A conjuntura atual é conturbada. A economia vai mal, a política
nem se fala. Em tempos de crise fiscal e instabilidade no Congresso,
propagam-se falácias e teorias descabidas acerca do futuro do país. Há quem
clame por mudança e quem brade “golpismo”.
Mas,
afinal, quem assume em caso de queda da presidente da República? Por quais
meios ela pode ser destituída? É real a possibilidade de um impeachment? E a
cassação pelo TSE? Quais os riscos que o desenrolar de tal processo poderia
trazer para o país? Qual o papel do povo brasileiro e como a opinião pública
influencia no processo?
A
seguir, tentarei responder a cada uma dessas questões.
Hipótese
1: Impeachment
As
buscas no Google combinando as expressões “impeachment” e “quem assume”
cresceram cerca de 350% neste ano. As pesquisas sobre o vice-presidente, Michel
Temer, também dispararam, demonstrando que há grande interesse público acerca
do tema. No entanto, o que é verdade e o que é mentira?
Em
primeiro lugar, cabe esclarecer que o impeachment consiste em processo
instaurado com base em denúncia de crime de responsabilidade contra certas
autoridades, como o presidente da República, o vice-presidente, ou os Ministros
do Supremo Tribunal Federal.
Especificamente
no caso do presidente da República, o art. 85 da Constituição Federal de 1988
define que são crimes de responsabilidade os atos que atentem contra a
Constituição e, especialmente, contra: a existência da União; o livre exercício
do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração;
a lei orçamentária; e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Ademais,
o parágrafo único do art. 85 afirma que os crimes supracitados serão definidos
em lei especial, que também estabelecerá o processo de julgamento. Essa norma
já existe, é a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define inúmeras
hipóteses, amplas e genéricas, de crimes de responsabilidade, como, por
exemplo, “infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei
orçamentária”, “permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei
federal de ordem pública” ou mesmo “proceder de modo incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Ora,
resta claro que tanto a Constituição quanto a Lei nº 1.079, de 1950, deixaram
significativo espaço para interpretações acerca do que se enquadra no conceito
de crime de responsabilidade. Assim, a perda de apoio político e social
certamente facilita a deflagração do processo, uma vez que, conforme acima
exemplificado, não é difícil, ao contrário do que muitos propagam, encontrar
uma justificativa jurídica válida para abertura do processo.
Até
porque, quanto a isso, a Constituição e a Lei permitem que qualquer
cidadão faça a denúncia contra o presidente da República por crime de
responsabilidade perante a Câmara dos Deputados, à qual caberá a admissão da
acusação e a consequente abertura do processo de impeachment mediante voto de
dois terços de seus membros, ou seja, 342 deputados federais dos 513 existentes
(Constituição Federal, art. 51, I). Não há demais exigências. A Lei permite, em
seu art. 16, até mesmo que os documentos comprobatórios da denúncia não sejam
apresentados inicialmente, exigindo apenas a indicação do local onde estes
possam ser encontrados futuramente.
Portanto,
caso a Câmara considere que as artimanhas utilizadas pelo Tesouro Nacional –
com consentimento da presidência da República, para artificialmente inflar os
cofres públicos, mediante atraso no repasse de bilhões aos bancos públicos nos
últimos anos – se enquadram em qualquer um dos itens da Lei nº 1.079, de 1950,
que definem os crimes de responsabilidade, haverá justificativa jurídica mais
que válida para início do processo, desde que seja obtido o quórum de dois
terços naquela Casa. Até porque, conforme acima exposto, diante da vastidão
conceitual deixada pelo legislador constitucional e infraconstitucional, a
decisão de se enquadrar uma prática como crime de responsabilidade é, acima de
tudo, política.
