir poucos produtos e produtos mais simples.
Para
Hausmann (2012), um indicador de complexidade seria útil não apenas para
explicar a “Grande Divergência” na renda per capita de países
ricos e pobres, mas também a convergência que alguns países têm conseguido nas
últimas décadas (como China e Índia), enquanto outros grandes emergentes ficam
para trás (como a Nigéria).
3.
O Índice de Complexidade Econômica (ECI)
Como o
conhecimento é difícil de mensurar, são necessárias expressões que forneçam
informações indiretas sobre a localização onde o conhecimento está presente
(Hidalgo, 2015). Essas expressões podem ser patentes, produção industrial ou,
na versão mais comum do Índice de Complexidade Econômica, o comércio
internacional.
Nesta seção,
apresentamos a intuição de como funciona o cálculo do Índice. O Índice de
Complexidade é calculado para países (ECI) e para produtos (PCI).
Entendendo
a complexidade econômica de um país como a diversidade e sofisticação da
estrutura produtividade, um ponto de partida para mensurá-la seria a diversidade de
produtos ali feitos.
Já
o indicador da complexidade de um produto parte do conceito de ubiquidade,
medida de quantos países produzem um determinado bem. Intuitivamente, bens mais
ubíquos, produzidos em muitas localidades, seriam menos complexos (exemplo:
algodão é mais ubíquo do que aparelhos de radiologia).
Entretanto, nem a
diversidade de um país ou a ubiquidade de um produto são suficientes para medir
sua complexidade. É possível que um país produza muitos produtos, mas sem
sofisticação. É possível ainda que um produto seja pouco ubíquo apenas por ser
raro (como urânio), e não por conta do nível de conhecimento de sua
produção. A medida de diversidade é corrigida pela ubiquidade, e vice
versa.
Assim, no Índice,
a medida de diversidade de um país A é corrigida de acordo com a ubiquidade dos
produtos produzidos em A, e corrigida também de acordo com a diversidade
presente em países que exportam o mesmo produto. Analogamente, a medida de
ubiquidade de um produto B é corrigida pela diversidade de produtos dos países
que o exportam, bem como de acordo com a ubiquidade de outros produtos
produzidas pelos países que exportam B.
Em verdade, a
matriz “país-produto” que gera o Índice de Complexidade considera apenas os
produtos que um país possui vantagem comparativa revelada (VCR), conforme o
conceito de Balassa (1965). Existe vantagem comparativa revelada quando a
participação de um produto na pauta de exportação de um país é maior do que a
média internacional (grosso modo, sua participação no comércio mundial). É o
caso do minério de ferro ou da soja no Brasil, por exemplo. Há ainda uma
correção para atenuar o impacto de flutuações de preço, com o uso da média dos
três anos anteriores a um determinado período. Para quem quiser conhecer mais
sobre a formulação matemática do Índice, recomenda-se a leitura de Hausmann et
al. (2011).
Hidalgo e Hausmann
(2009) defendem que o Índice de Complexidade Econômica vem suprir uma lacuna da
pesquisa empírica, considerando que a teoria econômica já atribuía à
complexidade papel no crescimento econômico desde a mão invisível de Adam Smith
até as teorias de crescimento endógeno de Romer (1990) e Grossman e Helpman
(1991).
A lógica por trás
do índice é a mesma exposta na seção anterior, que agora recapitulamos: a
prosperidade de um país vem de sua capacidade de criar. Em verdade, este é um
conjunto de capacidades de sua população, difícil de difundir no espaço, e que
é refletida na diversidade e na sofisticação de sua estrutura produtiva. No
Índice, como exposto acima, a diversidade e a sofisticação da estrutura
produtiva, por sua vez, são medidas de acordo com a vantagem comparativa
revelada, seguindo as noções de diversidade e de ubiquidade.
