Estudantes têm medo de denunciar professores e sofrer retaliaçãoFoto: Fotolia/GVS |
Abusos cometidos por professores, uma triste realidade
Universitários
Brasil afora relatam ofensas e ameaças por parte de docentes. Professores são
acusados de, guiados pelo ego, fazerem com que alunos se sintam incapazes ou
não merecedores de ocupar a vaga que conquistaram.
Um jovem baiano foi encontrado morto após sua banca de TCC. A gravação da apresentação não foi divulgada, mas, segundo relatos, uma professora que integrava a banca fez duras críticas à pesquisa do estudante e chegou a desmerecer toda a vida acadêmica do jovem.
Não estou culpando a
professora pela morte do aluno e não irei entrar no mérito do caso em questão, até
porque não tive acesso à gravação da apresentação. No entanto, o caso levou
para fora dos muros da universidade uma velha questão para quem está dentro e
que merece ser discutida: o assédio de docentes universitários na graduação e
pós contra discentes e orientandos.
Nada do que irei escrever a
seguir deve assumir uma figura de generalização, ou seja, nem todos os docentes
são abusivos. Ouvi o relato de mais de 50 vítimas de abuso cometido por algum
professor ou orientador, espalhadas por todo o país. Cada uma das palavras que
irei escrever é fruto direto desses relatos, e espero fazer jus à confiança que
depositaram em mim. Para preservar suas identidades, usarei pseudônimos.
Ofensas e ameaças
Existe uma cultura do
docente como detentor do conhecimento e agente que merece mais respeito do que
o aluno devido aos títulos que possui e às universidades internacionais em que
se especializou. Isso cria um cenário propício a relações tóxicas e abusivas e
torna, para muitos estudantes, difícil perceber abusos.
É comum acharem que se trata
apenas do jeito do professor e que, por ser uma referência na área, ele tem o
direito de ser grosso e depreciar os trabalhos do aluno, que faz isso para
ajudar e que aceitar é sinônimo de respeitar. Nesse cenário, muitas vezes
guiados por ego, é comum docentes fazerem com que seus estudantes se sintam
incapazes ou não merecedores de ocupar a vaga que conquistaram, segundo
relatos.
Notei um ponto em comum
entre os relatos: quase todas as vítimas em algum momento foram chamadas de
burras em alto e bom tom, algumas vezes em público, ouviram a palavra
"lixo" como definição de suas produções e tiveram suas trajetórias
acadêmica desvalorizadas.
Pedro, estudante da UFABC,
se lembra de uma professora que dizia coisas do tipo: "vocês nunca vão
conseguir trabalho" ou "minha filha de 5 anos conseguiria fazer isso
melhor que vocês". Nesses casos, o resultado em comum foi: se sentir
constrangido, desvalorizado e cogitar abandonar a universidade. Alguns
inclusive passaram a tomar medicamentos e fazer terapia após o ocorrido.
Há docentes que utilizam a
mão de obra discente para tarefas que só beneficiarão os próprios professores.
Para isso, geralmente lançam mão de ameaças, como corte de bolsas, e focam em
estudantes de baixa renda, que precisam desses auxílios.
Hellen, estudante da UFPEL,
já passou por essa situação: "Ele mandava eu digitar algumas coisas para
ele depois da aula e dizia que poderia perder minha bolsa caso não fizesse.
Disse também que, como professor da disciplina de TCC, estaria na minha banca e
me daria zero."
Estudantes de baixa não
sofrem apenas com a possibilidade do corte de bolsas. Débora, ex-aluna da PUC,
passou por uma situação constrangedora: "Ao final da prova, sabendo que eu
e um outro colega estávamos indo bem, ele nos abordou e disse que era muito bom
ver alunos que realmente estavam interessados em estudar e não eram como aquele
'pessoal' do Fies e Prouni que não queriam saber de nada. Respondi dizendo que
eu era aluna do Fies e meu colega do Prouni. Depois disso, sua postura mudou e
se tornou mais distante."
Mulheres são as maiores
vítimas
Um outro tipo de relato
recorrente foi o de discriminação entre estudantes homens e mulheres e de como
elas geralmente são as maiores vitimas de abusos dos mais diversos tipos.
