Por Ruy Fabiano
A inclusão do
Brasil num projeto socialista bolivariano, que transformaria o continente numa
pátria única – a “Grande Pátria”, de que falava Hugo Chávez -, subverte não
apenas o princípio da soberania, mas sobretudo força uma unidade política
artificial.
Nada temos com
Simon Bolívar, que é herói de outro mundo, forjado numa mitologia política que
não nos diz respeito. Vale tanto para nós quanto Tiradentes, por exemplo, para
os bolivianos.
Sublimar
personagens históricos para, a partir deles, criar símbolos de unidade nacional
é recurso usual – e de certa forma legítimo -, vigente em todas as nações. Os
norte-americanos têm seus Pais Fundadores, cultivados até hoje como fator de
união cultural e política. Não há presidente que não os mencione. Idem os europeus
– franceses, alemães, ingleses, italianos etc.
Temos também nossos
Pais Fundadores, embora já há algumas décadas submetidos a um processo de
depreciação ideológica. Mas figuras como José Bonifácio, Gonçalves Ledo, Pedro
I e II, Tiradentes, Joaquim Nabuco, Duque de Caxias e Ruy Barbosa (para citar
apenas alguns) estão na origem de nossa formação nacional - obra complexa e em
curso, dadas as dimensões continentais e a índole multicultural do país.
Quando, porém, se
afirma que “nunca antes neste país” se fez nada de relevante, e se busca anular
todo o passado – dispensando-se inclusive de conhecê-lo -, empastelando seu
meio milênio de história como um transe equivocado, conspira-se contra sua
memória, o maior patrimônio civilizatório de qualquer nação.
Note-se que, à
exceção de Caxias – e mais pelo seu papel de pacificador que de guerreiro -, os
nossos Pais Fundadores são todos civis, não obstante os recorrentes golpes
militares da República.
Mas não temos a
tradição guerreira dos hispano-americanos. Nosso elo comum é o
subdesenvolvimento, o DNA católico e o hábito de terceirizar nossas mazelas,
debitando-as à conta das potências hegemônicas. No mais, nossas relações jamais
foram íntimas. Somos vistos como um corpo estranho ao continente, portadores de
outro idioma e de outras tradições.
O conquistador
português logrou um feito em sua colônia americana que o colonizador espanhol
não conseguiu: a preservação de sua unidade política.
A independência da
América espanhola resultou no surgimento de diversas repúblicas que, não
obstante a língua comum, não superaram suas divergências regionais.
Protagonizaram guerras entre si e até hoje discutem questões de fronteiras. O
único conflito regional em que o Brasil se envolveu, em resposta à invasão de
seu território, foi com o Paraguai, na década dos 60 do século 19.
O Foro de São
Paulo, entidade fundada em 1990 por Lula e Fidel Castro, intenta a unidade do
continente a partir do elo ideológico – bolivarismo é sinônimo de socialismo -,
o que é, em si, um fator beligerante, como se tem visto.
Tenta-se resolver a
disparidade social pela via do populismo, desconhecendo-se o fato de que apenas
a geração de riqueza pode banir – ou ao menos reduzir significativamente – a
pobreza.
Não se conhece
outro meio, e quanto a isso o socialismo não deixou dúvidas. O insucesso
econômico e a diplomacia ideológica agravam as dificuldades. Mas, mais que
isso, a tentativa de inclusão do Brasil nesse contexto - país bem mais complexo
que seus vizinhos - sofre a limitação adicional de a ele não pertencer, nem
histórica, nem cultural, nem politicamente.
A maior parte da
população nem desconfia da existência do Foro de São Paulo e de seus
propósitos. Os dirigentes do PT são cautelosos quando tratam do tema, pois
querem contornar essa estranheza. Mas basta conferir sua proposta de reforma
política, seu brado revolucionário continental e os caminhos que sugere para
não haver dúvida quanto à trajetória pretendida, já trilhada pela Venezuela,
Equador e Bolívia, entre outros.
Lula mesmo já se
jactou de ter “inventado Hugo Chávez”. E Nicolas Maduro, em vídeo que pode ser
apreciado no Youtube, em que saúda a vitória de Dilma Roussef, deixa clara a
decisiva importância do Brasil ao projeto da “Grande Pátria” bolivariana.
O intercâmbio
político entre as duas nações, que não tem correspondência no plano econômico,
evidencia essa parceria saudada por Maduro. E não é casual que os dois países
tenham feito de suas respectivas empresas de petróleo – a PDVSA e a Petrobras –
o mesmo bordel financeiro.
São (foram), aliás,
parceiras no desastroso empreendimento da refinaria de Abreu Lima (PE), nome
que homenageia o único general brasileiro a aderir às tropas de Bolívar na
independência hispano-americana. O bolivarismo levou as nações que a ele
aderiram ao desastre econômico. O Brasil já chegaria ao clube com o desastre
previamente consumado. É improvável que a meta se concretize, mas a insistência
em alcançá-la promete muito barulho.
Simón Bolívar
(Imagem: Arquivo Google)