Por Marcos Mendes
Existe uma sensação generalizada de
que as assembleias legislativas e os tribunais de contas estaduais consomem
elevados recursos financeiros. Este texto avalia se isso de fato ocorre.
Ademais, compara as despesas dos diferentes estados, de modo ressaltar os casos
mais extremos.
A primeira constatação que se faz ao
se buscar dados acerca das despesas anuais das assembleias e tribunais de
contas estaduais é que falta transparência na divulgação de tais dados.
Supostamente as informações deveriam estar disponíveis no sítio do Tesouro
Nacional na internet, em um sistema de informação chamado “SISTN”1.
Contudo, quando se solicitam as contas dos legislativos e tribunais de contas
estaduais em tal sistema, a resposta quase sempre obtida é de que os dados
estão indisponíveis.
A segunda opção de levantamento de
dados é uma pesquisa na página de cada assembleia e cada TCE na internet. Os
resultados também são pouco satisfatórios. Em vários estados, o máximo que se
consegue é o valor orçado, não havendo dados para os gastos efetivamente
empenhados ou liquidados.
Frente às dificuldades expostas, os
dados apresentados a seguir podem não refletir fielmente a efetiva despesa de
cada assembleia ou tribunal de contas. São, contudo, o melhor que se pôde
obter.
A Tabela 1 mostra que o gasto total
de assembleias e tribunais estaduais tem valores totais bastante relevantes. Em
2013 foram R$ 14,5 bilhões, sendo R$ 9,4 bilhões nas assembleias e R$ 5,1
bilhões nos tribunais.
Tabela 1 – Despesa Total de Assembleias Legislativas Estaduais e Tribunais de Contas Estaduais – 2013 (R$ milhões)
Fontes: sites das assembleias e tribunais
de contas na internet. Elaborado pelo autor. Notas: Foi utilizada a despesa
orçada para os seguintes estados: AP, CE, MA, PR, RO, RR, e para o TCE do PA.
Foi utilizada a despesa liquidada para os seguintes estados: BA, ES, MT, PB.
Para os demais casos utilizou-se a despesa empenhada.
Uma forma de detectar excessos nas
despesas das assembleias e TCEs é verificar sua evolução ao longo do tempo.
Para isso, é importante ter em conta que ambas as instituições realizam funções
bastante padronizadas. As assembleias propõem e aprovam leis, bem como
fiscalizam ações do Poder Executivo local. Os TCEs cumprem função fiscalizadora
com atribuições definidas nas constituições federal e estaduais. Por isso, suas
estruturas operacionais e seus gastos não precisam crescer, ao longo do tempo,
acima da inflação. Uma vez montada a estrutura de funcionamento de uma casa
legislativa ou de um TCE (construção de sede, aquisição de equipamentos, etc.),
os anos seguintes exigirão apenas as despesas de funcionamento (salários, material
de escritório, etc.) e de reposição dos ativos depreciados (troca de móveis, de
veículos, etc.).
Isso é muito distinto, por exemplo,
da ação de uma secretaria de saúde, que amplia o número de postos de
atendimentos, constrói novos hospitais, expande a clientela atendida. Difere,
também, da ação de uma secretaria de educação, que incorpora novos alunos,
contrata novos professores. Também não se compara às despesas de uma secretaria
de obras que, a cada ano, gasta um montante maior ou menor de recursos, em
função do número e do porte das obras realizadas.
Quando uma assembleia ou um tribunal
de contas aumenta, ano após ano, a sua despesa acima da inflação, isso
significa que, provavelmente, ela está contratando mais funcionários, ou está
concedendo aumentos reais aos funcionários e dirigentes, ou, ainda, está
ampliando o seu gasto de consumo. Tais aumentos podem ser aceitáveis em alguns
momentos. Por exemplo, uma assembleia que estava desestruturada, constrói uma
nova sede ou repõe seu mobiliário. Ou, então, contrata assessores mais
capacitados, que ganham salários maiores. Porém, não se deve imaginar como
normal uma situação de crescimento real de despesa de assembleias e tribunais
de contas ano após ano. No máximo se poderia esperar que a folha de salários
cresça, em termos reais, no mesmo ritmo dos salários do setor privado.