Para ilustrar tal
lógica, Vasconcelos (2013) reproduz o exemplo de Felipe et al. (2012), que
compara Canadá e Vietnã. Inicialmente, o Canadá tem menos diversidade do que o
Vietnã: possuía vantagem comparativa revelada em 893 produtos, contra 902 do
Vietnã. Os produtos do Canadá são menos ubíquos: na média produzidos em 20
países, contra 25 do Vietnã. Adicionalmente, o Índice de Complexidade
Econômica contempla ainda uma outra interação: a diversidade dos países
que também produzem, ou melhor, têm vantagem comparativa, nestes produtos. O
resultado é que em 2013 o Canadá possuía um Índice de Complexidade Econômica de
0.70 (33º entre 186 países), com uma pauta exportadora que inclui em grande
medida carros e produtos ligados ao transporte; máquinas e equipamentos;
e produtos químicos. Já o Vietnã tinha um ECI que, embora em alta, era de -0.27
(71º), refletindo uma pauta em que tem grande peso produtos têxteis e vestuário.
O Canadá teria uma economia mais complexa, com redes de profissionais e
instituições mais capazes de trazer prosperidade.
Desta forma, o
Índice confirmaria a crítica de Leontief ao uso exagerado na economia de
índices agregados, que desconsideram informação sobre indústrias específicas
(Hidalgo, 2015). Leontief se baseava nas famosas matrizes insumo-produto
que lhe renderam um dos primeiros prêmios Nobel em Economia (1973). Já o
Índice, contrariamente a essas matrizes, não possui informações ligando diferentes
setores. Entretanto, os dados de comércio internacional teriam como vantagem a
disponibilidade para muitos países e um amplo período de tempo, além de serem
muito mais desagregados: são milhares de produtos, enquanto as matrizes de
Leontief se baseiam em algumas dezenas de indústrias (Hidalgo, 2015).
A próxima seção
traz outros resultados do índice e analisa suas aplicações, com ênfase no
Brasil.
4.
Resultados e aplicações
Hausmann
e Hidalgo (2011) defendem que o Índice de Complexidade Econômica (ECI) foi
capaz de explicar 75% da variação da renda em 75 países de sua amostra. O
Índice teria poder explicativo muito maior do que um conjunto de indicadores de
governança e qualidade de instituições do Banco Mundial (Worldwide
Governance Indicators, WGI) e do que indicadores de educação. Um exemplo
ilustrativo seria a trajetória de Gana e da Tailândia: o primeiro investiu mais
em educação, enquanto o segundo, com uma estrutura produtiva mais complexa,
cresceu mais.
Em verdade, o
próprio ECI já refletiria também essas variáveis (instituições e educação). No
caso da educação, ao contrário dos indicadores de provas padronizadas, o ECI
seria capaz inclusive de refletir habilidades como criatividade e capacidade de
trabalhar em equipe, essenciais para complexidade econômica (Hidalgo, 2015). O
próprio uso de dados de comércio internacional poderia absorver a qualidade da
governança e de instituições, uma vez que até a exportação de frutos frescos
requer uma aduana minimamente eficiente, bem como conformidade com padrões
sanitários ou fitossanitários internacionais. Seus criadores defendem também
que o Índice de Complexidade Econômica refletiria também o capital social
presente em um país, o que inclui valores culturais (Hidalgo, 2015).
Concretamente,
não é o Índice de Complexidade Econômica por si que apresenta grande poder
preditivo, mas o resíduo de uma regressão entre o Índice e a renda per
capita dos países. Esse resíduo indica países que estão vivendo acima
de suas capacidades, por possuírem renda per capita alta em
níveis relativos, quando se leva em conta a sua estrutura produtiva. Por outro
lado, indica também países com potencial para crescer, ou seja, aqueles que
ainda possuem uma renda relativamente baixa para uma estrutura produtiva
razoavelmente desenvolvida. O resíduo seria preditivo da trajetória dos
países em médio e longo prazo (HIDALGO, 2015):
É
interessante notar que a complexidade econômica não prevê o crescimento
econômico acuradamente para escalas de tempo pequenas, de menos de cinco anos.
