Jefferson Puff, da BBC Brasil
Autora
de levantamento feito pela Universidade de Oxford alerta para risco de gastos
excessivos na Olimpíada do Rio em 2016
A realização de Jogos Olímpicos oferece
grande risco financeiro e a Olimpíada do Rio pode chegar a ficar quase quatro
vezes mais cara do que o orçamento inicial, na opinião de uma pesquisadora da
Universidade de Oxford.
Allison Stewart, coautora de um estudo que
concluiu que as Olimpíadas desde 1960 têm estourado orçamentos em 252%, diz ver
o risco de que os Jogos do Rio tenham um aumento na mesma magnitude do
verificado nos Jogos de Londres em 2012, orçados inicialmente em US$ 3,95
bilhões e com custo final de US$ 15 bilhões - um aumento de mais de quatro
vezes o valor inicial.
"Com
base nos nossos estudos e no que temos visto do Rio eu diria que não é
impossível que o orçamento dos Jogos de 2016 também tenha um aumento nesta
magnitude", disse ela em entrevista à BBC
Brasil.
Para a doutora pela Universidade de Oxford,
sediar uma Olimpíada é um dos megaprojetos com maior risco financeiro que
existe. Em 2012, ela copublicou o estudo que analisou todos os orçamentos dos
Jogos realizados entre 1960 e 2012.
Ao fazer comparações entre os orçamentos
apresentados pelas cidades-sede ao Comitê Olímpico Internacional (COI) no
momento da candidatura e as contas finais ao término dos Jogos, chegou-se à
média de gastos além do previsto de 252%.
Nenhuma Olimpíada fechou a contabilidade
dentro das previsões iniciais.
"Nenhum
outro tipo de megaprojeto (ferrovias, grandes hidrelétricas, megaeventos) tem
100% de consistência de exceder o orçamento como as Olimpíadas",
dizem os pesquisadores.
Stewart alertou para a necessidade de
monitoramento dos gastos dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio-2016, cujos
gastos totais foram estimados em R$ 22 bilhões no dossiê de candidatura.
Nesta semana, o Comitê Rio-2016 divulgou pela
primeira vez um orçamento operacional de R$ 7 bilhões. Também foi divulgada uma
versão incompleta da Matriz de Responsabilidades dos Jogos – o documento que
detalha os projetos a serem concretizados para a Olimpíada. De 52 projetos
citados na Matriz, apenas 24 foram orçados, num total de R$ 5,6 bilhões.
Os organizadores vêm sendo criticados pelo
atraso em divulgar os dados e a falta de definição, mas argumentam que estão
trabalhando dentro dos prazos.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Seu
estudo foca na diferença entre os valores dos orçamentos iniciais, incluídos
nos dossiês de candidatura ao COI, e os custos finais de sediar uma Olimpíada.
É possível afirmar que as cidades-sede tendem a apresentar orçamentos mais
baixos do que a realidade, numa tentativa de legitimar o projeto?
Allison Stewart - É
curioso, porque de fato a intenção de se pedir um orçamento para alguma coisa é
prever custos, informando o máximo que pode-se gastar para um determinado
projeto ou atividade. No caso das Olimpíadas, no entanto, vemos que o orçamento
inicial é sempre o mais baixo possível, e que na verdade os orçamentos
apresentados nesta etapa dificilmente poderão ser colocados em prática.
Outra coisa é que as cidades-sede, ao
assinarem o contrato com o COI, assinam também um cheque em branco, para cobrir
todos os custos que ultrapassem a previsão inicial.
"Com base nos nossos estudos e no que
temos visto do Rio eu diria que não é impossível que o orçamento dos Jogos de
2016 também tenha um aumento nesta magnitude"
Imagine que você chama um
pedreiro para reformar sua casa. Você diz a ele que há um orçamento, mas que
todos os custos excedentes serão cobertos. Obviamente não é o melhor estímulo
para que ele mantenha as contas da reforma em dia. Nas Olimpíadas, estes
recursos de cobertura estão saindo do bolso do contribuinte, então poder
monitorar o orçamento é crucial.
BBC Brasil - Você
diria que nas últimas décadas os países que sediaram Olimpíadas falharam em
criar iniciativas para aprimorar os mecanismos de monitoramento do uso de
recursos públicos?
Allison Stewart - Se você
analisar os dados dos Jogos realizados entre os anos 2000 e 2010 vai perceber
que as cidades-sede estavam começando a ter uma previsão melhor dos custos
finais e a reduzir de forma significativa os gastos excedentes.
A tendência foi revertida pelos Jogos de
Londres, no entanto, que voltaram a aumentar os gastos excedentes, e com base
nas evidências que já temos, as Olimpíadas de Sochi e do Rio também devem
mostrar gastos excessivos.
BBC Brasil - A Matriz
de Responsabilidades dos Jogos do Rio só foi divulgada nesta terça-feira, com
atraso e após pressão do TCU (Tribunal de Contas da União) e do COI. A demora e
a falta de definições quanto ao orçamento são um mau sinal quanto à
transparência? É comum que as cidades-sede demorem a divulgar seus orçamentos?