Infelizmente a falta de informações
disponíveis impede que se avalie a evolução das despesas totais de assembleias
e TCEs ao longo do tempo. Há, contudo, um conjunto de informações disponibilizado
pela Secretaria do Tesouro Nacional que ajuda nessa avaliação. Trata-se da
despesa dos estados com a chamada “função legislativa”, que é distinta da
despesa total de assembleias e TCEs.
De acordo com o Manual Técnico de
Orçamento do Ministério do Planejamento, a “função legislativa” abarca todas as
despesas das assembleias e TCEs em suas respectivas áreas fins. Diferem da
despesa total de cada órgão por não considerar seus gastos com aposentadorias e
pensões (classificadas na função “assistência e previdência”), bem como outras
despesas como, por exemplo, planos de saúde para os servidores (classificadas
na função “saúde”).
Deve-se utilizar essa estatística com
cautela, afinal não se pode afirmar com segurança que todos os estados usem
critérios similares para incluir ou excluir despesas em cada uma das diferentes
funções. Feitas essas ressalvas, o Gráfico 1 mostra que o somatório de despesas
legislativas no Brasil cresceu em termos reais, entre 2002 e 2012, nada menos
que 47%, passando de R$ 7,9 bilhões para R$ 11,6 bilhões (em valores de 2012).
Se supusermos que em 2002 o gasto desses órgãos era suficiente para o
cumprimento de suas funções, não haveria motivos para, em 2012, eles se
situarem em nível 47% mais alto. Destaque-se a título de comparação que, de
acordo com o IBGE, o salário real médio entre março de 2002 e abril de 2014
para os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho aumentou em torno
de 17%.
Gráfico 1 – Despesa
de Todos os Estados com a Função Legislativa – 2002-2012 (R$ bilhões)
Fontes: Secretaria do Tesouro
Nacional – Execução Orçamentária dos Estados. Elaborado pelo autor.
Note-se que um dos fatores de
elevação vegetativa da despesa, que é o aumento de gastos com aposentadorias e
pensões, está excluído do conceito de “despesa legislativa”.
O Gráfico 2 mostra a evolução da
despesa legislativa por estado, entre 2002 e 2012. Somente o RJ reduziu a
despesa em 2012 na comparação com 2002. Porém, como será visto adiante, o nível
dos gastos da assembleia e TCE desse estado foram bastante elevados em 2013, de
modo que a queda real ao longo do tempo indica que houve apenas corte de parte
do excesso.
Gráfico 2 – Despesa
com a Função Legislativa por Estado – variação real entre 2002 e 2012 (%)
Fontes: Secretaria do Tesouro
Nacional – Execução Orçamentária dos Estados. Elaborado pelo autor. Nota:
deflacionado pelo IPCA.
Somente RJ, SP, ES e MG não tiveram
crescimento real significativo do gasto. Em nove estados a despesa mais que
dobrou. Em RR multiplicou-se por 3,2. Onde cresceu pouco, essa despesa variou
25% entre 2002 e 2012, o que ainda é um aumento considerável.
O Gráfico 3 mostra que as despesas
das assembleias e tribunais de contas consomem parcela significativa das
receitas dos estados. Em média, elas representam 4,1% da Receita Corrente
Líquida (RCL). Em Roraima chegam a consumir 7,7% da RCL.
Gráfico 3 – Despesa
Total das Assembleias e TCEs como proporção da Receita Corrente Líquida – 2013
(%)
Fontes: sites das assembleias e
tribunais de contas na internet e STN. Elaborado pelo autor.
Uma forma de verificar se isso
representa uma despesa elevada, é comparar com outras categorias de despesa.
Tomamos, a título de exemplo, os gastos estaduais com investimentos. Esses
gastos são importantes para a população, visto que representam a construção de
estradas, infraestrutura urbana, sistemas de saneamento básico, etc. O Gráfico
4 mostra que, em média, os gastos das assembleias e TCEs em 2013 equivalem a
quase a metade de tudo o que se gastou com investimentos em 20122.
Em Goiás e no Rio Grande do Sul, os gastos com aqueles órgãos superam 80% do
que se gasta em investimentos.
Gráfico 4 – Despesa
Total das Assembleias e TCEs em 2013 como proporção da Despesa com Investimento
em 2012 (%)
Fontes: sites das assembleias e
tribunais de contas na internet e STN. Elaborado pelo autor.