Karen, ex-estudante de
engenharia na UTFPR, sofreu muito por ser mulher em um curso historicamente
machista. Já ouviu frases do tipo "você é menina, nem deveria estar
aqui" e passou por situações de ser ignorada quando levantava a mão para
tirar uma dúvida. Ela não está sozinha. Ouvi relatos de um professor do
departamento de Química da USP de Ribeirão Preto que dizia: "Se as
mulheres quiserem sair da aula e ir comer algo está tudo bem, porque o assunto
que seria tratado é mecânica, e mulher não entende disso."
Para Karen, a situação foi
além em uma disciplina no segundo semestre que serviria de base para o restante
do curso. "O professor falava que, para eu passar na matéria, teria que
acontecer uma troca de favores. Obviamente, reprovei." Precisou cursar a
disciplina outra vez, e adivinhem? Era o mesmo professor, e a situação não
melhorou: "Eu entrava e sentava o mais longe possível e só chorava, não
conseguia olhar para ele, e a segunda reprovação veio. Eu estava para abandonar
o curso da minha vida, o meu sonho, quando ele se tornou coordenador, e a
matéria foi assumida por outro."
Com um professor diferente,
cursando a disciplina pela terceira vez, ela foi aprovada. No entanto, o
estrago estava feito para sempre: até hoje ela não se sente segura para atuar
na área abordada.
Situação pior na
pós-graduação
Na pós-graduação, a situação
tem o potencial de piorar drasticamente. O contexto é favorável para isso: o
contato com o professor, agora na figura de orientador, é mais constante. Além
disso, o docente muito provavelmente é uma grande referência na área, com
reconhecimento internacional, e tem influência o bastante para prejudicar toda
a carreira, acadêmica ou na iniciativa privada, do orientando caso queira.
Nesse cenário, não é incomum encontrar grupos de orientandos que estão doentes,
sobrevivendo à base de remédio e tem crises de choro após reuniões.
Na pós, há uma maior
arbitrariedade, subjetividade e abuso de poder nas tomadas de decisão entre os
docentes. E isso acontece desde os processos seletivos. Ouvi o caso de um
orientador da UNESP que, segundo relatos, há anos só aceita mulheres e faz
parte de um grupo de docentes que competem pela orientanda mais bonita, até
mesmo no decorrer da pesquisa. Ignorar ideias e opiniões do orientando seria
uma prática comum.
Pedro, ex pós-graduando na
USP, passou por uma relação abusiva com seu orientador: "Uma vez, em um
evento, ele pediu que a gente passasse a camiseta dele, mas não tinha ferro lá
e dissemos que a gente deveria ir à casa de alguém. Ele começou a gritar, como
se fôssemos animais, para irmos logo." O cenário era de medo, chantagem
emocional e ameaças: "Dizia que, se fôssemos embora, a gente estaria
ferrado e que só iríamos conseguir as coisas debaixo da asa dele."
Medo de denunciar
Você pode estar se perguntando:
por que não denunciam? Há muito medo de denunciar e sofrer retaliação, de ser
reprovado nas disciplinas que o docente em questão leciona e de ser cortado de
projetos, bolsas e outras oportunidades.
Além disso, faltam canais
oficiais e imparciais para isso, fazendo com que quem tenta mudanças tenha a
sensação de estar lutando sozinho. Falei com uma professora de uma universidade
federal em Minas, que preferiu não expor o nome da instituição, que me contou
que tentou implementar uma comissão de proteção às vítimas durante a
investigação, no sentido de evitar que sofram retaliações, mas não encontrou
apoio de seus colegas.
Na Unesp de Bauru, por anos
que um professor em questão doi alvo denúncias de assédio de cunho sexual e
nada aconteceu. Foi preciso que um grupo de alunas se mobilizassem para chamar
a atenção da mídia para o caso. Somente depois disso a instituição se
pronunciou, há algumas semanas, e disse que a investigação está sendo feita.
Gostaria de concluir este
texto trazendo uma resposta para o problema, mas não tenho. A situação é
incrivelmente problemática e enraizada. Talvez eu esteja sendo ingênuo, mas
acredito que um bom caminho para a mudança seja começarmos a falar mais sobre o
assunto, levando-o para fora dos muros dos departamentos e das universidades, e
parar de banalizar as formas mais sutis e diárias que o abuso assume.
DW, Vinícius De Andrade
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