Ou
seja, as “pedaladas” podem, sim, configurar subsídios mais que suficientes para
abertura de um processo de impeachment. Acerca do tema, vale destacar que cabe
ao Tribunal de Contas da União (TCU) apenas apreciar anualmente as contas do
presidente da República, mediante a emissão de parecer prévio, conforme ocorreu
recentemente, quando o órgão, em votação unânime, ofereceu parecer orientando
pela rejeição das contas. Pronto, o TCU não tem mais nenhum papel direto no
julgamento das contas presidenciais, que deverá ser feito pelo Congresso,
conforme inciso IX do art. 49 da Constituição.
No
entanto, ao contrário do que se propaga, a rejeição das contas, que sequer
exige quórum qualificado, não deflagra a abertura do processo de impeachment.
Apenas pode servir de justificativa para a abertura de um processo, que só será
instaurado, não custa repetir, com aprovação de dois terços da Câmara. Ademais,
não necessariamente o Congresso precisa rejeitar as contas da presidente para
que existam subsídios para um impeachment. A abertura de um processo e a
eventual cassação do mandato presidencial são atribuições do Poder Legislativo
que não estão obrigatoriamente interligadas a tal rejeição. Conforme
anteriormente exposto, se os deputados federais considerarem que as pedaladas
fiscais ou quaisquer outros atos do governo são contrários, por exemplo, à
dignidade, à honra e ao decoro do cargo de presidente da República, pode ser
deflagrado o impeachment, conforme item 7 do art. 9º da Lei nº 1.079, de 1950.
A partir
daí, é com o Senado. Se a Câmara oficializar a acusação ao chefe do Poder
Executivo, este será suspenso das suas funções (e terá metade de sua
remuneração cortada) imediatamente após a instauração do processo pelo Senado1.
No caso de crime de responsabilidade quem decide é o Senado. O único papel do
Supremo Tribunal Federal (STF) é ceder seu presidente, que presidirá o
julgamento do acusado. Entretanto, quem condena são os senadores, mediante voto
de dois terços de seus membros, ou seja, 54. Em caso de condenação, a
presidente da República ficará oito anos impossibilitada de exercer qualquer
exercício de função pública2. Não poderá nem mesmo realizar concurso
público. E isso sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. 3
O rito
previsto na Lei de Crime de Responsabilidade e na Constituição é esse.
Exigências extras, como as definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
que estabelecem, por exemplo, a formação de uma comissão especial para analisar
previamente o pedido de impeachment, são determinações processuais previstas no
art. 218 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que é uma resolução e,
portanto, também é norma primária, hierarquicamente no mesmo nível que qualquer
lei ordinária ou complementar. A diferença é apenas que, precipuamente, uma
resolução disciplina assuntos políticos e administrativos internos da
respectiva Casa Legislativa. Dessa forma, a decisão liminar do STF de suspender
tais ritos aparentemente invadem assuntos interna corporis do Legislativo e exaltam um
excesso de intervencionismo do Judiciário. A Câmara não está descumprindo o
ordenamento jurídico. As exigências legais e constitucionais, como o quórum de
dois terços para a abertura do processo, continuarão tendo de ser atendidas. A
Casa apenas regulamentou, de forma legal, o rito da matéria antes da votação de
mérito, o que acontece também, por exemplo, com as Medidas Provisórias,
regulamentadas pela Resolução nº 1, de 2002-Congresso.
Mas,
após todo o rito processual ter sido cumprido, se realmente ocorrer a perda do
mandato, quem assume? O art. 79 da Constituição afirma que é o vice-presidente
da República, a quem caberá completar o tempo de mandato do impeachmado.
Porém,
no caso de cassação também do vice, o presidente da Câmara dos Deputados não se
torna presidente da República. O que ocorre é que o art. 80 da Carta Magna diz
que, em caso de impedimento ou vacância do presidente e do vice, serão
sucessivamente chamados ao exercício da presidência o presidente da Câmara dos
Deputados, o do Senado e o do Supremo Tribunal Federal. Mas esse exercício é
apenas temporário. Se realmente houver vacância dos cargos de presidente e
vice-presidente da República, há realização de novas eleições, conforme art. 81
da Constituição.