Esses tendem a ser dominadas por flutuações causadas por períodos de crise,
mudanças nos preços dascommodities, e em alguma extensão variações das
taxas de câmbio. Durante períodos de tempo mais longo (dez a quinze anos), a
complexidade econômica é altamente preditiva do crescimento econômico futuro,
significando que essas medidas capturam informação da capacidade de uma
economia de gerar renda no longo prazo.
Hausmann
(2012) exemplifica a lógica da comparação da renda per capita com
a complexidade usando os casos de Grécia e Índia. Em 2013, estes países tinham
ECI próximos: 0.27 para Grécia (48º do mundo) e 0.26 para a Índia (50º). No
entanto, a Grécia é significativamente mais rica do que a Índia em termos per
capita. Mesmo em 2014, anos depois do início da grave crise grega, o país
possuía uma renda per capitaque era a 44ª do mundo, quatro vezes
maior do que a indiana (125ª do mundo apenas, segundo dados do FMI).
De
fato, a Índia tem crescido velozmente, enquanto a Grécia se encontra em uma
crise prolongada desde 2009. A discrepância da renda per capita em
relação aos índices de complexidade indicaria que a Grécia está vivendo acima
do que seria possível no futuro, enquanto a Índia possuiria enorme potencial de
crescimento. Para Hidalgo (2015), o conjunto de produtos que um país exporta
seria altamente preditivo do nível futuro de sua renda porque indica o
conhecimento presente em uma sociedade hoje que contribuirá para o seu nível de
prosperidade amanhã. Em Hidalgo e Hausmann (2009), a ligação entre complexidade
e crescimento, como no caso da Índia, é atribuída ao potencial que um país tem
no futuro de desenvolver todos os produtos que são factíveis para o seu
conjunto de capacidades.
Já o Brasil
possuía em 2013 um índice de 0.15, o 56º do mundo. Este seria um avanço de 21
posições desde 1964, mas um retrocesso de impressionantes 32 posições desde
1993 (20 anos antes) ou de 13 posições desde 2003 (10 anos antes), que
coadunaria com a tese de desindustrialização da economia brasileira. Trata-se
de trajetória oposta à da China, que em 1994 estava quase 20 posições atrás do
Brasil, mas nos últimos 20 anos saltou quase 30 posições, chegando ao 22º maior
índice de complexidade. Os dois países praticamente trocaram de lugar em duas
décadas.
Para Hausmann
(2012), a convergência que China ou Índia tem experimentado ocorreu porque a
produção em cadeias globais de valor permitiu que países menos desenvolvidos
fossem pouco a pouco entrando na produção de bens mais sofisticados, permitindo
que as capacidades fossem se acumulando. Este processo gradual seria vantajoso,
uma vez que seria difícil dar um grande salto de uma vez de uma estrutura pouco
complexa para uma muito complexa.
Em 2013, os dez
países com maior Índice de Complexidade Econômica, seriam, em ordem, Japão,
Suíça, Alemanha, Suécia, Reino Unido, República
Tcheca, Coreia do Sul, Finlândia, Áustria e Singapura. Na América Latina,
estariam na frente do Brasil: México (23º), Panamá (44º), Uruguai, (52º),
Argentina (53º), Colômbia (54º) e Costa Rica (55º). Outros emergentes que
também estão na frente do Brasil incluem China (22º), Tailândia (29º), Malásia
(34ª), Rússia (38º), Turquia (40º), África do Sul (45º), Filipinas (49º), e
Índia (50º).
Gráfico
1 – Posição do Brasil no ranking de complexidade econômica – 1964-2013
Fonte:
The Observatory for Economic Complexity (OEC). Disponível em: http://atlas.media.mit.edu/en/.
