Possuir um
produto de alta tecnologia nos traz prazer e qualidade de vida. Com ele, nossas
tarefas são facilitadas e “parecemos” uma pessoa de sucesso, pois a impressão é
que aquilo custou muito caro e que somente os bem-sucedidos e com bom salário
têm condições de exibi-lo.
A cada lançamento de
um desses artefatos alarga-se o fosso que separa as classes sociais no Brasil.
Quem pode comprá-lo tem acesso a conhecimentos que a outros não é permitido.
Além de um suposto respeito que se adquire, a posse de tais produtos
tecnológicos cria uma aura de “um ser superior”.
Mas nem tudo é o que
parece ser. Por isso, se pudéssemos abrir uma “janela” em cada produto desses
para vermos o que está por trás de sua produção, com toda a certeza um filme de
terror seria projetado na tela da nossa consciência.
Esquecemos – ou
muitos não têm ideia – que todo produto de alta tecnologia nasce de uma mina,
de um poço de petróleo ou de uma floresta. O que vale dizer que, de alguma
forma, o planeta é afetado com aquela produção, ao mesmo tempo em que os
insumos utilizados vão escasseando para as gerações vindouras. A
sustentabilidade fica ainda mais vulnerável.
Na outra ponta, temos
uma economia que faz de tudo para tornar viável os negócios oriundos da
comercialização desses produtos e considera ter alcançado o sucesso quando as
vendas crescem. Está fora desse cenário econômico e comercial a preocupação com
os impactos perversos que ocorrem nos extremos da cadeia produtiva.
Vamos a alguns
exemplos. A produção de um smartphone envolve uma cadeia de aproximadamente
250.000 (!!) operários, no mundo. Grande parcela dessa mão de obra está em
minas para extrair o minério de lítio usado na confecção das baterias ou para
extrair o minério de tântalo, insumo básico para capacitores de alta
capacidade.
Em ambos os casos, as
condições desses operários são as mais adversas e desumanas, não têm à
disposição equipamentos de proteção individual adequados. É o que se vê nas
minas de lítio bolivianas.
No Congo, país
africano, a situação é ainda mais grave. Crianças são utilizadas na extração do
minério de tântalo em condições de trabalho idênticas a dos seus antepassados
do tempo da escravidão.
Símbolo de
sustentabilidade
O veículo elétrico,
hoje o símbolo de sustentabilidade com status ambiental, é realmente um agente
da felicidade ou um instrumento da escravidão? Os projetistas desses veículos
têm ideia do impacto de seus projetos no planeta? Não creio.
A maioria dos
desenvolvedores de tecnologia enxerga seu produto apenas no momento da criação,
num grande encantamento. Todavia, eles esquecem de olhar qual a origem da
matéria-prima utilizada para a fabricação desses veículos. Até mesmo como será
o descarte ou reciclagem de tais veículos, inclusive das baterias que são
utilizadas.
O que fazer para
quebrar esta cadeia? A academia ainda não tem a resposta.
Ao buscar a
excelência acadêmica por meio de boas avaliações nos rankings com suas
publicações qualificadas, entopem os acadêmicos com conteúdos tecnológicos, de
grande utilidade para os criadores de tecnologia focados no presente. Mas se
esquecem da importância do conteúdo humanístico que agrega consciência
ambiental e social necessária para o profissional que aprendeu com os erros de
seus antepassados e tem seu olhar focado no futuro. Um futuro que precisa estar
na trilha das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas – ONU.
Devemos buscar a
transformação da formação multidisciplinar de uma única área do conhecimento
para a formação transdisciplinar que mescla conteúdo tecnológico
interdisciplinar com conteúdo humanístico que impacta na sociedade.
Por derradeiro,
nossas escolas de formação tecnológica continuam formando seus estudantes com
conteúdos semelhantes àqueles exigidos para o ingresso em programas de
doutorado e se esquecem de oferecer o conteúdo necessário à formação de um
cidadão – realmente preocupado com o presente e o futuro da humanidade.
Jornal da USP, José
Roberto Cardoso
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