Nesse
caso, se as vacâncias ocorrerem nos dois primeiros anos do mandato, ou seja,
até o fim de 2016 se considerarmos o mandato presidencial em curso, haverá
novas eleições diretas para presidente e vice, noventa dias após a abertura da
última vaga; porém, se as vacâncias se derem nos dois últimos anos (2017-2018),
as eleições para ambos os cargos serão indiretas, ou seja, não serão os
cidadãos que votarão, mas os parlamentares que compõem o Congresso, e ocorrerão
dentro de trinta dias após a última vacância. Por fim, sobre o tema, vale
ressaltar que os eleitos, em quaisquer das hipóteses analisadas, não serão
empossados para um novo mandato de quatro anos, mas apenas para governar
durante o tempo que faltava para que os impeachmados cumprissem seus mandatos.
É o chamado “mandato-tampão”.
Hipótese
2: Cassação do mandato pelo TSE
Quem
nunca recebeu uma corrente de Whatsapp ou Facebook conclamando o povo brasileiro a
votar nulo nas eleições, pois, caso mais da metade da população assim o
fizesse, não haveria eleitos e teria de ser convocado um novo pleito.
Lembram-se disso? Pois é, podem esquecer de uma vez por todas.
A
confusão se dá devido ao art. 224 do Código Eleitoral afirmar que, se a
nulidade atingir mais da metade dos votos do país nas eleições presidenciais,
estaduais ou municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) marcará dia para nova eleição. Todavia, essa
nulidade a que se refere nossa legislação não é o voto nulo ou em branco, os
quais sequer entram no cômputo dos votos totais ou para determinação do
quociente eleitoral. Eles são simplesmente ignorados, como se nunca tivessem
existido. Portanto, ao contrário do que as citadas correntes dizem, em tese, se
o País inteiro votar nulo ou em branco e apenas uma pessoa votar em um
candidato, este será eleito, sem necessidade de novas eleições.
Essa
nulidade a que diz respeito o art. 224 supracitado tem grande relevância para
nosso estudo. Ela se refere à constatação de alguma fraude no processo
eleitoral, como, por exemplo, compra de votos ou recebimento de recursos
ilegais durante a campanha. Em tais hipóteses, a Lei é clara ao afirmar que
deverão ser convocadas novas eleições se a nulidade abarcar mais de 50% dos
votos.
Entretanto,
o TSE considera que esse dispositivo se aplica para candidatos eleitos em
primeiro turno4, uma vez que, em tal caso, a decretação, pela
Justiça Eleitoral, da nulidade dos votos do candidato vencedor já significa que
houve a nulidade de mais da metade dos votos válidos. Em razão do silêncio
normativo acerca de quando a nulidade englobar menos de 50% dos votos válidos
no primeiro turno, ou seja, quando o candidato tiver sido eleito no segundo
turno, o TSE vinha aplicando o entendimento de que o segundo mais votado
deveria assumir, se este tivesse maioria absoluta dos votos em primeiro turno,
após se considerar a exclusão dos votos anulados do universo dos votos válidos;
ou, caso o segundo mais votado não tivesse obtido maioria absoluta após as
anulações, o entendimento de que deveria haver um novo segundo turno entre os
dois candidatos mais votados no primeiro, excluído o cassado5.
Alguns
Governadores estaduais devem seus mandatos a tal decisão. No ano de 2009, o TSE
decidiu cassar os diplomas do governador do Maranhão, Jackson Lago, e de seu
vice, Luiz Carlos Porto, acusados de terem comprado votos e abusado do poder
econômico durante a campanha eleitoral. Concomitantemente, foi decido que a
segunda colocada nas eleições, Roseana Sarney deveria ser empossada, juntamente
de seu vice, João Alberto, uma vez que, após exclusão dos votos nulos de
Jackson Lago, ela tinha maioria absoluta dos votos válidos no primeiro turno. O
mesmo ocorreu na Paraíba, também em 2009, quando o mandato do então governador,
Cássio Cunha Lima, foi cassado pela Justiça Eleitoral, que deu posse ao segundo
colocado, José Maranhão.
