Entre as 35 'prioridades' elencadas pelo Poder Executivo na abertura da
sessão legislativa de 2021 está a aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional - PEC 188. Posteriormente, nas negociações envolvendo o
pagamento de novas parcelas do auxílio emergencial, essa aprovação tem sido a
contrapartida exigida pelo governo. Mas, afinal, o que é essa PEC 188?
A proposição foi apresentada em 2019 pelo Líder do governo no Senado e recebeu
a alcunha de 'Pacto Federativo'.
Na realidade, a iniciativa representa uma ampla revisão de dispositivos
constitucionais, com múltiplos impactos para a administração pública, nos
aspectos orçamentários e de gestão fiscal, bem como no financiamento das
políticas públicas de saúde e de educação. De fato, cuida-se da alteração de 24
diferentes artigos da Carta Magna, de 6 no Ato das Disposições Transitórias,
bem como a inclusão de 5 novos artigos na Constituição e de outros 4 na sua
parte transitória.
Além disso, intenta-se revogar 16 dispositivos constitucionais, bem como o
artigo da LC 141/2012, que fixa valores mínimos a serem aplicados anualmente
pela União em ações e serviços públicos de saúde; e, ainda, a íntegra da Lei
12.858/2013, que dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de
parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela
exploração de petróleo e gás natural. Por fim, propõe-se também a extinção do
Fundo Social instituído pela Lei 12.351/2010, cuja finalidade é constituir
fonte de recursos para programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de
desenvolvimento da educação, cultura, esporte, saúde pública, ciência e
tecnologia, meio ambiente e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Há fundados receios de que tais alterações possam comprometer o financiamento
das políticas sociais, notadamente a educação e a saúde públicas, que seriam
privadas da garantia constitucional de um patamar mínimo de recursos
necessários à sua manutenção e expansão.
Naturalmente, uma mudança de tal porte não pode ser examinada a contento nos
limites estreitos deste artigo. Todavia, pode ser útil chamar a atenção para
alguns aspectos que considero merecer um debate aprofundado e cuidadoso, para
que o resultado alcançado não frustre as supostas boas intenções dos
propositores e represente um retrocesso, tanto social como gerencial, para a
administração pública brasileira.
No plano orçamentário, a PEC 188 extingue os planos plurianuais como
instrumento de planejamento de médio prazo nas esferas federal, estadual e
municipal e institui leis orçamentárias plurianuais, sem
definir para quantos exercícios. Trata-se de uma mudança profunda, cujos
impactos devem ser bem analisados, sob pena de desorganizar o que hoje funciona
no planejamento e na gestão orçamentária.
Não se explica, por exemplo, como compatibilizar a gestão plurianual do orçamento com os
dispositivos que preveem a prestação anual de contas e a sua análise pelos
Tribunais de Contas e o julgamento pelo Legislativo. No momento em que o país
sequer tem o orçamento de 2021 aprovado, não se afigura sensato promover às
pressas essa transformação radical.
Ao Tribunal de Contas da União - TCU é atribuída a competência de
consolidar a interpretação de leis complementares
sobre finanças públicas,
orçamentos, dívida pública e fiscalização financeira
da administração, mediante orientações normativas com caráter vinculante para
todos os demais órgãos de controle
externo. Atribui-se também ao TCU o poder de anular decisões de outros TCs que entender
divergentes do seu entendimento e avocar para si as decisões que não forem
alteradas no prazo que determinar. São propostas que merecem debate, porém no
meu entender num contexto muito mais amplo de redesenho do sistema de controle externo brasileiro, de
modo a torná-lo efetivamente um sistema com excelência técnica.
Em suma, o chamado Pacto Federativo embute um significativo Impacto
Centralizador e o seu debate não deveria ser sufocado na correria pelo auxílio
emergencial.
Por Luiz Henrique Lima, em O Estado de S.
Paulo
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