Allison Stewart - Não é
raro que as cidades tomem um tempo para apresentar seus orçamentos, mas pouco
mais de dois anos antes dos Jogos é um atraso considerável, sim. O único
orçamento disponível até então era o do dossiê de candidatura, em 2009, e até
agora o Rio não havia divulgado nenhuma atualização.
É difícil avaliar o que essa atitude em si
nos diz sobre o que podemos esperar da contabilidade dessas Olimpíadas. Outras
cidades-sede também já atrasaram e isto certamente levanta dúvidas sobre a
transparência. Se eles não conseguem divulgar um orçamento e atualizá-lo de
forma mais regular, o que estão fazendo com o dinheiro?
E por que os contribuintes não têm o direito
de monitorar esses gastos? Em Londres, o orçamento foi publicado cinco anos
antes e tinha atualizações frequentes.
BBC Brasil - Os Jogos
de Londres foram orçados inicialmente em US$ 3,95 bilhões e o custo final foi
fechado em US$ 15 bilhões, um aumento de quase quatro vezes o valor inicial. No
Rio o dossiê de candidatura contém um orçamento de US$ 9 bilhões. Com base na
sua experiência, é possível um aumento semelhante aqui?
Allison Stewart - Com base
nos nossos estudos e no que temos visto do Rio eu diria que não é impossível
que o orçamento dos Jogos de 2016 também tenha um aumento nesta magnitude.
Em Sochi não temos tido nenhuma atualização
orçamentária e há chances de gastos excedentes semelhantes aos de Londres. Eu
ficaria surpresa devido ao clima político no Brasil neste momento, com os
protestos, mas definitivamente não é impossível.
BBC Brasil - Se os
Jogos Olímpicos têm na sua essência uma sobrecarga dos recursos públicos, como
sustentar os supostos benefícios dos legados da competição para a cidade-sede?
"Se no Brasil o TCU
está se queixando de falta de acesso a dados orçamentários eu diria que isto é
um motivo de bastante preocupação e deveria ser levado a sério."
Allison Stewart - É uma
faca de dois gumes. De um lado há, de fato, a possibilidade de obter grandes
avanços em uma cidade, com obras de infraestrutura que poderiam levar de 20 a
30 anos para angariar o apoio político necessário para sair do papel.
Dito isso, é claro que pode-se ao mesmo tempo
acabar numa situação como Montreal (1976), que teve um custo excedente de quase
800% e levou 30 anos para pagar suas Olimpíadas. Claro que este é o pior caso
possível, e esperamos que isso não aconteça no Rio, mas há sempre este risco. O
uso do termo legado tem sido deturpado. O legado de uma Olimpíada é tudo que
sobra para a cidade-sede após todos os turistas irem para casa, de bom e de
ruim.
BBC Brasil - Como você
avalia a posição do COI em relação aos gastos olímpicos nas últimas décadas? O
órgão tende a se isolar ou tem buscado alguma iniciativa de monitoramento, de
controle?
Allison Stewart - O COI
introduziu no ano 2000 um programa chamado Gerenciamento de Conhecimento dos
Jogos Olímpicos (OGKM, na sigla em inglês), que é uma iniciativa excelente.
Dito isso, ainda há muito mais que o COI
poderia fazer. Estruturas temporárias e a reutilização de grandes estruturas
existentes ao invés de construir novas são algumas das recomendações do COI,
por exemplo. Mas isto não significa que eles vão selecionar a cidade que
apresentar o orçamento com maior custo-benefício. Este não tem sido um dos
critérios mais importantes na seleção de uma cidade olímpica.
BBC Brasil - No Brasil
o TCU, principal agente fiscalizador de contas públicas do país, tem criticado
a falta de informações orçamentárias por parte dos organizadores dos Jogos do
Rio. Isto tem acontecido em outros países?
Allison Stewart - O papel
dos órgãos auditores é inacreditavelmente importante para garantir que os Jogos
ocorram com boa disciplina fiscal. Infelizmente vemos em muitos países que os
auditores só recebem o poder que realmente necessitam para monitorar as contas
olímpicas após o término das competições.
Eles acabam tendo um papel de produzir
relatórios apontando todos os erros cometidos, mas muitas vezes não conseguem
ter a chance de monitorar os custos enquanto as decisões estão sendo tomadas,
com transparência e possibilidade de intervenção. Claro que isto varia de país
para país. Se no Brasil o TCU está se queixando de falta de acesso a dados
orçamentários eu diria que isto é um motivo de bastante preocupação e deveria
ser levado a sério.
BBC Brasil - Na sua
opinião, o que deveria ser o foco de preocupação da sociedade, dos órgãos
auditores, do governo e dos organizadores das Olimpíadas do Rio nestes próximos
dois anos, para evitar problemas semelhantes a outros Jogos?
Allison Stewart - Todos que
têm interesse em que tudo corra bem deveriam se envolver ao máximo para
monitorar e fiscalizar a preparação para os Jogos do Rio, tentando garantir que
estão por dentro do que está acontecendo com o orçamento conforme os Jogos
tomem forma. Estudamos alguns casos em que os últimos dois anos de preparação
foram os que registraram os maiores gastos excessivos.
Nessa altura, embora ainda haja oportunidades
para influenciar alguns dos gastos, muitas decisões já foram tomadas. Tentar
intervir agora para evitar maiores estragos é algo crucial.