Outro
exemplo é o do ex-governador do Tocantins, Marcelo Miranda, e de seu vice,
Paulo Sidnei, que haviam sido eleitos em primeiro turno nas eleições de 2006,
mas tiveram seus mandatos cassados em 2009, por abuso de poder político.
Conforme o entendimento da Justiça Eleitoral supracitado, o segundo colocado
geral não assumiu, já que houve nulidade de mais da metade dos votos válidos,
uma vez que Marcelo Miranda tinha sido eleito em primeiro turno, ou seja, com
mais de 50% dos votos válidos. Assim, foi realizada nova eleição, que foi
indireta, realizada pela Assembleia Legislativa do Tocantins, já que faltavam
menos de dois anos para o término do mandato do cassado.
Ocorre
que o TSE atualmente investiga, em quatro processos distintos, a entrada de
doações ilegais à campanha do PT na eleição presidencial de 2014. Nesse caso,
havendo declaração de nulidade dos votos dados à presidente Dilma Rousseff e a
consequente perda de mandato, diferentemente dos casos de crime de
responsabilidade, não há que se falar em autorização de abertura de processo
pela Câmara ou em julgamento pelo Senado, tudo se resolve no âmbito do Poder
Judiciário. Ademais, uma vez que a presidente não obteve mais de 50% dos votos
válidos em primeiro turno e, considerando que o candidato Aécio Neves teria a
maioria absoluta votos já em primeiro turno se os votos direcionados à
candidata do PT fossem anulados (Dilma obteve 41,59% e Aécio 33,55% dos votos válidos
em primeiro turno. Logo, excluindo-se o percentual da presidente, Aécio teria
57,43% dos votos válidos), levando em consideração a supracitada jurisprudência
do TSE, este poderia ser empossado sem a realização de novas eleições.
No
entanto, cumpre informar que a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015,
acrescentou § 3º ao art. 224 do Código Eleitoral, para impedir que o
entendimento do TSE acima explanado continuasse a se propagar. De acordo com o
novo parágrafo, a decisão da Justiça Eleitoral que implique no indeferimento do
registro, na cassação do diploma ou na perda do mandato de candidato eleito em
pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas
eleições, independentemente do número de votos anulados, afastando, assim,
casos similares aos anteriormente examinados.
Porém,
especificamente em relação às últimas eleições presidenciais, tal dispositivo
poderia ser inócuo, pois foi aprovado apenas em 2015. À primeira vista, o
parágrafo acrescido ao Código não modifica o processo eleitoral propriamente
dito, devendo, portanto, ser aplicado de imediato, o que impediria a posse de
Aécio em caso de cassação da presidente pela Justiça Eleitoral. Todavia, caso o
STF decida que ocorreu, sim, alteração do processo eleitoral, a mudança terá de
respeitar o princípio da anterioridade eleitoral, o qual, nos termos do art. 16
da Constituição, define que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em
vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um
ano da data de sua vigência. Nesse sentido, não custa lembrar que a decisão
acerca da aplicação ou não do princípio da anterioridade eleitoral costuma ser
controversa e polêmica. Recentemente, o STF decidiu que a Lei da Ficha Limpa
alterava, sim, o processo eleitoral e, consequentemente, não poderia ser
aplicada às eleições do ano de sua publicação, 2010. O detalhe é que o STF só
tomou essa decisão após a nomeação do Ministro Luiz Fux, que desempatou a
votação (que foi de seis a cinco), a favor do respeito ao princípio da
anterioridade. Logo, fica claro que existem divergências de interpretação entre
os Ministros do Supremo acerca do que altera, ou não, o processo eleitoral.