Em 2013, o Brasil
estava na mesma colocação que estava 40 anos antes – vide gráfico acima. Neste
sentido, a perda de complexidade da economia brasileira a estaria tornando
menos “adaptável”, com menor potencial para usar uma nova habilidade (Britto et
al., 2014). Britto et al. afirmam que a perda de competitividade da indústria
brasileira nos últimos anos foi concentrada nas indústrias manufatureiras de
média de tecnologia (MMT) e de baixa tecnologia (MBT).
Já Vasconcelos (2013)
analisa o período quando a complexidade da economia brasileira esteve
crescendo, concluindo que tiveram grande importância os períodos do Programa de
Ação Econômica do Governo (PAEG), do milagre econômico e do II Plano Nacional
de Desenvolvimento (II PND). Tais períodos teriam sido bem sucedidos, não
em investir nas vantagens comparativas do país, mas em mover a estrutura
produtiva ao centro do espaço de produtos – conceito que será apresentado a
seguir. Por ora, o centro do espaço de produtos é onde estariam os
produtos mais sofisticados, com maior potencial de encadeamento (a la
Hirschman).
Segundo
o Atlas de Complexidade Econômica de 2011, os produtos mais
complexos pertenciam aos grupos de máquinas e equipamentos ou química (como
utensílios que fazem uso de radiação ou raios-X), enquanto os produtos menos
complexos eram commodities como petróleo bruto, minério de
estanho, algodão e grãos de cacau.
Para
o Brasil, o portal DataViva3, criado por uma série de organizações e
com o apoio do Governo de Minas Gerais, traz uma grande quantidade de
informações para estados e municípios. Em 2014, as economias mais complexas
seriam as de São Paulo (com ampla margem), Rio de Janeiro e Amazonas, enquanto
as menos complexas as de Bahia, Pará e Santa Catarina4. O Gráfico 2,
abaixo, relaciona os dados de complexidade de 2014 com os dados o PIB per
capita em 2013.
Gráfico
2 – Índice de Complexidade e PIB per capita, por unidade federativa.
Fonte: Elaboração
própria, a partir de dados do DataViva e do IBGE.
O
Gráfico revela que, embora o índice de complexidade seja muito similar para os
estados brasileiros (com a exceção do outlier São Paulo), o
PIB per capita diverge muito. As unidades federativas (UF)
destacadas são algumas daquelas que, segundo a lógica apresentada
anteriormente, teriam maior ou menor potencial para crescer no médio e no longo
prazo, de acordo com a sua posição em relação à linha de regressão.
Nesse
sentido, as UF que teriam menor potencial para crescer no futuro, por já terem
um nível de renda elevado face à sua estrutura produtiva, seriam o Distrito
Federal e estados muito dependentes decommodities como o Rio de
Janeiro (petróleo), Espírito Santo (petróleo e minério de ferro) e Mato
Grosso/Mato Grosso do Sul (soja, carne). Por outro lado, se esperaria
crescimento mais acelerado, no médio e longo prazo, para cinco estados
nordestinos: Piauí, Maranhão, Alagoas, Paraíba e Ceará, que possuem um PIB per
capita bem abaixo de outros estados com complexidade semelhante.
Note que isto não quer dizer que estes estados liderariam o crescimento do
país, mas teriam grande potencial para convergir partindo de seus níveis atuais
de PIB per capita, que são muito baixos.
Gráfico análogo é
apresentado abaixo para países, enfatizando a posição do Brasil, e de Grécia e
Índia, países comparados anteriormente.
Gráfico
3 – Índice de Complexidade e renda per capita (log) por país – 2008
Fonte: Hausmann et
al. (2011).
5.
O espaço de produtos
Os
criadores do Índice de Complexidade Econômica também apresentaram outra
interessante ferramenta para analisar a economia de um país: o espaço de
produtos, disponível para dezenas de países na página do Atlas de
Complexidade Econômica. Ainda de acordo com os dados de comércio exterior,
o espaço de produtos permite visualizar a estrutura produtiva de uma economia
em apenas uma figura. No espaço, cada ponto corresponde a um produto, que pode
estar ligado a um outro ponto, ou a vários outros pontos, de acordo com a
probabilidade que os produtos têm de serem exportados conjuntamente (o que
reflete a conexão na produção deles). Assim, produtos mais complexos tendem a
ter várias ligações e se situar no meio do espaço, como máquinas e
equipamentos, químicos e metais processados, enquanto commoditiestendem
a ficar na periferia do espaço.
