Todo empreendimento
sujeito a licenciamento ambiental subsidiado por Estudo de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) deve destinar até 0,5% do valor de seu investimento para
manutenção/criação de Unidades de Conservação (UCs), como parques, estações
ecológicas, reservas biológicas, por exemplo.
Trata-se de uma
"compensação financeira" em decorrência dos impactos negativos
gerados com a implantação desses empreendimentos, prevista na chamada Lei do
SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal nº 9.985/2000,
art. 36) e nos respectivos regulamentos (Decreto Federal nº 4.519/2002 e
4.340/2002).
As normas não
previam expressamente a metodologia de destinação desses recursos, ou seja, se
o empreendedor deveria cumprir a compensação pela via "indireta", na
qual se obriga apenas a depositar o valor, ou, "direta", pela qual se
responsabiliza pela execução em si das ações ambientais voltadas às UCs, como
regularização fundiária e elaboração e implantação dos seus respectivos planos
de manejo.
Há alguns aspectos
ainda nebulosos na MP. Um deles é a dispensa de Licitação beneficiando somente
instituições oficiais
A execução indireta
(depósito) pode ser mais vantajosa para os empreendedores que não possuem
expertise em serviços voltados à criação/manutenção de UCs, pois demanda
contratações de terceirizadas, assunção de prazos de execução, dentre outros
procedimentos. Na via direta, por sua vez, abrese um longo caminho de medidas,
prazos e compromissos para atender a finalidade da norma.
Diante de ausência
de previsão legal, muitas discussões foram travadas envolvendo o tema. Até
então, decisões do Tribunal de Contas da União e pareceres da Advocacia-Geral
da União (AGU) revelavam posicionamento favorável à via direta, sob fundamento
de que não havia legislação que previsse a possibilidade de se alocar os
recursos mediante aporte financeiro.
Para viabilizar a
execução indireta, no dia 04 de dezembro 2017, foi publicada a Medida
Provisória (MP) 809, deixando a cargo do Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade (ICMBio) - o órgão gestor das UCs em âmbito federal - selecionar
instituição financeira oficial (dispensada de Licitação), para criar e
administrar um fundo privado a ser integralizado com os recursos decorrentes da
compensação do SNUC.
Conforme previsto
na MP, o depósito integral do valor desonera o empreendedor das obrigações
relacionadas à compensação, preenchendo importante lacuna a respeito do
pagamento pecuniário da compensação na tentativa de solucionar a controvérsia
de gestão desses recursos.
De toda forma, há
alguns aspectos ainda nebulosos na MP. Um deles é a dispensa de Licitação
beneficiando somente instituições oficiais. Inclusive, sobre o tema, vale citar
a Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Rio de
Janeiro, em 2009, envolvendo supostas Irregularidades no convênio celebrado
entre o órgão ambiental estadual (INEA) e o Funbio (Fundo Brasileiro de
Biodiversidade), em especial por não ter sido precedido de Licitação. No
momento, segue válida a decisão proferida em outubro de 2016, pela nulidade do
convênio, proibição de repasses e de gerenciamento de qualquer valor referente
à compensação envolvida na lide, além de encaminhamento de contas detalhadas
das contratações, até então realizadas, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Apesar da discussão
no Estado não ser voltada à metodologia de execução (se direta ou indireta),
gerou insegurança para aplicação da via indireta pelo órgão ambiental,
inviabilizando a sua aplicação. Esse posicionamento deve ser revisto agora com
o advento da MP, inclusive considerando a legislação estadual que já prevê essa
possibilidade.
Outra novidade
importante é que em 7 de fevereiro deste ano, o próprio ICMBio adaptou sua
legislação e publicou a Instrução Normativa nº 3, regulamentando os
procedimentos para celebração do Termo de Compromisso, com disposições
específicas sobre a execução direta e indireta, "execução pelo fundo da
compensação ambiental".
Vale ressaltar que
a MP já vem sendo alvo de críticas, a exemplo da desapropriação de imóveis
(inseridos em UCs beneficiárias da compensação) pela instituição financeira e
não pelo órgão gestor da unidade.
Outro ponto ainda
indefinido diz respeito ao índice de atualização dos valores, fixado pelo
IPCA-E, mas sem especificar a data de partida. Na prática, ocorre a partir da
imposição da obrigação na licença ambiental, mas sem previsão legal, pode ainda
ser passível de questionamento.
Não menos
importante é a própria avaliação da urgência e relevância do tema para que se
optasse pela regulamentação via Medida Provisória, muito embora seja
inquestionável a relevância da matéria.
Apesar das
fragilidades apontadas, o advento da MP molda e suporta, com maior segurança, a
possibilidade da execução indireta, via aporte financeiro, medida esta que
poderá gerar maior eficiência na proteção do meio ambiente se gerida de forma
adequada e com a transparência devida pelos órgãos ambientais.
Por Luciana Gil e Thais Monteiro, no Valor Econômico