Da BBC Brasil
Ex-funcionários da Odebrecht em Angola dizem que
não podiam deixar local de trabalho
O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu um inquérito para
investigar a empreiteira brasileira Odebrecht pela possível prática de
aliciamento para trabalho escravo em Angola - acusações negadas pela empresa.
A decisão ocorreu após o órgão ter tomado
conhecimento de Cliquereportagem da BBC Brasil com denúncias de
ex-funcionários contra as condições de trabalho numa usina da empresa no país
africano. O inquérito está a cargo do procurador do trabalho Rafael de Araújo
Gomes, de Araraquara (SP).
Na reportagem, publicada nesta sexta-feira,
operários que trabalharam na construção do complexo industrial Biocom, na
província de Malanje, relatam ter enfrentado uma série de provações, entre as
quais cárcere privado, retenção de passaportes e condições insalubres nos
alojamentos.
Ao custo de quase R$ 1 bilhão, o complexo
industrial será o primeiro de Angola a produzir açúcar, etanol e eletricidade.
O MPT, órgão vinculado ao Ministério Público da
União, também investigará as empresas Pirâmide e a Planusi, ambas com sede no
interior de São Paulo e que foram subcontratadas pela Odebrecht na construção.
Segundo a assessoria do MPT, o órgão solicitou às
empresas informações sobre todos os trabalhadores brasileiros que atuaram na
obra. A Biocom diz que a construção conta hoje com 1.800 funcionários, entre
brasileiros e angolanos.
O órgão diz que também levantará todos os processos
trabalhistas movidos contra as empresas pelas supostas más condições na obra.
Só em Américo Brasiliense (SP), sede da Pirâmide,
tramitam cerca de 60 ações contra as empresas, segundo o advogado José Maria
Camos Freitas, que representa um grupo de trabalhadores egressos de Angola.
Freitas diz que os operários foram submetidos a
"trabalho análogo à escravidão" no país africano.
A partir da investigação, o MPT decidirá se entrará
com ação judicial contra as empresas.
Morte de brasileiro
A investigação tratará ainda da morte do brasileiro
Donizetti Francisco Fernandes, que atuava como coordenador da Planusi na obra.
O corpo de Fernandes, de 55 anos, foi encontrado coberto por queimaduras em 19
de maio em Malanje, cidade a 80 quilômetros da usina. Entre os operários,
conta-se que ele foi amarrado e teve o corpo incendiado após uma briga.
Segundo a Biocom, porém, uma investigação policial
revelou que Fernandes morreu por causa de "queimaduras diversas após um
curto-circuito da geladeira, que provocou um incêndio nas instalações onde se
encontrava", fora das instalações da indústria, quando ele estava de
folga.
Parentes e amigos do operário contestam a versão.
Seu corpo, trazido ao Brasil em 30 de maio, foi enterrado em Sertãozinho (SP).
Com inauguração prevista para 2014, o complexo
industrial Biocom é uma sociedade entre a Odebrecht (40%), a angolana Damer
(40%) e a estatal petrolífera Sonangol (20%). A legislação angolana obriga
empresas estrangeiras a se associar com grupos locais em investimentos no setor
de biocombustíveis.
Indenização
Em primeira instância, a Justiça tem determinado
que os trabalhadores que entraram com ações contra as empresas sejam
indenizados.
Em decisão recente numa ação movida pelo operário
Dilmar Messias da Silva, o juiz federal do trabalho Carlos Alberto Frigieri diz
que o empregador "não preparou o ambiente de trabalho para o significativo
número de trabalhadores que transportou para Angola, deixando de proporcionar
condições mínimas de higiene, tornando o trabalho mais penoso e
degradante".
Ele condenou a Odebrecht e a Pirâmide, empregadora
direta do operário, a indenizá-lo em R$ 30 mil por danos morais e horas extras
não pagas.
As empresas, que negam haver qualquer
irregularidade na obra, recorreram da decisão e de todas as outras condenações.
Os recursos serão analisados pelo Tribunal Regional
do Trabalho da 15ª Região, em Campinas.
As companhias dizem que as instalações e condições
de trabalho na usina atendem às legislações brasileira e angolana. Elas negam
as acusações de cárcere privado e afirmam que os seus funcionários visitam
cidades próximas com frequência.
De acordo com as empresas, "problemas
pontuais" nos refeitórios e alojamentos, como alguns decorrentes de
vazamentos no período de chuvas, foram rapidamente sanados.