O espaço de
produtos é o mesmo para todos os países, e foi gerado computacionalmente a
partir dos dados de comércio exterior, sem que tenha sido necessário fazer
qualquer hipótese a respeito dos produtos ou das indústrias. O que muda, de
país para país, é o destaque dado para os produtos em que existe vantagem
comparativa: eles aparecem coloridos e serão tão maiores quanto maior for o seu
peso no comércio. As cores diferentes se referem a indústrias diferentes,
escolhidas pelos pesquisadores que o criaram (ex: tons de azul se referem a
máquinas ou eletroeletrônicos, a cor rosa se refere a químicos).
As Figuras 1 e 2
apresentam o espaço de produtos da economia brasileira em 1963 e em 2013.
Figura 1 – Espaço
de produtos – Brasil (1963)
Fonte: The
Observatory for Economic Complexity.
Figura 2 – Espaço
de produtos – Brasil (2013)
Fonte: The
Observatory for Economic Complexity.
Neste período, a
estrutura produtiva foi migrando ao centro do espaço de produtos, ilustrando a
vantagem comparativa em produtos mais complexos, como caminhões e tratores. No
entanto, um dos principais produtos do país (revelado pelo tamanho do ponto) é
a soja, em cor bege e abaixo, um produto que seria periférico, com poucas
conexões com outros produtos e baixo potencial para desenvolver novas
indústrias. Já a Figura 3 apresenta o espaço de produtos da China em
2013.
Figura 3 – Espaço
de produtos – China (2013)
Fonte: The
Observatory for Economic Complexity.
A página do Atlas
mantida pelo Observatório de Complexidade Econômica do MIT, bem como o DataViva
para o caso brasileiro, permitem visualizar com detalhes o espaço de produto de
vários países.
6.
Considerações finais: complexidade e política industrial
Com base em
instrumentos como o Índice de Complexidade Econômica e o espaço de produtos, a
pesquisa em complexidade daria ensejo a prescrições de política industrial que
lembram muito a pesquisa de autores considerados heterodoxos, apesar de
ter florescido em centros como MIT e
Harvard.
Hidalgo
e Hausmann (2009), explicitamente retomando as ideias de Albert Hirschman,
defendem uma estratégia de desenvolvimento que promova produtos de modo a criar
incentivos para o acúmulo de mais capacidades. Essas capacidades adicionais
poderiam sucessivamente trazer mais produtos e mais capacidades. Isso
equivaleria, no espaço de produtos, a tentar chegar mais próximo do núcleo, por
meio do caminho menos arriscado, conforme as vantagens comparativas reveladas
atuais. Conforme o espaço de produtos, a ênfase em commodities levaria
a becos praticamente sem saída. Já Hausmann (2012) defende uma política
industrial que invista em indústrias mais parecidas com as que já existem
em um país.
A
discussão sobre política industrial no Brasil esteve repleta de controvérsias
nos últimos anos, com destaque para temas como a política de “campeões
nacionais” e a desindustrialização. Instrumentos como o Índice de Complexidade
Econômica ou o espaço de produtos permitiriam uma análise mais criteriosa sobre
os setores de nossa economia, o que poderia ser útil até mesmo para aqueles que
defendem uma política industrial mais agressiva e menos horizontal (o que tende
a ser mais caro à “heterodoxia”). Para qualquer ponto de vista neste debate, a
pesquisa sobre complexidade de Hidalgo e Hausmann, aqui apresentada, parece
promissora por fornecer para a discussão insumos com bases mais empíricas.
Por Pedro Fernando Nery - Doutorando e Mestre
em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do
Trabalho, Renda e Previdência.