Portanto,
existe um problema de complexidade jurídica que permite que o TSE tente aplicar
a jurisprudência anterior ou altere seu entendimento, já absorvendo a mudança
legislativa realizada, o que seria o mais prudente. Se o TSE tentar manter o
seu entendimento em situações de cassação similares, antes da alteração do
Código Eleitoral, o caso deverá ser decidido pelo STF.
No
caso de cassação do mandato, novamente, não há assunção definitiva ao poder do
presidente da Câmara ou de qualquer outro. Se cassados os mandatos tanto da
presidente quanto de seu vice, deverá haver a convocação de novas eleições,
diretas ou indiretas, dependendo de a cassação se efetivar nos dois primeiros
ou nos dois últimos anos do mandato; ou a posse do segundo colocado, Senador
Aécio Neves, juntamente de seu candidato a vice, Senador Aloysio Nunes. Qual
entendimento irá prevalecer dependerá da decisão do TSE acerca da aplicação, ou
não, da jurisprudência até então utilizada pelo Tribunal, e da decisão do STF,
sobre a validade do princípio da anterioridade eleitoral para o caso.
Desfecho
Seja
qual for o desfecho desse imbróglio, o país sairá indiscutivelmente deteriorado
da atual crise política e se encontrará em um horizonte ainda mais incerto. A
definição do que se qualifica como crime de responsabilidade, em razão da
amplitude do ordenamento jurídico aplicável e do poder decisório do Poder
Legislativo na questão, tem um viés político muito significativo. Ademais, caso
o TSE venha a optar por manter a jurisprudência até então utilizada e dê posse
ao segundo mais votado nas eleições de 2014, estará ignorando uma mudança legislativa
recente e legitimando um governo que, de fato, não foi eleito pela maioria dos
brasileiros, o que abriria caminho para uma agrura política sem precedentes.
Portanto,
uma vez que o Legislativo costuma se guiar pelo “clamor das ruas” e o TSE não
tem uma linha de atuação absolutamente definida em caso de cassação do mandato
presidencial, a manifestação popular terá papel importantíssimo na definição
dos rumos do país, tanto na potencial deflagração de um processo de impeachment
quanto nas ilações posteriores, no caso de uma condenação.
Apesar
de, à primeira vista, poder parecer sedutora a ideia de simplesmente se
derrubar o governo atual e se buscar uma nova ordem neste momento de crise
política, econômica e social, os cidadãos pátrios precisam refletir e avaliar
as repercussões de um possível impeachment. Precisamos assumir nossa
responsabilidade como eleitores. Entender o relevante papel social que existe
no voto e que a crítica deve também ser prévia a este e não apenas posterior.
Não podemos apenas culpar presidentes e parlamentares e solicitar a queda
destes quando não mais estiverem satisfazendo os nossos próprios desejos
egoístas. Ao contrário, nos cabe assumir que eles são, sim, reflexo e
representantes de seus eleitores, por mais que a nossa tendência seja
imediatamente a de negar tal realidade perturbadora. Afinal, foram eleitos com
milhares, ou milhões, de votos. Obviamente, não deve preponderar a
irresponsabilidade de quem seja culpado pelo cometimento de crimes, mas deve
existir uma análise séria e meticulosa do que é culpa de fato e do que é
impaciência, egocentrismo e sede de benefícios individuais em detrimento do bem
comum.
O
Brasil tem apenas 27 anos de democracia. Nesse intervalo, foram quatro
presidentes eleitos por voto popular, direta e democraticamente: Fernando
Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff. O primeiro foi deposto por corrupção em 1992. Os outros dois sofreram
ameaças de cassação: FHC sofreu 17 denúncias solicitando o seu impeachment e
perdeu grande parte do apoio popular durante o seu segundo mandato quando fez
reformas duras, mas necessárias; já Lula recebeu 34 denúncias, especialmente
durante o “mensalão”, em 2005. Assim, caso confirmado o impeachment de Dilma,
esta seria a deposição do segundo presidente da República – entre quatro, em um
curtíssimo intervalo de tempo, principalmente se ponderado perante o parâmetro
de tempo da História.
