Do Deutsche Welle
Segundo o Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS), o apagão de terça-feira (05/02), que atingiu partes das
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, não foi causado, em princípio, por excesso
de consumo. Mas de acordo com especialistas ouvidos pela DW, o Brasil precisa
diversificar urgentemente sua matriz energética – hoje altamente dependente das
hidroelétricas e, em casos de emergência, das termoelétricas.
As termoelétricas são acionadas
sempre que o setor hidroelétrico – responsável por 63% da energia gerada no
país – ameaça não dar conta da demanda de consumo. Segundo especialistas, a
curto prazo, nenhuma outra fonte de energia renovável será capaz de suprir as
atuais necessidades do sistema, mas, para os próximos anos, é preciso investir
em alternativas.
“As energias renováveis não são
oportunidades que possam ser implementadas a curto prazo, porque a lição não
foi feita. O planejamento do Brasil é só aumentar a oferta de hidroelétricas. E
o governo acaba não atentando para as alternativas”, avalia Artur de Souza
Moret, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente da Universidade Federal de Rondônia (Unir). "A tendência
'monotecnológica' do país é um entrave à eficiência do planejamento
enérgico."
Nesta semana, com as termoelétricas
ligadas, a energia no Brasil é vendida ao preço recorde de 822,23 de reais por
megawatt-hora (MWh), quase o dobro do valor praticado na última semana de
janeiro. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), o preço
da energia oriunda das termoelétricas é oito vezes mais cara do que a produzida
em parques eólicos, por exemplo.
Como são usadas geralmente em
ocasiões de emergência, o valor da energia gerada pelas termoelétricas precisa
compensar o período de manutenção em que a usina não foi utilizada. “Ninguém
tem dúvida de que qualquer sistema elétrico que queira ter certa eficiência na
segurança do atendimento precisa de usinas termoelétricas, mas os preços
precisam ser mais baixos”, argumenta Elbia Melo, presidente executiva da
ABEEólica.
Para isso, o coordenador do
Laboratório de Energia Solar da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Arno Krenzinger, defende que a matriz energética do país seja mais
diversificada. “Não adianta o governo fazer um decreto e tentar implementar
tudo ao mesmo tempo. Os custos estão baixando. A soma de pequenas contribuições
pode levar o país a um melhor desempenho energético”, opina.
Potencial perdido
De acordo com os últimos leilões
promovidos pelo governo, o preço da energia eólica tem sido equivalente à
hidroelétrica. Já a térmica e a solar são três vezes mais caras. A atual
capacidade instalada de energia eólica, no entanto, não é suficiente para
atender às necessidades do sistema.
Painéis solares na China, líder
mundial no setor
Segundo a ABEEólica, 48 parques que
correspondem a 1,2 gigawatts de capacidade instalada estão ainda sem linha de
transmissão. A entidade espera que até o final de março 26 dessas usinas entrem
em funcionamento.
“Se o Brasil tivesse investido 30
anos atrás para termos um parque de usinas em funcionamento, o país não seria
tão suscetível ao problema de falta de chuva. O potencial hídrico do Brasil é
suficiente para abastecer o país inteiro, mas o potencial eólico é muito
superior ao que é necessário”, analisa Krenzinger.
Para o diretor do Laboratório de
Energia dos Ventos da Universidade Federal Fluminense, Geraldo Tavares, a
realização de leilões de energia eólica representa um entrave para o setor.
“Isso nunca deu certo no mundo todo.
O governo deveria permitir que quem quiser produzir energia eólica faça a
ligação com a rede, desde que haja um preço fixo por megawatt/hora. O leilão
não permite que o preço baixe muito e se torne competitivo”, explica.
Segundo o professor Artur de Souza
Moret, da Unir, o risco de falta de energia poderia ser “zero” se houvesse mais
investimentos em energia solar e fotovoltaica. “No Brasil inteiro, a quantidade
de sol é muito grande. Com os painéis solares, o consumo de energia subiria na
mesma proporção, mas parte disso poderia ser atendido pela própria energia
solar”, afirma.
Altos custos
Com percentual baixo de capacidade
instalada em relação às demais fontes, a energia solar ainda é muito cara no
país por causa do alto custo dos equipamentos, mas poderia reduzir o uso de
energia térmica em momentos de crise.
Usina hidroelétrica de Tucuruí, no
Rio Tocantins
“Por causa do alto preço do diesel,
as usinas fotovoltaicas são competitivas em relação às termoelétricas, mas em
nenhum país do mundo a energia solar pode ser tida como base. Ela sempre vai
ser complementar, porque não está disponível a todo momento. Não existe energia
solar à noite, por exemplo”, diz o coordenador do Laboratório de Energia Solar
da UFRGS.
Segundo Moret, o Brasil precisa
trabalhar com as regionalidades no setor energético. “As fontes devem ser mais
localizadas. Por exemplo, porque não substituir o diesel por óleo vegetal ou
biodiesel em Mato Grosso e Rondônia, que têm grande produção de soja? Em São
Paulo, por que não utilizar ainda mais o bagaço de cana?”, questiona.
Krenzinger, por sua vez, avalia que a segurança do
sistema elétrico também depende do investimento em várias fontes de energia:
“Acredito que no futuro essa proporção venha a se corrigir, porque a energia
eólica tem oferecido um preço interessante em relação à hidroelétrica. Nenhuma matriz
pode ser única. O sistema é mais seguro se há várias fontes.”