Conforme afirmado acima, tanto as
assembleias quanto os TCEs fazem um trabalho padronizado, tendo as mesmas
atribuições constitucionais e legais nos diferentes estados. Por isso não há
motivos para que as despesas das diferentes casas legislativas e TCEs do país
sejam muito distintas entre si. Todas elas têm um custo fixo representado pela
manutenção de sua sede e um custo variável, decorrente das suas operações
cotidianas.
No caso das assembleias, o custo
variável tende a crescer com o número de deputados: quanto mais deputados,
maior o número de assessores, gabinetes, etc. O que o Gráfico 5 mostra,
contudo, é uma grande dispersão do gasto total dividido pelo número de
deputados. Enquanto no Acre esse indicador é de R$ 4,7 milhões por deputado; no
Rio de Janeiro essa cifra chega a R$ 15,9 milhões.
Gráfico 5 – Despesa
Total das Assembleias por Deputado – 2013 (R$ milhões)
Fontes: sites das assembleias na
internet. Elaborado pelo autor.
É verdade que estados com maior PIB e
maior arrecadação tendem a gastar um pouco mais com suas assembleias. Afinal, o
processo legislativo torna-se mais complexo, exigindo assessoria e estrutura
operacional mais qualificada e, portanto, mais cara.
Esse argumento, contudo, não é
suficiente para explicar a alta despesa de RJ e MG. Afinal, São Paulo, mais
populoso e com população maior e organização urbana e econômica mais complexas,
gasta bem menos por deputado. Também não há justificativa para gastos por
deputado tão altos em MT, DF e SC.
No caso dos TCEs não há, sequer,
diferença no número de conselheiros entre estados, visto que o art. 75,
parágrafo único, da Constituição Federal determina que todos eles devem ter
sete conselheiros. Assim, o custo total de todos os TCEs deve ser bastante
similar, o que faria com que os estados de menor receita gastassem uma parcela
maior desta com o órgão. Ainda que se possa argumentar que estados com orçamentos
maiores exigiriam auditorias mais complexas e mais caras, elas não seriam tão
mais caras a ponto de, por exemplo, dobrar o custo de operação do TCE.
O Gráfico 6 mostra que o estado de
maior receita (SP) tem, de fato, menor relação entre despesa do TCE e sua RCL.
Contudo dois outros estados de alta RCL (MG e RJ) têm despesa muito maior como
proporção da receita, ao passo que estados de menor receita, como CE e BA,
figuram com baixa relação entre despesa do TCE e RCL. Ou seja, a grande
dispersão mostrada pelo Gráfico 6 sugere que há estados que gastam com os seus
TCEs muito acima do que seria exigido por uma operação eficiente desses órgãos.
O MT, por exemplo, apresenta razão entre gastos e RCL equivalente ao dobro da
média nacional.
Gráfico 6 – Despesa
Total dos TCEs como proporção da Receita Corrente Líquida – 2013 (%)
Fontes: sites dos TCEs na internet e
STN. Elaborado pelo autor.
O Gráfico 7 mostra que os estados que
têm alta relação entre despesa com TCE e RCL também tendem a ter alta relação
entre gasto com a assembleia e a RCL. A correlação entre as duas variáveis é
razoavelmente alta, equivalente a 0,45. Ou seja, parece haver uma decisão
política, em cada estado, na qual alguns destinam muitos recursos para os dois
órgãos, enquanto outros controlam mais fortemente ambas as despesas.
Gráfico 7 – Despesa
Total das Assembléias e dos TCEs como proporção da Receita Corrente Líquida –
2013 (%)
Fontes: sites dos TCEs e Assembleias
na internet e STN. Elaborado pelo autor.
Há, portanto, evidências estatísticas
de que as despesas das assembleias e tribunais de contas estaduais cresceu
acima do necessário ao longo dos últimos anos, bem como de que, pelo menos em
alguns estados, situa-se muito acima do necessário para financiar o adequado
provimento dos serviços essenciais fornecidos por aqueles órgãos.
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1 https://www.contaspublicas.caixa.gov.br/sistncon_internet/index.jsp
2 Não foi possível obter, de forma desagregada para todos os estados, dados para os investimentos em 2013.
2 Não foi possível obter, de forma desagregada para todos os estados, dados para os investimentos em 2013.