A
mensagem que isso transmite é a de uma democracia ainda pouco consolidada.
Composta por políticos impossibilitados de governar a médio e longo prazo, seja
por erros próprios ou pelas exigências individualistas de uma população
extremamente impaciente, incapaz de arcar com as consequências de um governo
eleito democraticamente que não mais a agrada e que, por isso, pressiona seus
governantes a agirem pensando apenas em aumentar sua popularidade no curto
prazo para garantir a vitória nas próximas eleições. Ou seja, há problemas nas
expectativas, nos incentivos e nas ações tanto dos representantes quanto dos
representados.
Conclusão
Diante
de todo o exposto, é possível concluirmos que:
1)
O impeachment é uma opção viável, resguardada constitucional e legalmente. Para
se deflagrar o processo, basta que dois terços dos deputados federais decidam
que algum ato da presidente da República se enquadra em alguma das vastas
hipóteses de crime de responsabilidade. Após deflagração do processo, caberá ao
Senado julgar a presidente, necessitando de voto de dois terços de seus membros
para confirmar a condenação. Se o impeachment se efetivar, o vice deve assumir.
Caso este também seja impeachmado, deverão ser convocadas novas eleições
diretas, se o processo finalizar nos primeiros dois anos do mandato
presidencial (até o final de 2016), ou indiretas, se o processo finalizar nos
dois últimos anos (a partir de 2017). O presidente da Câmara dos Deputados não
é sucessor definitivo do presidente da República;
2)
A cassação do mandato da presidente e do vice-presidente da República pelo TSE
também é uma opção juridicamente válida. Caso o Tribunal decida que houve abuso
de poder econômico, compra de votos, recebimento de recursos ilícitos ou
quaisquer outras ilegalidades durante a campanha, poderá declarar a nulidade
dos votos. Se tal hipótese se confirmar, o TSE terá de decidir se convoca novas
eleições, adotando o novo dispositivo incluído no Código Eleitoral neste ano de
2015, ou se tenta invocar a anterioridade eleitoral e mantém a jurisprudência
até então utilizada e dá posse ao segundo mais votado, Senador Aécio Neves. Se
prevalecer o último entendimento por parte do TSE, a decisão final acerca do
tema, após recurso, caberá ao STF;
3)
Uma vez que a previsão de impeachment é constitucional, legal e só ocorrerá se
houver apoio da maior parte da população, em razão desta conduzir as ações dos
parlamentares, não há que se falar em “golpismo”. O tratamento legal e
constitucional pouco objetivo acerca do crime de responsabilidade e do processo
de impeachment deixa a cargo do Legislativo definir quando deve ocorrer a cassação
de um mandato presidencial, se tornando um equivalente manco, porém semelhante,
ao voto de desconfiança, ou censura, previsto em regimes parlamentaristas, o
que deixa o regime presidencialista nacional mais flexível e ágil para
responder à opinião pública. Ocorre que os congressistas são guiados pela
vontade do povo, que, muitas vezes, como nos mostra a História, é inconsequente
e autocentrada. Logo, o país terá sua democracia e suas instituições políticas
cada vez mais fortalecidas à medida que sua população passar a ser mais
crítica, tanto em relação aos atos de seus governantes quanto aos seus
próprios.
_______________
1 Lei nº 1.079, de 1950, art. 23, § 5º.
2 A Lei, em seu art. 2º, fala em cinco anos.
No entanto, esse trecho foi revogado pela Constituição Federal de 1988,
que, no parágrafo único de seu art. 52, afirmou que o impedimento é de oito
anos.
3 Constituição,
art. 52, parágrafo único, e Lei nº 1.079, de 1950, art. 80, parágrafo único.
4 Acórdão 21.320, relator Min. Luiz Carlos
Madeira, 09. 11.2004.
5 Consulta 1.657/PI, relator Mln. Eliana
Calmon, 19.12.2008.